São Paulo, domingo, 12 de fevereiro de 2006

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OPINIÃO ECONÔMICA

A "doença holandesa" e os males do Brasil

JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN

A descoberta de grandes depósitos de gás natural no norte da Holanda transformou aquele país de importador em exportador de energia a partir dos anos 70. Ao mesmo tempo, a moeda local, o florim, apreciou em relação à maioria das moedas dos países avançados. Durante a década de 70, as indústrias têxtil e de vestuário praticamente desapareceram na Holanda; outras atividades tradicionais, como a fabricação de veículos e de navios, declinaram, enquanto o setor de serviços cresceu. Um redator da revista "The Economist" cunhou o termo "dutch disease", a doença holandesa, para descrever a situação em que um boom na exportação de um produto primário causa um processo de desindustrialização.
A possibilidade teórica de um fenômeno como a doença holandesa já havia sido levantada por economistas e a história da revista britânica parecia convincente. Só há um problema: o desempenho da indústria holandesa nas décadas de 70 e 80 não foi muito diferente daquele da Alemanha ou da França, parceiros comerciais que compartilhavam muitas das outras características da Holanda, mas que não se beneficiaram de descobertas de recursos naturais. Na realidade, na literatura econômica encontram-se muitos exemplos de candidatos à doença holandesa, mas raros casos em que o paciente pegou a moléstia. Quando a indústria em um país que se beneficia do aumento do valor de suas exportações de commodities tem um mau desempenho, uma análise mais cuidadosa freqüentemente encontra outras razões. E os exemplos documentados da doença holandesa sempre envolvem países exportadores de energia e ainda assim, na maioria dos casos, perdas em manufaturados são mais do que compensadas pelos ganhos no setor de energia.
Não obstante esse pedigree pouco sólido, a recente valorização da taxa de câmbio brasileira, num momento em que nossas exportações de commodities vão muito bem, acendeu uma discussão sobre a doença holandesa no Brasil. A valorização do real é em parte conseqüência das nossas taxas de juros absurdas. Resulta também dos melhores fundamentos da economia brasileira. E, sem dúvida, a melhoria dos preços de commodities e os ganhos de produtividade dos produtores nacionais elevaram o valor das nossas exportações, gerando um saldo de comércio que pressionou a taxa de câmbio.
Ressurgem então as propostas usuais. Comprar mais reservas apesar do alto custo, controlar o câmbio e proteger a produção de manufaturados. Mas a verdade é que o Brasil ainda está pouco integrado com o resto do mundo, e o nível de importações é baixo. Em particular, a importação de bens de investimento é pequena, o que, além de elevar o custo de produção de manufaturados, aumenta o nosso atraso tecnológico, porque novas tecnologias estão incorporadas nos novos equipamentos. O Brasil precisa diminuir as barreiras à importação para que setores da nossa indústria se tornem mais competitivos no mercado externo.
Economias mais abertas, como o Chile e o Canadá, estão se beneficiando da demanda por commodities para crescer mais. A desindustrialização do Brasil, se ocorrer, não vai ser seqüela de uma "dutch disease", mas de males nacionais, como a ausência de uma política de ciência e tecnologia adequada, a deterioração da infra-estrutura ou os altos impostos. Investimentos em educação, subsídios à pesquisa e a criação de melhor infra-estrutura podem gerar novas vantagens comparativas para o Brasil, mas o controle de câmbio e a manutenção da proteção à indústria nacional vão simplesmente contribuir para nos tornar mais pobres.


José Alexandre Scheinkman, 58, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.

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