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OPINIÃO ECONÔMICA
Juro que vai melhorar
MOYSÉS ARON PLUCIENNIK
Imagine que você está tomando a sua cervejinha com amigos, quando um deles lhe oferece
uma grande oportunidade de ganhar dinheiro. O esquema imaginado é simples: emprestar dinheiro a uma empresa a 25% de juros
ao ano. A empresa é de gente boa,
mas meio desorganizada. O negócio é arriscado e de longa maturação.
Você imediatamente retruca:
"Mas como é que esses caras vão
conseguir pagar esse juro tão alto
em um projeto tão cheio de dificuldades e incertezas?". Com um
sorriso irônico e olhar condescendente, seu amigo passa a lhe explicar que o importante é receber o
juro alto por algum tempo, enquanto eles ainda puderem pagar.
No futuro sempre existirá um
mercado secundário para passar a
dívida adiante ou se poderá criar
as condições para tomar o controle da empresa endividada e vender seus ativos. O segredo está em
fazer o devedor se aguentar por
um período mínimo que garanta
a devolução do principal.
Se essa conversa, caro leitor, lhe
parece um papo de botequim,
coisa de espertalhões ambiciosos
e primários, prepare-se para reconsiderar suas impressões, pois
é exatamente isso que os agentes
financeiros internacionais fazem
quando avaliam o chamado risco-país e emprestam dinheiro a taxas
exorbitantes.
Esses agentes avaliam o risco e
criam as condições para elevá-lo a
níveis insuportáveis, numa lógica
perversa e destrutiva. São profetas
de um futuro que, em grande parte, ajudam a determinar.
É a mesma lógica que leva as
empresas de varejo e de crédito ao
consumidor a "punir" o cidadão
pobre com juros mais altos que
aquele oferecido ao rico, embutindo aí a taxa diferencial de risco.
Argumenta-se que, como alguns
não pagarão suas prestações, é
preciso proteger o capital investido no setor.
É verdade que as lojas de varejo
e as financeiras contribuem para
o aumento dos mercados e alargam as possibilidades de acesso
ao consumo. Mas também é verdade que os juros altos restringem
a velocidade em que isso poderia
ser feito, além de embutir uma
perniciosa injustiça social. O pobre paga mais caro e subsidia o rico.
Tudo de acordo com a inevitável lei do "quanto maior o risco,
maior deve ser o retorno". Uma
lei que parece valer mesmo se o
retorno pretendido liquidar as
reais possibilidades de um tomador responsável pagar o empréstimo.
Tenho visto projetos de estabelecimento de infra-estrutura (telecomunicações, energia e até saneamento básico) no Brasil que se
financiaram a juros na faixa de
15% a 20% ao ano, em dólar! Projetos como esses dependem de
um desempenho forte da economia como um todo para sua viabilização: a renda disponível da
população tem de crescer para gerar consumo. Punindo dessa forma os projetos em países de "alto
risco", os agentes internacionais
estão condenando esses mesmos
projetos ao fracasso quase certo.
Como sair desse ciclo perverso
da aposta no fracasso? Acredito
que no âmbito do fomento a países há algo a ser inovado, algo que
pode ser uma idéia transformadora e sustentável.
Pensemos o seguinte: qual é o
incentivo dado ao bom pagador
de um contrato de longo prazo e
de juros altos? Os financistas dirão que o bom pagador será beneficiado em seu próximo contrato
com juros mais baixos.
Isso é apenas parcialmente verdadeiro, dado que a taxa efetiva
de juros depende da aversão média que os emprestadores tem ao
risco no momento do empréstimo. Mais grave ainda é que, mesmo que as condições objetivas
melhorem para o tomador, sua
possibilidade de trocar a dívida
contraída a juros altos por outra
de juros mais baixos é frequentemente regulada por contrato pelo
emprestador.
E o que acontece com aquele
que, por quaisquer circunstâncias, tais como uma desvalorização cambial abrupta ou uma recessão macroeconômica inesperada, vê-se impedido de honrar
seus compromissos? O inadimplente ver-se-á ainda mais limitado em seu acesso a crédito, tendo
seu "rating" rebaixado pelas
agências de avaliação de créditos.
Assim, só existem punições e
controles forçados. Não existem
incentivos. Tudo se faz para proteger o desastre do emprestador e
pouco ou nada se faz para propiciar um benefício para o tomador.
Imagine agora que exista uma
atuação coordenada dos órgãos
multilaterais de financiamento e
fomento para "premiar", de fato,
o bom pagador de alto risco. Tomemos o exemplo de um projeto
de telefonia no Brasil de hoje que,
digamos, consiga financiar-se
com bancos privados à taxa estratosférica de 18% ao ano, em dólar,
por um prazo de oito anos. E suponhamos que seus gestores consigam fazer seus pagamentos em
dia até o final do segundo ano.
Pois bem, a esse bom pagador
seria, então, dado um "desconto"
na taxa de juros do contrato, dali
para a frente. A diferença entre a
taxa contratada e a efetivamente
paga seria bancada por um fundo
especialmente criado em nível
multilateral. Por ter sido bom pagador, assume-se que o tomador
continuará sendo bom pagador e
cria-se melhores condições para
que assim seja. É uma aposta no
ciclo virtuoso de desenvolvimento, é civilizatório.
O ciclo atual é perverso e vicioso: aposta no fracasso. Traz consigo a marca da ineficiência e da
concentração crescente de oportunidades. É um sistema burro e
bárbaro.
Um Fundo de Compensação
para Redução de Riscos poderia
bem servir a esse papel. Em vez de
atuar diretamente (ou em adição
à atuação direta), os órgãos multilaterais administrariam benefícios aos "bons devedores". Em
vez de coonestar um juro (com a
embutida taxa de risco) que sempre cresce para quem é pobre, fomentaria um juro que diminui
com o bom comportamento. Note que essa mesma solução funcionaria igualmente bem para
baixar os juros efetivos do crediário ao consumidor final.
Enfim, juro que vai melhorar!
Moysés Aron Pluciennik, 52, é presidente da Fundação Alavanca, ONG comprometida com educação, profissionalização, cultura e empreendedorismo. É
engenheiro formado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e
mestre em ciências administrativas pelo
MIT (Instituto Tecnológico de Massachusetts).
E-mail - moyses@alavanca.org
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