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São Paulo, terça-feira, 11 de novembro de 2003

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LUÍS NASSIF

Desdobramentos do caso Anaconda

A operação Anaconda pode ser fundamental para o aprimoramento do Judiciário, desde que não seja instrumentalizada por outros poderes. Um Judiciário independente é fundamental para a consolidação do processo democrático. E a maior parte da categoria é composta por profissionais honestos, tão vítimas do anacronismo administrativo do Judiciário quanto os clientes dos serviços jurisdicionais.
O próprio processo de prisão do juiz João Carlos da Rocha Mattos, por aprovação unânime dos desembargadores, o voto da juíza, o profissionalismo com que foi conduzida a investigação, sem vazamentos antes do tempo, são provas disso. Aliás, se a Operação Anaconda tivesse sido comandada pelo exibicionismo de alguns procuradores brasilienses, teria resultado em três dias de manchetes furadas e nenhuma prova apurada.
O momento da reforma do Judiciário é agora, desde que seja por meio do fortalecimento das forças modernizantes internas do próprio Judiciário.
A grande questão a ser discutida é essa: por que um poder, em que a maioria dos membros é séria, não conseguiu forças para enfrentar adequadamente a sua banda podre? Há pelo menos dez anos a fama de Rocha Mattos não é boa. O máximo que a Justiça Federal conseguiu, no entanto, foi congelar sua carreira, impedindo sua promoção. Durante algum tempo com ameaças de divulgação de dossiês e quetais, ele conseguiu intimidar muitos juízes sérios. E conseguiu porque, mesmo sendo sérios, sabiam que, nas mãos de jornalistas aliados, os dossiês poderiam ser letais.
É importante anotar esse ponto. Foi a complacência com dossiês que deu força a chantagistas de toda espécie e criou uma cumplicidade perigosa entre jornalistas de escândalos e suas fontes. Nas degravações dos grampos dos juízes suspeitos, aliás, aparece pelo menos um jornalista que se propõe a obter informações sobre as investigações no Ministério Público Federal, para repassá-las à sua fonte. Ligou, de fato, a procuradores querendo informações sobre o tema. E não era de nenhum programa sensacionalista de televisão.
Por todas essas implicações, é importante começar a adotar o comportamento da "tolerância zero" em todos os níveis. Do lado do Judiciário, há que haver ações que rompam a inércia que imobilizava os juízes de bem. E a questão de um conselho que avalie as ações administrativas, sem se imiscuir na independência do juiz, tem que ser discutida sem preconceitos do lado dos juízes e sem tentativa de manipulação política do lado do Executivo.
Do lado da imprensa, há que ter uma avaliação rigorosa sobre o jornalismo de escândalo, sabendo separar os repórteres que se dedicam profissional e seriamente a ser fiscal da sociedade daqueles que fazem pactos com o diabo.
Finalmente, há que abrir espaço para as muitas experiências inovadoras que estão surgindo em vários tribunais, de uso inteligente de ferramentas de gestão e de tecnologia, para que essas forças renovadoras possam florescer e contribuir para um Judiciário mais eficiente.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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