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OPINIÃO ECONÔMICA
Lições de Bush e Salazar
BENJAMIN STEINBRUCH
George w . Bush não é nenhum gênio da economia.
Tem sido até criticado por alguns
especialistas de plantão que escrevem regularmente na imprensa
internacional. Mas os números
não mentem: o presidente dos Estados Unidos está levando de novo a economia americana ao rumo do crescimento.
No terceiro trimestre, o PIB
(Produto Interno Bruto) dos EUA
cresceu 7,2%, desempenho que
surpreendeu até os republicanos
mais otimistas, o melhor em quase 20 anos.
Já se sabia, desde o início do
ano, que a economia havia retomado a expansão. Porém, até o
segundo trimestre, a reativação se
explicava por conta dos gastos bilionários do governo, principalmente na área da defesa. Agora, o
motor do crescimento passou a
ser o setor privado. Crescem de
forma acelerada o consumo das
pessoas, os investimentos das empresas e as exportações do país. E
não há nenhum mistério nessa
tendência. Os consumidores voltaram às compras -seus gastos
estão 6% acima dos do mesmo
período do ano passado-, principalmente de bens duráveis, por
uma razão elementar: houve aumento substancial do rendimento
geral dos americanos, algo em
torno de 7,2%.
Os economistas republicanos
festejam a tendência e a atribuem
aos cortes de impostos feitos pelo
governo. Estima-se que essa política tenha produzido redução de
despesas da sociedade e colocado
no mercado de consumo cerca de
US$ 100 bilhões adicionais. Outros US$ 90 bilhões teriam vindo
do efetivo aumento da renda.
Há dúvidas se essa expansão é
sustentável, ou seja, se a economia estaria de fato iniciando um
novo ciclo de crescimento, como o
vivido nos anos 90. Há dúvidas
também sobre o efeito da política
de corte de impostos no déficit público, que voltou a crescer de forma ameaçadora. Não há dúvidas,
porém, de que isso abre o caminho para uma possível reeleição
de Bush. Algo que parecia difícil
por causa dos desgastes da invasão do Iraque se tornou mais fácil, porque haverá mais empregos
e mais renda para os cidadãos
americanos.
A expansão da economia dos
EUA é uma grande notícia para o
Brasil. Seu efeito óbvio será o aumento das exportações brasileiras
para aquele enorme mercado.
Além disso, podem-se esperar
maiores investimentos de companhias americanas no Brasil.
Mas a maior lição disso tudo está na área tributária. Aqui no
Brasil raramente se pensa em corte de impostos. Reduções temporárias de emergência ocorrem em
alguns setores, como no caso do
IPI, para estimular a venda de
automóveis. Governos brasileiros,
até onde a memória alcança,
nunca experimentaram a fórmula da redução da carga tributária
como elemento de estímulo à economia, sempre escorados no argumento de que não se pode perder receita pública.
Mesmo quando se rende às reivindicações para a redução de
carga tributária, o governo inventa uma fórmula esperta para tentar arrecadar ainda mais. Na semana passada, deu-se um caso
exemplar.
Para atender a uma demanda
antiga das empresas, principalmente da indústria, o governo
baixou medida provisória que alterou o recolhimento da Cofins. A
partir de fevereiro, se o Congresso
aprovar a MP, essa contribuição
não será mais cobrada de forma
cumulativa, ou seja, as empresas
poderão descontar no cálculo do
tributo os gastos com a compra de
insumos em etapas anteriores da
produção.
À primeira vista, as empresas
exultaram. Era, afinal, o atendimento da velha reivindicação do
fim da cumulatividade da Cofins.
Mas a alegria logo terminou
quando se percebeu que, ao mesmo tempo em que eliminou a
contribuição cumulativa, o governo aumentou a alíquota da
Cofins de 3% para 7,6%.
Com isso, a medida eleva a carga tributária geral da economia,
a ponto de produzir uma receita
extra para a União que pode variar de R$ 4,4 bilhões a R$ 9 bilhões, dependendo da estimativa.
Alguns setores serão beneficiados,
mas outros, como os de serviços e
os que dependem muito de insumos importados, sofrerão brutal
aumento na contribuição. Isso
certamente terá efeito nos preços,
baterá no bolso do consumidor e
tenderá a desaquecer a economia.
O governo faz isso não para evitar um déficit em suas contas mas
para garantir o superávit primário de 4,25% previsto para 2004,
meta macroeconômica que sofre
contestação dentro do próprio governo.
O presidente do BNDES, Carlos
Lessa, fez uma analogia interessante. Segundo notícia publicada
na Folha de quarta-feira (5/11),
ele lembrou que o ditador português Oliveira Salazar, que era financista, foi um expoente em matéria de respeito aos fundamentos
macroeconômicos. De 1932 a
1968, ele controlou gastos, reduziu
a dívida e produziu seguidos superávits públicos. Ao deixar o poder, porém, Portugal havia passado por um de seus períodos mais
sombrios, marcados não apenas
pelo totalitarismo político mas
também por estagnação econômica, desinvestimento, desemprego e êxodo populacional.
Portugal parou no tempo por
quase 40 anos e ainda hoje luta
para alcançar o nível de seus parceiros europeus porque o regime
salazarista mirou unicamente a
estabilidade econômica, produziu superávits orçamentários seguidos e não estimulou investimentos na industrialização. Houve mais de duas décadas de baixos índices de crescimento econômico. Sem perspectivas de conseguir emprego em seu país, os portugueses foram obrigados a buscar oportunidades em outros países, principalmente europeus.
Não é isso o que os brasileiros
querem.
Benjamin Steinbruch, 50, empresário,
é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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