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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
O teorema Baden- Baden
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
A revista alemã "Der Spiegel" publicou, no crepúsculo
de 2005, uma edição especial intitulada "Globalization, The New
Word". O foco da matéria é a mudança provocada nas relações
econômicas entre EUA, Europa e
o "resto do mundo", diante da
presença perturbadora do complexo manufatureiro asiático, comandado pela Grande Fábrica
Chinesa -o centro dinâmico da
manufatura mundial.
As posições relativas de países e
continentes e classes sociais sofrem, já há algum tempo, alterações tão radicais quanto perturbadoras. O capitalismo realmente
existente revela sua natureza
mais profunda, aquela já desvelada por Marx e Engels no "Manifesto Comunista". "A burguesia
não pode existir sem revolucionar
constantemente os meios de produção e, portanto, as relações de
produção e com elas o conjunto
das relações da sociedade (...). Revolução permanente nas condições de produção, distúrbios ininterruptos de todas as condições
sociais, permanente incerteza e
agitação é o que distingue a era
burguesa de todas as demais."
Marx e Engels escreveram em
1948, antes das escaladas industriais dos EUA e da Alemanha
confirmarem suas suspeitas sobre
o papel da concorrência "universal" na expansão do regime do
Capital. Extasiada diante da potência revolucionária e progressista do capitalismo em seu ímpeto de mercantilização universal, a
dupla não foi capaz de antecipar
o papel crucial dos Estados Nacionais e da luta política na "deformação" dos mercados e das condições da concorrência na ruína
da Inglaterra. (Assim, é possível
que os EUA anunciem o futuro da
China. De te fabula narratur.)
Em meados do século 19, as economias retardatárias se desenvolveram sob o livre comércio, patrocinado pelo domínio financeiro
inglês. No final do século, a belle
époque iria desfilar seu aplomb e
suas aparências à beira do abismo cavado pelo protecionismo
crescente e pelas disputas imperialistas por recursos naturais.
É demasiada pretensão do entendimento humano prognosticar para a nova etapa do liberalismo, o neo -ou seja, para a nova era de deslocamentos tectônicos e "climáticos" engendrados
pelo revigoramento da concorrência universal-, o mesmo destino das aventuras do liberalismo
clássico. O economista de Harvard Richard Freeman diz, em
artigo recente, que a velha conversa sobre os benefícios do comércio -os países avançados
produzem bens de alta tecnologia
com trabalho qualificado enquanto os menos desenvolvidos se
dedicam aos setores de mão-de-obra não qualificada- "tornou-se obsoleta com a presença da
China e da Índia".
A matéria da "Der Spiegel" tem
uma entrevista com o ex-primeiro ministro de Cingapura Lee
Kuan Yew. "É estúpido ter medo", proclama Lee. Mas, em seguida, aponta os perdedores: "Os
trabalhadores alemães, por
exemplo, estão habituados, sob os
auspícios do Estado do Bem-Estar, a passar um mês de férias
num spa em Baden-Baden para
recuperar as forças. Esse sistema
está minado pela entrada de 2 bilhões a 3 bilhões de pessoas na força de trabalho, novos participantes da corrida. Um bilhão de pessoas na China, mais um bilhão na
Índia e mais de meio bilhão na
Europa do Leste. Em vez de um
mês no spa, só uma semana. Bem,
vão ter de trabalhar mais pelo
mesmo salário (...)". O espectro do
capitalismo ronda a Europa.
Luiz Gonzaga Belluzzo, 63, é professor
titular de Economia da Unicamp. Foi
chefe da Secretaria Especial de Assuntos
Econômicos do Ministério da Fazenda
(governo Sarney) e secretário de Ciência
e Tecnologia do Estado de São Paulo
(governo Quércia).
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