São Paulo, segunda-feira, 11 de novembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Juro que vai melhorar

MOYSÉS ARON PLUCIENNIK

Imagine que você está tomando a sua cervejinha com amigos, quando um deles lhe oferece uma grande oportunidade de ganhar dinheiro. O esquema imaginado é simples: emprestar dinheiro a uma empresa a 25% de juros ao ano. A empresa é de gente boa, mas meio desorganizada. O negócio é arriscado e de longa maturação.
Você imediatamente retruca: "Mas como é que esses caras vão conseguir pagar esse juro tão alto em um projeto tão cheio de dificuldades e incertezas?". Com um sorriso irônico e olhar condescendente, seu amigo passa a lhe explicar que o importante é receber o juro alto por algum tempo, enquanto eles ainda puderem pagar. No futuro sempre existirá um mercado secundário para passar a dívida adiante ou se poderá criar as condições para tomar o controle da empresa endividada e vender seus ativos. O segredo está em fazer o devedor se aguentar por um período mínimo que garanta a devolução do principal.
Se essa conversa, caro leitor, lhe parece um papo de botequim, coisa de espertalhões ambiciosos e primários, prepare-se para reconsiderar suas impressões, pois é exatamente isso que os agentes financeiros internacionais fazem quando avaliam o chamado risco-país e emprestam dinheiro a taxas exorbitantes.
Esses agentes avaliam o risco e criam as condições para elevá-lo a níveis insuportáveis, numa lógica perversa e destrutiva. São profetas de um futuro que, em grande parte, ajudam a determinar.
É a mesma lógica que leva as empresas de varejo e de crédito ao consumidor a "punir" o cidadão pobre com juros mais altos que aquele oferecido ao rico, embutindo aí a taxa diferencial de risco. Argumenta-se que, como alguns não pagarão suas prestações, é preciso proteger o capital investido no setor.
É verdade que as lojas de varejo e as financeiras contribuem para o aumento dos mercados e alargam as possibilidades de acesso ao consumo. Mas também é verdade que os juros altos restringem a velocidade em que isso poderia ser feito, além de embutir uma perniciosa injustiça social. O pobre paga mais caro e subsidia o rico.
Tudo de acordo com a inevitável lei do "quanto maior o risco, maior deve ser o retorno". Uma lei que parece valer mesmo se o retorno pretendido liquidar as reais possibilidades de um tomador responsável pagar o empréstimo.
Tenho visto projetos de estabelecimento de infra-estrutura (telecomunicações, energia e até saneamento básico) no Brasil que se financiaram a juros na faixa de 15% a 20% ao ano, em dólar! Projetos como esses dependem de um desempenho forte da economia como um todo para sua viabilização: a renda disponível da população tem de crescer para gerar consumo. Punindo dessa forma os projetos em países de "alto risco", os agentes internacionais estão condenando esses mesmos projetos ao fracasso quase certo.
Como sair desse ciclo perverso da aposta no fracasso? Acredito que no âmbito do fomento a países há algo a ser inovado, algo que pode ser uma idéia transformadora e sustentável.
Pensemos o seguinte: qual é o incentivo dado ao bom pagador de um contrato de longo prazo e de juros altos? Os financistas dirão que o bom pagador será beneficiado em seu próximo contrato com juros mais baixos.
Isso é apenas parcialmente verdadeiro, dado que a taxa efetiva de juros depende da aversão média que os emprestadores tem ao risco no momento do empréstimo. Mais grave ainda é que, mesmo que as condições objetivas melhorem para o tomador, sua possibilidade de trocar a dívida contraída a juros altos por outra de juros mais baixos é frequentemente regulada por contrato pelo emprestador.
E o que acontece com aquele que, por quaisquer circunstâncias, tais como uma desvalorização cambial abrupta ou uma recessão macroeconômica inesperada, vê-se impedido de honrar seus compromissos? O inadimplente ver-se-á ainda mais limitado em seu acesso a crédito, tendo seu "rating" rebaixado pelas agências de avaliação de créditos.
Assim, só existem punições e controles forçados. Não existem incentivos. Tudo se faz para proteger o desastre do emprestador e pouco ou nada se faz para propiciar um benefício para o tomador.
Imagine agora que exista uma atuação coordenada dos órgãos multilaterais de financiamento e fomento para "premiar", de fato, o bom pagador de alto risco. Tomemos o exemplo de um projeto de telefonia no Brasil de hoje que, digamos, consiga financiar-se com bancos privados à taxa estratosférica de 18% ao ano, em dólar, por um prazo de oito anos. E suponhamos que seus gestores consigam fazer seus pagamentos em dia até o final do segundo ano.
Pois bem, a esse bom pagador seria, então, dado um "desconto" na taxa de juros do contrato, dali para a frente. A diferença entre a taxa contratada e a efetivamente paga seria bancada por um fundo especialmente criado em nível multilateral. Por ter sido bom pagador, assume-se que o tomador continuará sendo bom pagador e cria-se melhores condições para que assim seja. É uma aposta no ciclo virtuoso de desenvolvimento, é civilizatório.
O ciclo atual é perverso e vicioso: aposta no fracasso. Traz consigo a marca da ineficiência e da concentração crescente de oportunidades. É um sistema burro e bárbaro.
Um Fundo de Compensação para Redução de Riscos poderia bem servir a esse papel. Em vez de atuar diretamente (ou em adição à atuação direta), os órgãos multilaterais administrariam benefícios aos "bons devedores". Em vez de coonestar um juro (com a embutida taxa de risco) que sempre cresce para quem é pobre, fomentaria um juro que diminui com o bom comportamento. Note que essa mesma solução funcionaria igualmente bem para baixar os juros efetivos do crediário ao consumidor final.
Enfim, juro que vai melhorar!


Moysés Aron Pluciennik, 52, é presidente da Fundação Alavanca, ONG comprometida com educação, profissionalização, cultura e empreendedorismo. É engenheiro formado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e mestre em ciências administrativas pelo MIT (Instituto Tecnológico de Massachusetts).

E-mail - moyses@alavanca.org



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