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ANÁLISE
Presidente disse o óbvio
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
O presidente Fernando
Henrique Cardoso disse
apenas o óbvio, ao afirmar ontem
no Rio de Janeiro que "não vai haver Alca" se forem levadas ao pé
da letra todas as restrições que a
Câmara norte-americana de Representantes pendurou no texto
da TPA (Autorização para Promoção Comercial, novo nome para o antigo "fast track").
FHC não poderia dizer o contrário, já que ele próprio definira
claramente as condições exigidas
pelo governo brasileiro para que a
Alca fizesse sentido, em discurso
na Cúpula das Américas (realizada em abril, em Québec, no Canadá).
Ontem, aliás, o presidente repetiu no Rio de Janeiro duas dessas
condições, ao afirmar que "as discussões sobre os subsídios ao setor agrícola nos países ricos e o
uso indiscriminado do antidumping para fins protecionistas têm
que fazer parte, necessariamente,
dessa agenda de liberação do comércio".
Acontece que a TPA só reforça a
legislação antidumping norte-americana e coloca formidáveis
restrições à derrubada do protecionismo agrícola.
A cada dia, aliás, o governo brasileiro vai descobrindo que o texto
da TPA limita brutalmente as
possibilidades de uma negociação
que abra o mercado norte-americano naquelas áreas em que o
Brasil é competitivo.
Também a mídia internacional
já se dá conta disso. Ontem, por
exemplo, o jornal britânico "Financial Times" ironiza: "No mês
passado, em Doha [capital do Qatar", os Estados Unidos ajudaram
a lançar uma nova rodada de negociações comerciais mundiais,
pregando a derrubada das barreiras ao livre comércio entre nações. Mas, na semana passada, em
Washington, a administração
Bush só extraiu uma vitória por
um voto na Câmara dos Representantes porque concordou em
fazer exatamente o oposto".
Feita a declaração óbvia, falta
agora FHC dar consequência à
ela, nas negociações da Alca. Até
abril, os negociadores estão incumbidos de fazer o inventário
das tarifas, barreiras não-tarifárias, subsídios e outras práticas
que distorcem o comércio mundial.
No mês seguinte, devem começar as negociações que de fato
contam, sobre o que o jargão comercial chama de "acesso a mercado" (derrubar as barreiras inventariadas).
Se a TPA impede os Estados
Unidos de derrubar as barreiras
que bloqueiam as exportações
brasileiras, ao Brasil resta apenas
negociar a sua própria abertura. O
governo tem, portanto, quatro
meses para dizer se vale ou não a
pena esse tipo de negociação de
ganhos unilaterais predefinidos.
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