São Paulo, domingo, 11 de novembro de 2001

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Glocalização e internet X apontam nova onda mundial

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

Desenhar cenários e indicar tendências globais ficou mais difícil nas últimas semanas, predomina o pessimismo e as ferramentas habituais da economia, da sociologia ou da geopolítica parecem menos convincentes. Uma alternativa é tentar enxergar o mundo a partir das mudanças e inovações que invadem a língua global por excelência, o inglês.
O fato é que há palavras novas no ar, e observá-las melhor, nos últimos anos, poderia ter sido útil. O fenômeno da "talebanização" já era discutido desde 1999 como a emergência de grupos extremistas e fundamentalistas nas sociedades islâmicas.
Foi também em 1999 que surgiu outro neologismo crucial, a "glocalização", mistura de globalização com localismo, ou seja, a criação de produtos orientados para o mercado global, mas adaptados para atender a culturas locais. Os "marqueteiros" passaram a considerar a "glocalização" uma arte, o termo foi usado num seminário sobre tendências tecnológicas e, na semana passada, uma análise no "Financial Times" descrevia o desajuste europeu entre tendências continentais e âncoras locais na implementação do euro.
Bem mais recente é a identificação da "internet X", expressão que lembra tanto a "geração X" quanto a idéia de que a nova internet surgirá da ampla difusão do padrão XML ("extended markup language"), deixando de ser algo pelo que se navega por meio de telas para se tornar um padrão de conexão de objetos a sistemas digitais de coleta de informação. A internet X seria a fonte de novos trilhões em poucos anos.
Essa visão otimista das novas tecnologias talvez subestime o poder das "bombas lógicas", outro neologismo para designar os vírus programados para "detonar" em determinados prazos.
Aliás, há várias anomalias associadas a essas tecnologias que passaram a frequentar o léxico anglo-saxão. Após o surgimento do "wi-fi" ("wireless frequencies", frequências em que são transmitidas as informações sem fio, contraponto ao "hi-fi" dos anos 50), surgiu o "war driving" (pilotagem de guerra), técnica para detonar computadores dirigindo numa região com um "wireless notebook" e mapeando casas e empresas com pontos de redes sem fio.
Na semana passada, um dos destaques da CNN era a reportagem sobre ciberterrorismo em que se demonstrava aos telespectadores como é possível "clonar" celulares e fazer o "war driving" perto de edifícios equipados com redes sem fio. As primeiras referências a essa técnica de invasão teriam aparecido em artigos publicados no ano 2000.
Uma forma de evitar esses riscos e reforçar a dimensão local da "glocalização" é apostar nas conexões "F2F" ("face to face"), "fleshmeet" (literalmente, encontro carnal, expressão de 1996) ou recorrer ao "facemail" (mensagem transmitida durante uma conversação face a face).
Tais neologismos parecem indicar fragmentação, violência digital, diluição de direitos e perda de horizontes universais para as práticas humanas.
Basicamente o contrário do que parecia reservado para as sociedades contemporâneas a partir da revolução organizacional inspirada em tecnologias de informação e comunicação.
O fato é que, nesse ambiente, fazer negócios e alcançar escala global torna-se mais difícil e custoso. Talvez seja melhor fazer ainda algum esforço nos campos da economia e da sociologia antes que haja essa talebanização digital. Afinal, como dizia Lévi-Strauss, a linguagem é uma forma da razão humana que tem sua lógica interna, sobre a qual o homem nada sabe.



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