São Paulo, sexta, 11 de setembro de 1998

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ARTIGO

Por uma dimensão social no Mercosul

JOÃO VACCARI NETO

O Mercosul é o quarto bloco comercial mais importante do mundo, concentrando 54% do PIB latino-americano. Atrai um terço dos investimentos diretos da região e em cinco anos de vigência (1992 a 1997) mais que quadruplicou o volume de comércio entre os quatro sócios. Tem a renda "per capita" mais alta dos continentes sul e centro-americanos, mas quase dois terços dos trabalhadores dessa região estão desempregados ou em situação de emprego precária (subemprego, sem contrato formal). Ou seja, cerca de 50 milhões de pessoas não têm nenhuma cobertura social e laboral.
O nível de descumprimento da legislação trabalhista para os que estão no mercado formal ultrapassa de longe os padrões internacionais. As recentes mudanças na legislação trabalhista, principalmente no Brasil de FHC e na Argentina de Menem, têm caminhado para a retirada de direitos históricos.
A Coordenadoria de Centrais Sindicais do Cone Sul (CCSCS), que agrupa as centrais sindicais que acompanham o processo de negociação entre os governos, dentre elas a CUT, tem denunciado que os problemas sociais são agravados pela integração estritamente comercial, aumentando o desemprego.
A falta de proteção de direitos trabalhistas básicos gera uma concorrência desleal e aprofunda a exclusão social. Mas nenhum desses problemas tem sensibilizado os governantes que conduzem o Mercosul. Hoje, depois de mais de seis anos de negociações, praticamente nenhuma resolução de âmbito social foi aprovada.
Há cerca de um ano, propusemos no grupo de relações trabalhistas do Mercosul que fosse aprovado um protocolo sociolaboral, para garantir a cobertura de direitos básicos e uniformes em âmbito regional. Desde então, esse instrumento vem sendo negociado, de forma tripartite, com os quatro países.
Lamentavelmente, no entanto, esse protocolo vem sendo cada vez mais descaracterizado e reduzido em seu conteúdo, em razão do posicionamento que vêm adotando os empresários, recentemente reforçado pelas considerações emitidas pelo grupo do Mercado Comum, organismo institucional responsável pela condução de todas as negociações do Mercosul.
Até o momento, as representações empresariais não aceitam incluir no corpo do protocolo a cobertura de direitos básicos e fundamentais, como a formalização do contrato de trabalho e a delimitação da jornada de trabalho. Além disso, essas entidades não querem que seja adotado um protocolo e sim uma declaração sem caráter vinculante, pois não aceitam que se estabeleça a obrigatoriedade de seu cumprimento, assim como ocorre com as normas comerciais adotadas em outras esferas do Mercosul.
Além disso, negam-se a reconhecer que a globalização regional requer mecanismos de negociação e de representação social com esse perfil.
A CUT e as demais entidades sindicais defendem que haja uma sintonia ente o nível de cobertura do protocolo sociolaboral e os compromissos sociais inseridos nos tratados e convenções internacionais já firmados pelos governos (a Declaração de Direitos Humanos da ONU, a Constituição e os convênios internacionais da OIT, a Carta da Organização dos Estados Americanos e os acordos do ciclo de conferências sociais da ONU -sobre meio ambiente, desenvolvimento social, mulher, entre outros). Afirmam também que uma declaração sem caráter vinculante não alterará a situação atual de descumprimento e baixa cobertura de direitos laborais e defendem que no próprio texto do protocolo sociolaboral se incluam regras próprias para a solução de possíveis controvérsias.
O sindicalismo do Mercosul não está disposto a aceitar um arremedo de dimensão social, que parece ser o destino do processo tal como se encontra hoje.


João Vaccari Neto, 39, é vice-presidente nacional da CUT (Central Única dos Trabalhadores), presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo e representante da CUT no Subgrupo de Relações Trabalhistas do Mercosul.



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