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OPINIÃO ECONÔMICA
A "doença holandesa"
e os males do Brasil
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
A descoberta de grandes
depósitos de gás natural no
norte da Holanda transformou
aquele país de importador em exportador de energia a partir dos
anos 70. Ao mesmo tempo, a moeda local, o florim, apreciou em relação à maioria das moedas dos países avançados. Durante a década
de 70, as indústrias têxtil e de vestuário praticamente desapareceram na Holanda; outras atividades
tradicionais, como a fabricação de
veículos e de navios, declinaram,
enquanto o setor de serviços cresceu. Um redator da revista "The
Economist" cunhou o termo
"dutch disease", a doença holandesa, para descrever a situação em
que um boom na exportação de
um produto primário causa um
processo de desindustrialização.
A possibilidade teórica de um fenômeno como a doença holandesa
já havia sido levantada por economistas e a história da revista britânica parecia convincente. Só há um
problema: o desempenho da indústria holandesa nas décadas de 70 e
80 não foi muito diferente daquele
da Alemanha ou da França, parceiros comerciais que compartilhavam muitas das outras características da Holanda, mas que não se
beneficiaram de descobertas de recursos naturais. Na realidade, na
literatura econômica encontram-se
muitos exemplos de candidatos à
doença holandesa, mas raros casos
em que o paciente pegou a moléstia. Quando a indústria em um
país que se beneficia do aumento
do valor de suas exportações de
commodities tem um mau desempenho, uma análise mais cuidadosa freqüentemente encontra outras
razões. E os exemplos documentados da doença holandesa sempre
envolvem países exportadores de
energia e ainda assim, na maioria
dos casos, perdas em manufaturados são mais do que compensadas
pelos ganhos no setor de energia.
Não obstante esse pedigree pouco
sólido, a recente valorização da taxa de câmbio brasileira, num momento em que nossas exportações
de commodities vão muito bem,
acendeu uma discussão sobre a
doença holandesa no Brasil. A valorização do real é em parte conseqüência das nossas taxas de juros
absurdas. Resulta também dos melhores fundamentos da economia
brasileira. E, sem dúvida, a melhoria dos preços de commodities e os
ganhos de produtividade dos produtores nacionais elevaram o valor
das nossas exportações, gerando
um saldo de comércio que pressionou a taxa de câmbio.
Ressurgem então as propostas
usuais. Comprar mais reservas
apesar do alto custo, controlar o
câmbio e proteger a produção de
manufaturados. Mas a verdade é
que o Brasil ainda está pouco integrado com o resto do mundo, e o
nível de importações é baixo. Em
particular, a importação de bens de
investimento é pequena, o que,
além de elevar o custo de produção
de manufaturados, aumenta o
nosso atraso tecnológico, porque
novas tecnologias estão incorporadas nos novos equipamentos. O
Brasil precisa diminuir as barreiras
à importação para que setores da
nossa indústria se tornem mais
competitivos no mercado externo.
Economias mais abertas, como o
Chile e o Canadá, estão se beneficiando da demanda por commodities para crescer mais. A desindustrialização do Brasil, se ocorrer,
não vai ser seqüela de uma "dutch
disease", mas de males nacionais,
como a ausência de uma política
de ciência e tecnologia adequada, a
deterioração da infra-estrutura ou
os altos impostos. Investimentos em
educação, subsídios à pesquisa e a
criação de melhor infra-estrutura
podem gerar novas vantagens
comparativas para o Brasil, mas o
controle de câmbio e a manutenção da proteção à indústria nacional vão simplesmente contribuir
para nos tornar mais pobres.
José Alexandre Scheinkman, 58, professor de economia na Universidade
Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
E-mail -
jose.scheinkman@gmail.com
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