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São Paulo, sábado, 11 de outubro de 2003

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COMÉRCIO MUNDIAL

Antigo G20plus passa agora a ser G-X ou G-variável

Amorim critica postura dos EUA durante negociação

ELIANE CANTANHÊDE
ENVIADA A BUENOS AIRES
ELAINE COTTA
DE BUENOS AIRES

O grupo de países pobres que já foi chamado de G20plus passou ontem a ser o G-X ou o G-variável, segundo o chanceler Celso Amorim, ao desafiar os Estados Unidos, considerados os principais responsáveis pela desistência de países do grupo: "Se quisermos atazanar a vida dos Estados Unidos, basta botar dois ou três parágrafos de antidumping [em acordos de comércio], mas não faremos isso".
Em novas e agora indiretas referências aos EUA, disse: "Se algum país achar que pode encurralar o Mercosul, que tente. Que sentido fará uma Alca [Área de Livre Comércio das Américas] sem o Mercosul?", disse Amorim, acrescentando que o próprio bloco do Sul "não é uma camisa-de-força".
O Uruguai, um dos quatro participantes do Mercosul (os outros são Argentina, Brasil e Uruguai), foi um dos três países que constavam da lista de presentes na reunião de ontem do agora G-X, em Buenos Aires, mas acabou excluído do comunicado final sem nenhuma explicação. Os dois outros foram Peru e Guatemala, já considerados fora do grupo.
Desde a fracassada reunião da OMC (Organização Mundial do Comércio), em Cancún, no mês passado, os EUA passaram a jogar duro para enfraquecer o novo grupo de países pobres criado para forçar uma revisão na política de subsídios agrícolas dos países ricos, tão prejudicial aos países pobres.
As armas norte-americanas são principalmente assistência financeira e acordos bilaterais de livre comércio, poderosas o suficiente para, por exemplo, retirar a Colômbia do agora G-X. Apesar de um telefonema do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pedindo a presença colombiana no encontro de ontem, o presidente Álvaro Uribe não mandou representante.
"Não queremos encurralar ninguém nem ser encurralados por ninguém", disse Celso Amorim a jornalistas, numa tumultuada entrevista entre a saída do Palácio San Martín, onde se realizou o encontro, e o carro que o levaria até a Embaixada do Brasil.
Amorim, principal articulador do G-X, não gostou quando os jornalistas lhe perguntaram se o grupo estava "em baixa". Em linguagem de mercado de ações, sugeriu: "Se fosse eu, comprava na baixa". Na sua opinião, o grupo tende a voltar a crescer nas novas rodadas de negociações da OMC. A próxima é até 15 de dezembro, em Genebra (Suíça).
Ele também disse que "nem todos os participantes do G20 original foram convidados para a reunião de ontem -algo que o chanceler argentino, Rafael Bielsa, confirmou. E completou afirmando que o grupo é informal, daí a variação na presença: "Não existe uma carteirinha para assinar".
O tema de união desses países é a agricultura. Eles se uniram para tentar enfrentar uma proposta conjunta de EUA e União Européia, que mantém uma política de subsídios agrícolas, durante a reunião da OMC em Cancún.
A reunião terminou em fracasso devido a um impasse na hora em que eram discutidos os chamados "temas de Cingapura", que são facilitação de negócios, regras para investimentos, política de concorrência e compras governamentais. A União Européia insistia em incluir na declaração final pelo menos dois desses temas, ao que se opuseram países em desenvolvimento e países muito pobres.
Ao citar os verbos "encurralar" e "atazanar" ao se referir aos EUA, o chanceler brasileiro não reagia apenas à ação da maior potência do mundo para esvaziar o grupo de países pobres na OMC, mas também às pressões que o país faz na discussão da Alca, especialmente sobre o Mercosul.
Amorim, porém, justificou a atitude dos norte-americanos como algo normal: "Ninguém é santo em negociação".
Ele se reuniu com empresários em sua passagem por São Paulo na quinta-feira, a caminho de Buenos Aires. Disse que a intenção foi explicar as negociações do Mercosul na Alca e avisou que "haverá perdas".
"Nós queremos uma Alca muito ambiciosa, com tarifas zero para todos os produtos. É evidente que, num processo assim, alguns vão perder", disse ele, deixando claro que já vem preparando o espírito dos setores empresariais.
Aborrecido com as críticas de que o Itamaraty estaria se conduzindo "ideologicamente" nas suas relações com os EUA e nas negociações comerciais, o chanceler disse que não é verdade, mas admitiu em seguida: "Tudo na vida é ideológico". Depois, ressalvou: "Mas sem fundamentalismo".
Amorim volta hoje a Brasília.


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