São Paulo, segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ENTREVISTA DA 2ª

MOHAMED EL- ERIAN

Mercado financeiro será mais turbulento a partir de agora

Nascimento de um mundo multipolar traz forte instabilidade e pede mais conservadorismo nos investimentos

O CHOQUE entre dois sistemas distintos de organização política e econômica dos países produz anos como o de 2008, diz Mohamed El-Erian, diretor-executivo da Pimco, uma das maiores administradoras de recursos do planeta. Na visão dele, o nervosismo, os questionamentos e a perplexidade vivenciados neste momento se repetirão até que esteja completa a transformação de uma realidade na qual os EUA reinavam soberanos em outra de maior distribuição da riqueza.

DENYSE GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL

No cenário delineado pelo estrategista, o Brasil, a China, a Rússia e a Índia também serão líderes globais. Em "Mercados em Colisão" -livro escolhido pelo jornal britânico "Financial Times" como o melhor de 2008 e que está sendo lançado no Brasil pela Ediouro-, El-Erian explica o ponto central da sua tese: aceitar que a estrada para o futuro é cheia de obstáculos é a chave para o investidor de todos os portes ganhar mais e sofrer menos. Leia abaixo a entrevista concedida por ele à Folha, por telefone, de seu escritório em Newport Beach, Califórnia.

 

FOLHA - No livro, terminado em janeiro de 2008, o senhor descreve alguns desequilíbrios do sistema financeiro dos EUA. A maneira como a crise se desenvolveu depois o surpreendeu de alguma forma?
MOHAMED EL-ERIAN
- As atividades que as instituições financeiras vinham realizando não eram sustentáveis. Um novo sistema financeiro foi criado nas sombras, fora do radar dos reguladores. O que me surpreendeu foi ver o que acontece quando se combinam erros do setor privado com os das políticas públicas. E isso aconteceu em 15 de setembro [do ano passado], quando o Lehman Brothers entrou em colapso. Não é que o Lehman não deveria ter falido. O banco deveria ter ido à falência, a questão é a maneira como caiu.

FOLHA - Tais erros não poderiam ter sido evitados?
EL-ERIAN
- Sim, mas é compreensível que tenham sido cometidos. As autoridades estavam tendo que lidar com uma crise na qual tinham muito pouca informação e em que não há uma resposta perfeita. O que quer que façam terá um dano colateral.

FOLHA - O que há de errado com a forma como o Lehman Brothers foi à falência?
EL-ERIAN
- A parte mais delicada do sistema financeiro é a que diz respeito aos mecanismo de pagamentos e compensação: saber que, se alguém entrega dinheiro a um banco contra uma garantia, amanhã, se quiser, poderá reverter a transação. Posso lhe dar um exemplo muito simples, que é o do "drive-thru" do McDonald's. Você faz o seu pedido e paga em uma janela e retira o hambúrguer em outra, dez metros à frente. Funciona muito bem. Imagine, entretanto, que em um certo dia alguém chegue à primeira janela, faça o pedido, pague e exija receber o hambúrguer ali. O atendente explica que se deve pegar o sanduíche na janela seguinte. Aí o cliente fala que ouviu dizer que, no dia anterior, um cliente pagou pelo hambúrguer no Burger King e não o recebeu, portanto quer o sanduíche ali. Dá-se uma discussão e o consumidor acaba indo embora com fome, enquanto o McDonald's fica atolado em sanduíches. O sistema congela porque não há confiança. Foi isso que a falência do Lehman Brothers provocou no sistema de pagamentos.

FOLHA - Como a atual crise modificará o sistema financeiro global?
EL-ERIAN
- Encontramo-nos no meio de uma mudança fundamental, saindo de um mundo unipolar para um mundo multipolar. A riqueza estará mais bem distribuída. Essa transformação não é suave -a estrada é cheia de buracos- e estará completa quando os Estados Unidos vencerem os seus desequilíbrios e Brasil, China, Rússia e Índia estiverem confortáveis como líderes globais, o que leva de três a cinco anos, não é da noite para o dia.

FOLHA - Bem, a posição de líder global parece bastante confortável... O que o Brasil precisa fazer para assumi-la?
EL-ERIAN
- Não é uma posição fácil. O país precisa se preocupar com as consequências globais das suas ações. Além disso, é necessário um sistema que represente os países com justiça. No momento, as organizações existentes ainda estão dominadas pelos EUA e pelos europeus. A infraestrutura não está pronta para que o Brasil e os outros desempenhem o papel que as suas economias permitem.

FOLHA - Temos observado um grande clamor dos emergentes por mais voz. O senhor acha mesmo que os países ricos vão abrir esse espaço?
EL-ERIAN
- Eles vão acabar dando espaço, sim, mas precisa-se de alguém -Barack Obama- iluminado, visionário nos países desenvolvidos. É de interesse do sistema. Minha proposta é bastante simples: tirar do G7 o Canadá e a Itália, pois é muito difícil defender que tenham importância para o sistema, e acrescentar o Brasil, a China, a Índia e a Rússia. Teríamos um G9, mais equilibrado. O G7 e o FMI (Fundo Monetário Internacional) são parte do mundo de ontem, não do de hoje.

FOLHA - O FMI tem sido criticado pelos enganos de avaliação. Em 2007, por exemplo, defendia a tese do descolamento, que acabou sendo descartada recentemente.
EL-ERIAN
- Existem duas interpretações de descolamento. A que foi mais fortemente abraçada é a de que, se os EUA se desaceleram, o resto do mundo avança. A outra diz que, se os EUA se desaceleram, o resto do mundo não se desacelera tanto. Esqueceram-se de fazer a importante distinção entre os tipos de descolamento, assumindo que todos estavam equivocados. Agora, temos um panorama no qual os demais países não precisam se desacelerar tanto quanto os EUA. É uma grande mudança, e, se eu dissesse isso cinco anos atrás, seria chamado de louco.

FOLHA - Mas o senhor concorda com as demandas por uma reforma do FMI?
EL-ERIAN
- O FMI está sendo obrigado a tomar decisões, como conceder crédito para países em dificuldade, sem ter resolvido os seus próprios problemas internos.

FOLHA - Que tipo de problema?
EL-ERIAN
- Começa em coisas simples como fazer com que as análises econômicas sejam acompanhadas de avaliações financeiras apropriadas. O Fundo tem sido fraco em avaliar como o sistema financeiro afeta a economia. A equipe do FMI -e eu era parte dela- cresceu fazendo avaliações macroeconômicas, e hoje é necessário entender melhor a importância das finanças. Depois, vem a discussão sobre a legitimidade e a representatividade do FMI, afinal, a instituição continua sendo vista como dominada pelos países industrializados.

FOLHA - Por que a crise se apresenta tão dolorida para os investidores?
EL-ERIAN
- Até dois anos atrás, todos nos apaixonamos por dois conceitos: o de que o mundo era estável, sem volatilidade, e o de que os ciclos tinham acabado. As pessoas realmente acreditaram nisso e, por mais que os mercados estivessem indicando problemas há algum tempo, elas acharam que era apenas ruído. Aprendemos, agora, que é importante levar a sério os sinais que surgem.

FOLHA - Neste novo mundo, como os investidores devem modificar as suas táticas para evitar sofrer tanto?
EL-ERIAN
- Estando prontos não apenas para procurar novos destinos para o seu dinheiro, como ativos em países que não os EUA, e entendendo que a estrada daqui para a frente será inevitavelmente turbulenta. Deve-se evitar ser um "vendedor no estresse", aquele que se livra dos seus papéis quando tem que fazê-lo, e não quando quer. Os títulos brasileiros foram castigados bastante no ano passado não por alguma razão ligada à sua economia, mas porque grandes investidores entraram em pânico e tiraram seu dinheiro do mercado local para cobrir perdas fora.

FOLHA - Isso significa então ser mais conservador e menos alavancado, exatamente o oposto da estratégia adotada nos últimos anos? Ter mais recursos de reserva, uma margem de manobra ampla?
EL-ERIAN
- Exato. Muitas oportunidades aparecem por causa das turbulências, e muita gente não estava preparada para aproveitá-las. Reconhecer que o caminho a frente será acidentado permite tirar proveito dos obstáculos, e não sofrer por causa deles.

FOLHA - Em que tipo de ativos brasileiros a Pimco está investindo neste momento?
EL-ERIAN
- Estamos carregados em Brasil em todos os segmentos: dívida externa, títulos de dívida locais e ações. Achamos que há possibilidade de lucros em todos esses papéis. A única área em que estamos menos confiantes é em moeda.


Texto Anterior: Montadoras: GM não descarta pedir nova ajuda à Casa Branca
Próximo Texto: Perfil: Investidor se especializou em emergentes
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.