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ENTREVISTA DA 2ª
MOHAMED EL- ERIAN
Mercado financeiro será mais turbulento a partir de agora
Nascimento de um mundo multipolar traz forte instabilidade e pede mais conservadorismo nos investimentos
O CHOQUE entre dois sistemas distintos de
organização política e econômica dos países produz anos como o de 2008, diz Mohamed El-Erian, diretor-executivo da
Pimco, uma das maiores administradoras de recursos
do planeta. Na visão dele, o nervosismo, os questionamentos e a perplexidade vivenciados neste momento
se repetirão até que esteja completa a transformação
de uma realidade na qual os EUA reinavam soberanos
em outra de maior distribuição da riqueza.
DENYSE GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL
No cenário delineado pelo
estrategista, o Brasil, a China, a
Rússia e a Índia também serão
líderes globais. Em "Mercados
em Colisão" -livro escolhido
pelo jornal britânico "Financial
Times" como o melhor de 2008
e que está sendo lançado no
Brasil pela Ediouro-, El-Erian
explica o ponto central da sua
tese: aceitar que a estrada para
o futuro é cheia de obstáculos é
a chave para o investidor de todos os portes ganhar mais e sofrer menos.
Leia abaixo a entrevista concedida por ele à Folha, por telefone, de seu escritório em
Newport Beach, Califórnia.
FOLHA - No livro, terminado em janeiro de 2008, o senhor descreve alguns desequilíbrios do sistema financeiro dos EUA. A maneira como a
crise se desenvolveu depois o surpreendeu de alguma forma?
MOHAMED EL-ERIAN - As atividades que as instituições financeiras vinham realizando não
eram sustentáveis. Um novo
sistema financeiro foi criado
nas sombras, fora do radar dos
reguladores. O que me surpreendeu foi ver o que acontece
quando se combinam erros do
setor privado com os das políticas públicas. E isso aconteceu
em 15 de setembro [do ano passado], quando o Lehman Brothers entrou em colapso. Não é
que o Lehman não deveria ter
falido. O banco deveria ter ido à
falência, a questão é a maneira
como caiu.
FOLHA - Tais erros não poderiam
ter sido evitados?
EL-ERIAN - Sim, mas é compreensível que tenham sido cometidos. As autoridades estavam tendo que lidar com uma
crise na qual tinham muito
pouca informação e em que não
há uma resposta perfeita. O que
quer que façam terá um dano
colateral.
FOLHA - O que há de errado com a
forma como o Lehman Brothers foi à
falência?
EL-ERIAN - A parte mais delicada do sistema financeiro é a que
diz respeito aos mecanismo de
pagamentos e compensação:
saber que, se alguém entrega
dinheiro a um banco contra
uma garantia, amanhã, se quiser, poderá reverter a transação. Posso lhe dar um exemplo
muito simples, que é o do "drive-thru" do McDonald's. Você
faz o seu pedido e paga em uma
janela e retira o hambúrguer
em outra, dez metros à frente.
Funciona muito bem.
Imagine, entretanto, que em
um certo dia alguém chegue à
primeira janela, faça o pedido,
pague e exija receber o hambúrguer ali. O atendente explica que se deve pegar o sanduíche na janela seguinte. Aí o
cliente fala que ouviu dizer que,
no dia anterior, um cliente pagou pelo hambúrguer no Burger King e não o recebeu, portanto quer o sanduíche ali. Dá-se uma discussão e o consumidor acaba indo embora com fome, enquanto o McDonald's fica atolado em sanduíches. O
sistema congela porque não há
confiança. Foi isso que a falência do Lehman Brothers provocou no sistema de pagamentos.
FOLHA - Como a atual crise modificará o sistema financeiro global?
EL-ERIAN - Encontramo-nos no
meio de uma mudança fundamental, saindo de um mundo
unipolar para um mundo multipolar. A riqueza estará mais
bem distribuída. Essa transformação não é suave -a estrada é
cheia de buracos- e estará
completa quando os Estados
Unidos vencerem os seus desequilíbrios e Brasil, China, Rússia e Índia estiverem confortáveis como líderes globais, o que
leva de três a cinco anos, não é
da noite para o dia.
FOLHA - Bem, a posição de líder
global parece bastante confortável... O que o Brasil precisa fazer para assumi-la?
EL-ERIAN - Não é uma posição
fácil. O país precisa se preocupar com as consequências globais das suas ações. Além disso,
é necessário um sistema que
represente os países com justiça. No momento, as organizações existentes ainda estão dominadas pelos EUA e pelos europeus. A infraestrutura não
está pronta para que o Brasil e
os outros desempenhem o papel que as suas economias permitem.
FOLHA - Temos observado um
grande clamor dos emergentes por
mais voz. O senhor acha mesmo que
os países ricos vão abrir esse espaço?
EL-ERIAN - Eles vão acabar dando espaço, sim, mas precisa-se
de alguém -Barack Obama-
iluminado, visionário nos países desenvolvidos. É de interesse do sistema. Minha proposta
é bastante simples: tirar do G7
o Canadá e a Itália, pois é muito
difícil defender que tenham
importância para o sistema, e
acrescentar o Brasil, a China, a
Índia e a Rússia. Teríamos um
G9, mais equilibrado. O G7 e o
FMI (Fundo Monetário Internacional) são parte do mundo
de ontem, não do de hoje.
FOLHA - O FMI tem sido criticado
pelos enganos de avaliação. Em
2007, por exemplo, defendia a tese
do descolamento, que acabou sendo descartada recentemente.
EL-ERIAN - Existem duas interpretações de descolamento. A
que foi mais fortemente abraçada é a de que, se os EUA se desaceleram, o resto do mundo
avança. A outra diz que, se os
EUA se desaceleram, o resto do
mundo não se desacelera tanto.
Esqueceram-se de fazer a importante distinção entre os tipos de descolamento, assumindo que todos estavam equivocados. Agora, temos um panorama no qual os demais países
não precisam se desacelerar
tanto quanto os EUA. É uma
grande mudança, e, se eu dissesse isso cinco anos atrás, seria chamado de louco.
FOLHA - Mas o senhor concorda
com as demandas por uma reforma
do FMI?
EL-ERIAN - O FMI está sendo
obrigado a tomar decisões, como conceder crédito para países em dificuldade, sem ter resolvido os seus próprios problemas internos.
FOLHA - Que tipo de problema?
EL-ERIAN - Começa em coisas
simples como fazer com que as
análises econômicas sejam
acompanhadas de avaliações financeiras apropriadas. O Fundo tem sido fraco em avaliar como o sistema financeiro afeta a
economia. A equipe do FMI -e
eu era parte dela- cresceu fazendo avaliações macroeconômicas, e hoje é necessário entender melhor a importância
das finanças. Depois, vem a discussão sobre a legitimidade e a
representatividade do FMI, afinal, a instituição continua sendo vista como dominada pelos
países industrializados.
FOLHA - Por que a crise se apresenta tão dolorida para os investidores?
EL-ERIAN - Até dois anos atrás,
todos nos apaixonamos por
dois conceitos: o de que o mundo era estável, sem volatilidade,
e o de que os ciclos tinham acabado. As pessoas realmente
acreditaram nisso e, por mais
que os mercados estivessem indicando problemas há algum
tempo, elas acharam que era
apenas ruído. Aprendemos,
agora, que é importante levar a
sério os sinais que surgem.
FOLHA - Neste novo mundo, como
os investidores devem modificar as
suas táticas para evitar sofrer tanto?
EL-ERIAN - Estando prontos não
apenas para procurar novos
destinos para o seu dinheiro,
como ativos em países que não
os EUA, e entendendo que a estrada daqui para a frente será
inevitavelmente turbulenta.
Deve-se evitar ser um "vendedor no estresse", aquele que se
livra dos seus papéis quando
tem que fazê-lo, e não quando
quer. Os títulos brasileiros foram castigados bastante no ano
passado não por alguma razão
ligada à sua economia, mas porque grandes investidores entraram em pânico e tiraram seu
dinheiro do mercado local para
cobrir perdas fora.
FOLHA - Isso significa então ser
mais conservador e menos alavancado, exatamente o oposto da estratégia adotada nos últimos anos?
Ter mais recursos de reserva, uma
margem de manobra ampla?
EL-ERIAN - Exato. Muitas oportunidades aparecem por causa
das turbulências, e muita gente
não estava preparada para
aproveitá-las. Reconhecer que
o caminho a frente será acidentado permite tirar proveito dos
obstáculos, e não sofrer por
causa deles.
FOLHA - Em que tipo de ativos brasileiros a Pimco está investindo neste momento?
EL-ERIAN - Estamos carregados
em Brasil em todos os segmentos: dívida externa, títulos de
dívida locais e ações. Achamos
que há possibilidade de lucros
em todos esses papéis. A única
área em que estamos menos
confiantes é em moeda.
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