São Paulo, domingo, 12 de fevereiro de 2006

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

O teorema Baden- Baden

LUIZ GONZAGA BELLUZZO

A revista alemã "Der Spiegel" publicou, no crepúsculo de 2005, uma edição especial intitulada "Globalization, The New Word". O foco da matéria é a mudança provocada nas relações econômicas entre EUA, Europa e o "resto do mundo", diante da presença perturbadora do complexo manufatureiro asiático, comandado pela Grande Fábrica Chinesa -o centro dinâmico da manufatura mundial.
As posições relativas de países e continentes e classes sociais sofrem, já há algum tempo, alterações tão radicais quanto perturbadoras. O capitalismo realmente existente revela sua natureza mais profunda, aquela já desvelada por Marx e Engels no "Manifesto Comunista". "A burguesia não pode existir sem revolucionar constantemente os meios de produção e, portanto, as relações de produção e com elas o conjunto das relações da sociedade (...). Revolução permanente nas condições de produção, distúrbios ininterruptos de todas as condições sociais, permanente incerteza e agitação é o que distingue a era burguesa de todas as demais."
Marx e Engels escreveram em 1948, antes das escaladas industriais dos EUA e da Alemanha confirmarem suas suspeitas sobre o papel da concorrência "universal" na expansão do regime do Capital. Extasiada diante da potência revolucionária e progressista do capitalismo em seu ímpeto de mercantilização universal, a dupla não foi capaz de antecipar o papel crucial dos Estados Nacionais e da luta política na "deformação" dos mercados e das condições da concorrência na ruína da Inglaterra. (Assim, é possível que os EUA anunciem o futuro da China. De te fabula narratur.)
Em meados do século 19, as economias retardatárias se desenvolveram sob o livre comércio, patrocinado pelo domínio financeiro inglês. No final do século, a belle époque iria desfilar seu aplomb e suas aparências à beira do abismo cavado pelo protecionismo crescente e pelas disputas imperialistas por recursos naturais.
É demasiada pretensão do entendimento humano prognosticar para a nova etapa do liberalismo, o neo -ou seja, para a nova era de deslocamentos tectônicos e "climáticos" engendrados pelo revigoramento da concorrência universal-, o mesmo destino das aventuras do liberalismo clássico. O economista de Harvard Richard Freeman diz, em artigo recente, que a velha conversa sobre os benefícios do comércio -os países avançados produzem bens de alta tecnologia com trabalho qualificado enquanto os menos desenvolvidos se dedicam aos setores de mão-de-obra não qualificada- "tornou-se obsoleta com a presença da China e da Índia".
A matéria da "Der Spiegel" tem uma entrevista com o ex-primeiro ministro de Cingapura Lee Kuan Yew. "É estúpido ter medo", proclama Lee. Mas, em seguida, aponta os perdedores: "Os trabalhadores alemães, por exemplo, estão habituados, sob os auspícios do Estado do Bem-Estar, a passar um mês de férias num spa em Baden-Baden para recuperar as forças. Esse sistema está minado pela entrada de 2 bilhões a 3 bilhões de pessoas na força de trabalho, novos participantes da corrida. Um bilhão de pessoas na China, mais um bilhão na Índia e mais de meio bilhão na Europa do Leste. Em vez de um mês no spa, só uma semana. Bem, vão ter de trabalhar mais pelo mesmo salário (...)". O espectro do capitalismo ronda a Europa.


Luiz Gonzaga Belluzzo, 63, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).


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