São Paulo, domingo, 11 de novembro de 2001

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Inimigos da globalização mudam tática

Evelson de Freitas/Folha Imagem
Protesto antiglobalização em São Paulo, que foi da praça da Sé até o consulado dos Estados Unidos


ALAN BEATTIE
DO "FINANCIAL TIMES"

Desde 11 de setembro, o apetite por manifestações anticapitalistas parece ter-se reduzido: nem a reunião da OMC (Organização Mundial do Comércio), em Doha, Qatar, nem a reunião do G-20 em Ottawa nesta semana devem atrair protestos na escala originalmente planejada. Mas, para os dispostos a reformular suas críticas e dirigi-las para outros alvos, o potencial de mudança pode ser o mais elevado em uma década.
Tom Spencer, diretor do Centro Europeu para Assuntos Públicos, uma organização de pesquisa, resume o desafio que as pessoas que continuam a buscar reformas radicais precisam enfrentar: "Estamos falando sobre anticapitalismo, antiglobalização ou anti-americanismo? Antes de 11 de setembro, isso não fazia diferença. Agora, faz".

George Soros
Ele discursou em recente conferência sobre a globalização, em Budapeste, patrocinada pelo investidor bilionário George Soros, que teve a presença de acadêmicos, militantes e políticos.
O que emergiu da conferência foi o fato de que continuar integrando as três críticas de Spencer acarretava o risco de gerar forte oposição. Tanto os palestrantes favoráveis à liberalização quanto os adversários atraíram opróbrio generalizado por aparentemente terem agido assim.
Walden Bello, diretor do Foco no Sul Global, um grupo ativista sediado em Bancoc e que se opõe à liberalização comercial e econômica generalizada, atraiu fortes críticas ao alegar que acusações semelhantes poderiam ser feitas ao modelo econômico de liberalização definido por Washington e à inconstante política externa dos Estados Unidos.
Ele insistiu em que o público nos países pobres rotineiramente aproxima anti-americanismo e antiglobalização. "No Terceiro Mundo, sente-se uma real ambivalência sobre os atos de 11 de setembro", disse ele.

Osama bin Laden
"Em toda a Ásia, um dos produtos mais vendidos são camisetas com a imagem de Osama bin Laden. Ele agora está surgindo como uma espécie de figura rebelde correndo em círculos para escapar ao valentão."
David Hartridge, assessor especial de Mike Moore, o diretor-geral da OMC, usou a carta do 11 de setembro pelo ponto de vista oposto. "Deveríamos tomar cuidado para não transformar uma atrocidade em argumento", disse ele. "A raiva não valida nada."
Comentários como esses atraíram fortes reações de diversos participantes, os quais alegaram que ser inimigo da liberalização não equivale a ser anti-americano.

Paraísos fiscais
Um deles foi Susan George, nascida nos Estados Unidos, mas naturalizada francesa e membro da organização ativista Attac, sediada em Paris. George disse que a agenda relativamente específica de controles e impostos que a Attac propõe para o livre movimento de capitais se tornara ainda mais relevante depois dos ataques.
"Uma das exigências da Attac era uma repressão aos chamados paraísos fiscais", disse ela. "Até 11 de setembro, todos afirmavam que isso era impossível. Então, George Bush subitamente passou a alegar que os paraísos fiscais estavam abrigando terroristas e reprimi-los se tornou perfeitamente possível."
George não acredita que o governo dos Estados Unidos se tenha convertido à análise que ela defende quanto às causas implícitas do terrorismo.
Ainda que se esteja distanciando da compreensão demonstrada por Bello quanto a uma posição simpática sobre os ataques terroristas, ela ainda assim encara com horror a resposta americana.
"Como diz o ditado: não faça aquilo que você quer fazer, mas aquilo que seu inimigo menos gostaria que você fizesse."
"E isso seria dar início a um plano genuíno de combate às crises de pobreza e ambiental que afligem o planeta. O que eles mais desejam que façamos é mais ou menos o que estamos fazendo: bombardear civis e criar uma reação no mundo muçulmano."

Pelo menos uma chance
Ela disse que duvidava de que os governos tenham decidido abandonar sua complacência em função do choque, pelo menos não em escala semelhante ao que aconteceu na Segunda Guerra Mundial, depois da qual as Nações Unidas foram criadas e os Estados Unidos ajudaram a reconstruir a Europa com o Plano Marshall. Mas existe, alega ela, pelo menos uma chance.
De fato, a possibilidade de uma mudança genuína na disposição de contemplar novas idéias se tornou evidente.
Idéias otimistas, como um imposto mundial sobre a emissão de dióxido de carbono a fim de levantar bilhões para projetos de desenvolvimento, proposta recentemente por uma comissão de especialistas presidida por outro participante da conferência de Budapeste, o ex-presidente mexicano Ernesto Zedillo, parecem agora um pouco menos fantasiosas e um pouco mais próximas de servir de base a debates sérios.

Aliança frouxa
Mas não está claro se a aliança frouxa de organizações radicais anticapitalistas, que ganhou importância mundial pela primeira vez na conferência da OMC em Seattle, em 1999, está bem preparada para defender os argumentos em favor da mudança.
A ironia da situação é que muito do que seus membros mais defendem é maior regulamentação dos movimentos de capital, das grandes empresas e dos mercados de trabalho. Assim, os instintos intervencionistas que em geral acompanham conflitos militares em larga escala, bem como as respostas dos ativistas à desaceleração econômica mundial, podem servi-las bem.
Mas alguns dos ativistas reconhecem que suas táticas talvez não sejam apropriadas. As mudanças de política estatal exigem um envolvimento mais sistemático com o Estado. Os agentes de mudança mais prováveis seriam as Organizações Não-Governamentais estabelecidas, como as agências assistenciais que, com o tempo, desenvolveram fortes departamentos de lobby e de defesa de interesses específicos.
G. M. Tamas, um professor de filosofia húngaro, disse aos participantes da conferência que "o movimento de Seattle é um teatro revolucionário com objetivos reformistas. Não quer se transformar em um grupo de políticos eleitos. Mas estamos tendo uma guerra na qual o voluntarismo não está em voga".


Tradução de Paulo Migliacci



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