São Paulo, domingo, 12 de fevereiro de 2006

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RECEITA ORTODOXA

Estratégia de adquirir títulos da dívida minimiza mas não cobre o custo que o BC tem para enfraquecer o real

Recompra não compensa ação no câmbio

SHEILA D"AMORIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A estratégia do governo de recomprar neste ano títulos da dívida externa minimiza mas não cobre todo o custo que o Banco Central tem por causa das intervenções no mercado de câmbio.
A compra de moeda estrangeira, acentuada desde o final de 2005, tem servido para tentar segurar a cotação do real em relação ao dólar diante da forte entrada de recursos estrangeiros no país.
A atuação do Banco Central, criticada por alguns analistas dado o alto custo fiscal, não tem evitado a queda na taxa de câmbio. No entanto avalia-se que, sem essa intervenção, o recuo na cotação do dólar seria mais expressivo e ela já estaria abaixo de R$ 2. Na sexta-feira o dólar fechou a R$ 2,165.
Uma estimativa preliminar feita pelo economista Caio Megale, da MauáInvest, mostra que o governo brasileiro terá, neste ano, despesa financeira entre US$ 3 bilhões e US$ 3,5 bilhões por conta das aquisições dos dólares necessários para o pagamento antecipado da dívida.

Ganho para o Tesouro
Enquanto isso, o Tesouro Nacional terá ganho de cerca de US$ 1 bilhão, correspondente à parcela de juros para remunerar esses títulos que seria desembolsada ao longo de 2006.
Esses cálculos pressupõem que o governo manterá a política de intervenções no câmbio, só que em vez dessa atuação elevar ainda mais as reservas internacionais, que atualmente estão próximas de US$ 57 bilhões, os recursos serão usados para recomprar os títulos da dívida externa.
A lista dos papéis selecionados inclui os "bradies", fruto da negociação ocorrida após o calote dos anos 80, e os títulos com vencimento até 2010 -esses dois papéis somam US$ 20 bilhões. Além disso, considerou-se os juros constantes e a taxa de câmbio no patamar atual.
"O grande ponto a se questionar é se o Banco Central deveria adquirir tantos dólares. Acredito que não. Mas já que a posição é essa, o melhor a fazer é usar esses recursos para recomprar a dívida e melhorar o cenário para os próximos anos", avalia Ricardo Amorim, economista para a América Latina do WestLB, em Nova York.

Política custa caro
Essa política de intervenções do BC sai caro porque os dólares adquiridos vão, inicialmente para as reservas internacionais, que são aplicadas no exterior e rendem juros de cerca de 4,5% ao ano.
Por outro lado, ao comprar dólares, o governo aumenta a quantidade de reais no mercado e para não deixar subir muito o volume de dinheiro em circulação no país, é preciso vender títulos da dívida interna, que são remunerados pela taxa Selic, atualmente em 17,25% ao ano.
"O Banco Central vem comprando volumes significativos de dólares e o mercado já se perguntava aonde isso iria parar. Com a medida anunciada nesta semana, ele sinaliza que não quer um volume de reservas internacionais muito acima dos US$ 57 bilhões atuais", destaca Megale.
Apesar de não reverter o prejuízo financeiro, a estratégia do Tesouro trará ganhos indiretos para o país. O principal deles é abrir espaço para a reavaliação da nota atribuída pelas agências internacionais de risco ao país, deixando o Brasil mais próximo do tão sonhado "nível de investimento", conhecido no jargão financeiro como "investment grade".
Para chegar lá, é preciso avançar três níveis na escala atual dessas agências. Isso é coisa para o próximo governo comemorar, acreditam os economistas. Ainda assim, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderá colher dividendos com essa medida neste mandato.

Aposta em nota melhor
Depois do anúncio da decisão do governo de recomprar as dívidas, boa parte do mercado financeiro passou a apostar que o Brasil, que já tinha uma perspectiva positiva nos relatórios das agências de risco, terá sua nota elevada em pouco tempo.
Apesar de muitos acreditarem que essa provável melhora já está incorporada nos preços exigidos pelos investidores para adquirir títulos brasileiros e nos indicadores do país, essa reavaliação poder reduzir ainda mais o risco-Brasil, deixando o Banco Central mais confortável para baixar os juros na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que será realizada em março.
Além disso, segundo Megale, outra vantagem que a medida trará para o governo brasileiro é que o Banco Central poderá reduzir o volume de operações com contratos especiais de câmbio ("swap" reverso). Esse instrumento vem sendo utilizado para reforçar a política do Banco Central de evitar uma valorização forte do real em relação ao dólar.
"O Banco Central vem negociando US$ 200 milhões por dia em "swap" reverso, que acabam virando um ativo do governo. Só que isso não traz nenhum benefício para a avaliação da solvência do país. A recompra da dívida trará", diz Megale.


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