São Paulo, terça-feira, 11 de dezembro de 2001

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ANÁLISE

Presidente disse o óbvio

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O presidente Fernando Henrique Cardoso disse apenas o óbvio, ao afirmar ontem no Rio de Janeiro que "não vai haver Alca" se forem levadas ao pé da letra todas as restrições que a Câmara norte-americana de Representantes pendurou no texto da TPA (Autorização para Promoção Comercial, novo nome para o antigo "fast track").
FHC não poderia dizer o contrário, já que ele próprio definira claramente as condições exigidas pelo governo brasileiro para que a Alca fizesse sentido, em discurso na Cúpula das Américas (realizada em abril, em Québec, no Canadá).
Ontem, aliás, o presidente repetiu no Rio de Janeiro duas dessas condições, ao afirmar que "as discussões sobre os subsídios ao setor agrícola nos países ricos e o uso indiscriminado do antidumping para fins protecionistas têm que fazer parte, necessariamente, dessa agenda de liberação do comércio".
Acontece que a TPA só reforça a legislação antidumping norte-americana e coloca formidáveis restrições à derrubada do protecionismo agrícola.
A cada dia, aliás, o governo brasileiro vai descobrindo que o texto da TPA limita brutalmente as possibilidades de uma negociação que abra o mercado norte-americano naquelas áreas em que o Brasil é competitivo.
Também a mídia internacional já se dá conta disso. Ontem, por exemplo, o jornal britânico "Financial Times" ironiza: "No mês passado, em Doha [capital do Qatar", os Estados Unidos ajudaram a lançar uma nova rodada de negociações comerciais mundiais, pregando a derrubada das barreiras ao livre comércio entre nações. Mas, na semana passada, em Washington, a administração Bush só extraiu uma vitória por um voto na Câmara dos Representantes porque concordou em fazer exatamente o oposto".
Feita a declaração óbvia, falta agora FHC dar consequência à ela, nas negociações da Alca. Até abril, os negociadores estão incumbidos de fazer o inventário das tarifas, barreiras não-tarifárias, subsídios e outras práticas que distorcem o comércio mundial.
No mês seguinte, devem começar as negociações que de fato contam, sobre o que o jargão comercial chama de "acesso a mercado" (derrubar as barreiras inventariadas).
Se a TPA impede os Estados Unidos de derrubar as barreiras que bloqueiam as exportações brasileiras, ao Brasil resta apenas negociar a sua própria abertura. O governo tem, portanto, quatro meses para dizer se vale ou não a pena esse tipo de negociação de ganhos unilaterais predefinidos.



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