São Paulo, terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

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Em fevereiro de 2007, bancos começavam a registrar o golpe da crise da finança exótica e do hiperendividamento nos EUA

FAZ UM ANO , o HSBC, o enorme banco britânico, acusava o primeiro golpe explícito daquilo que as pessoas chamavam, e ainda insistem em chamar, de "crise do setor imobiliário" americano, ou crise dos "subprime" (devedores com crédito de segunda linha). O bancão registrava então o golpe no balanço.
"Subprime" era um nome exótico, mais esotérico que obrigação de dívida colateralizada ou com garantias (CDO), instrumentos financeiros derivados, muitos deles, de recebíveis imobiliários. Mais esquisitos que "credit default swaps" (CDS), contratos de seguro contra calote em títulos financeiros. Que tal sopa de letrinhas tenha subido ao palco era um sinal de que o tumulto americano fora muito além da inadimplência de gente que, muita vez, havia sido estimulada a contrair dívidas que não poderia pagar.
A crise imobiliária não teria efeitos tão multiplicados se não fosse a ilusão de que o risco de crédito estava fora dos bancos, diluído e diversificado por meio dos tais derivativos.
Tratava-se da crise de um modelo de financiamento e de descontrole irresponsável no centro da finança mundial, em parte também um caso de "ganância infecciosa", como disse um dia Alan Greenspan. Mas não só.
Tal rolo não teria sido alavancado se os consumidores americanos já não estivessem superendividados, pendurados em papagaios do cartão de crédito a dívidas contraídas contra o valor da própria casa que haviam financiado. Entre junho e agosto, ficaria explícito que a "crise localizada" (imobiliária), de "pequeno volume em relação ao PIB dos EUA" etc., tornara-se crise de crédito, de confiança. No final do terceiro trimestre, percebeu-se que o tumulto descera à rua: o cidadão deixava de comprar, dava calote no cartão de crédito e na prestação do carro.
Por mais de uma década os Estados Unidos viveram à base de financiamento externo e bolhas, de inflação de ativos financeiros (de empresas da internet a imóveis), com a ajuda adicional do déficit público de George Bush, que cortou impostos de gente bem de vida e torrou dinheiro nos maiores orçamentos militares da história. Nem mesmo a extraordinária, flexível e eficiente economia americana poderia agüentar muito mais, ainda que financiada pelas maiores reservas financeiras da história, as asiáticas, com o auxílio lateral dos neopetrodólares.
Por falar de sopra de letrinhas e de CDS, naquele começo de 2007, o custo de tais contratos de seguro de crédito começava a explodir, pois as financeiras imobiliárias americanas também começavam a se desmilingüir e bancos, como o HSBC, punham uma parte da língua para fora.
Um dos fatores do pânico de janeiro de 2008 foi justamente a ameaça de quebra dessas "seguradoras", avariadas pelos calotes de papéis que haviam se comprometido a cobrir. Com capital reduzido, ainda podem perder sua nota de crédito, com o que também perdem valor os papéis que "garantiam", muitos deles na mão de bancos, outro risco potencial de rombos nos balanços.
Há dias de trégua, mas a confusão não acabou. No final da semana passada, obscuros e agora menos sensacionais relatórios sobre o aperto de crédito davam conta da seca persistente nas finanças: uma situação "lúgubre", de "recessão profunda".

vinit@uol.com.br


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