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São Paulo, terça-feira, 11 de novembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Lições de Bush e Salazar

BENJAMIN STEINBRUCH

George w . Bush não é nenhum gênio da economia. Tem sido até criticado por alguns especialistas de plantão que escrevem regularmente na imprensa internacional. Mas os números não mentem: o presidente dos Estados Unidos está levando de novo a economia americana ao rumo do crescimento.
No terceiro trimestre, o PIB (Produto Interno Bruto) dos EUA cresceu 7,2%, desempenho que surpreendeu até os republicanos mais otimistas, o melhor em quase 20 anos.
Já se sabia, desde o início do ano, que a economia havia retomado a expansão. Porém, até o segundo trimestre, a reativação se explicava por conta dos gastos bilionários do governo, principalmente na área da defesa. Agora, o motor do crescimento passou a ser o setor privado. Crescem de forma acelerada o consumo das pessoas, os investimentos das empresas e as exportações do país. E não há nenhum mistério nessa tendência. Os consumidores voltaram às compras -seus gastos estão 6% acima dos do mesmo período do ano passado-, principalmente de bens duráveis, por uma razão elementar: houve aumento substancial do rendimento geral dos americanos, algo em torno de 7,2%.
Os economistas republicanos festejam a tendência e a atribuem aos cortes de impostos feitos pelo governo. Estima-se que essa política tenha produzido redução de despesas da sociedade e colocado no mercado de consumo cerca de US$ 100 bilhões adicionais. Outros US$ 90 bilhões teriam vindo do efetivo aumento da renda.
Há dúvidas se essa expansão é sustentável, ou seja, se a economia estaria de fato iniciando um novo ciclo de crescimento, como o vivido nos anos 90. Há dúvidas também sobre o efeito da política de corte de impostos no déficit público, que voltou a crescer de forma ameaçadora. Não há dúvidas, porém, de que isso abre o caminho para uma possível reeleição de Bush. Algo que parecia difícil por causa dos desgastes da invasão do Iraque se tornou mais fácil, porque haverá mais empregos e mais renda para os cidadãos americanos.
A expansão da economia dos EUA é uma grande notícia para o Brasil. Seu efeito óbvio será o aumento das exportações brasileiras para aquele enorme mercado. Além disso, podem-se esperar maiores investimentos de companhias americanas no Brasil.
Mas a maior lição disso tudo está na área tributária. Aqui no Brasil raramente se pensa em corte de impostos. Reduções temporárias de emergência ocorrem em alguns setores, como no caso do IPI, para estimular a venda de automóveis. Governos brasileiros, até onde a memória alcança, nunca experimentaram a fórmula da redução da carga tributária como elemento de estímulo à economia, sempre escorados no argumento de que não se pode perder receita pública.
Mesmo quando se rende às reivindicações para a redução de carga tributária, o governo inventa uma fórmula esperta para tentar arrecadar ainda mais. Na semana passada, deu-se um caso exemplar.
Para atender a uma demanda antiga das empresas, principalmente da indústria, o governo baixou medida provisória que alterou o recolhimento da Cofins. A partir de fevereiro, se o Congresso aprovar a MP, essa contribuição não será mais cobrada de forma cumulativa, ou seja, as empresas poderão descontar no cálculo do tributo os gastos com a compra de insumos em etapas anteriores da produção.
À primeira vista, as empresas exultaram. Era, afinal, o atendimento da velha reivindicação do fim da cumulatividade da Cofins. Mas a alegria logo terminou quando se percebeu que, ao mesmo tempo em que eliminou a contribuição cumulativa, o governo aumentou a alíquota da Cofins de 3% para 7,6%.
Com isso, a medida eleva a carga tributária geral da economia, a ponto de produzir uma receita extra para a União que pode variar de R$ 4,4 bilhões a R$ 9 bilhões, dependendo da estimativa. Alguns setores serão beneficiados, mas outros, como os de serviços e os que dependem muito de insumos importados, sofrerão brutal aumento na contribuição. Isso certamente terá efeito nos preços, baterá no bolso do consumidor e tenderá a desaquecer a economia.
O governo faz isso não para evitar um déficit em suas contas mas para garantir o superávit primário de 4,25% previsto para 2004, meta macroeconômica que sofre contestação dentro do próprio governo.
O presidente do BNDES, Carlos Lessa, fez uma analogia interessante. Segundo notícia publicada na Folha de quarta-feira (5/11), ele lembrou que o ditador português Oliveira Salazar, que era financista, foi um expoente em matéria de respeito aos fundamentos macroeconômicos. De 1932 a 1968, ele controlou gastos, reduziu a dívida e produziu seguidos superávits públicos. Ao deixar o poder, porém, Portugal havia passado por um de seus períodos mais sombrios, marcados não apenas pelo totalitarismo político mas também por estagnação econômica, desinvestimento, desemprego e êxodo populacional.
Portugal parou no tempo por quase 40 anos e ainda hoje luta para alcançar o nível de seus parceiros europeus porque o regime salazarista mirou unicamente a estabilidade econômica, produziu superávits orçamentários seguidos e não estimulou investimentos na industrialização. Houve mais de duas décadas de baixos índices de crescimento econômico. Sem perspectivas de conseguir emprego em seu país, os portugueses foram obrigados a buscar oportunidades em outros países, principalmente europeus.
Não é isso o que os brasileiros querem.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br


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