São Paulo, quinta, 12 de fevereiro de 1998

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OPINIÃO ECONÔMICA
No fio da navalha

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Nas últimas semanas, tivemos sinais de melhora no cenário mundial, em especial no leste da Ásia. Mesmo economias notoriamente problemáticas, como a brasileira, voltaram a ter algum acesso aos mercados financeiros internacionais.
Foi o que bastou para que começasse a se instalar, outra vez, um certo clima de oba oba no Brasil. Economistas ligados a bancos e outros porta-vozes dos interesses financeiros e governamentais asseguram que o pior já passou e que o país vai atravessar o ano sem dramas cambiais. (Até um certo alto funcionário do Banco Central, que andava bastante recolhido nos últimos meses, saiu da toca para queixar-se novamente das críticas à política cambial, em carta à Folha.)
É possível que o pior já tenha passado. Mas, a rigor, ninguém sabe. Os sintomas de melhora são frágeis e muito recentes. Persistem dúvidas sobre a solidez do processo de ajustamento e reestruturação das economias asiáticas em crise. Países de outras regiões, notadamente a Rússia e o Brasil, continuam "sub judice".
No que diz respeito ao Brasil, a única coisa certa é que permanece o quadro de vulnerabilidade. As medidas que o governo tomou, desde fins de 1997, não modificaram substancialmente esse quadro. E nem seria de se esperar que o tivessem feito.
A reação brasileira ao choque asiático consistiu, essencialmente, de um aumento brutal das taxas de juros. As demais medidas anunciadas -de ajuste fiscal, de estímulo às exportações e de controle das importações- foram menos importantes. Algumas nem chegaram a ser implementadas.
Ora, não passa pela cabeça de ninguém que uma situação de vulnerabilidade externa possa ser superada pela prática de juros elevados. Trata-se, como se sabe, de um instrumento de emergência, que produz efeitos basicamente transitórios sobre a conta corrente e a conta de capitais do balanço de pagamentos.
De qualquer maneira, o grau de dependência financeira externa, acumulado irresponsavelmente desde 1993-94, era alto demais para que pudesse ser eliminado ou mesmo fortemente reduzido em poucos meses, em meio à turbulência internacional.
A dependência financeira está associada, em parte, ao endividamento externo de curto prazo. Os dados do BIS (Bank for International Settlements), ainda que incompletos, dão uma idéia da posição relativa do Brasil nesse particular.
Em fins de junho de 1997, alguns dias antes da eclosão da crise na Tailândia, esses dados indicavam que a posição brasileira não era nada invejável. Entre os principais países latino-americanos, o Peru e o Brasil eram os únicos que apresentavam uma proporção de endividamento bancário de curto prazo comparável à dos países asiáticos que estariam, pouco tempo depois, no epicentro do furacão financeiro.
No caso do Brasil, a dívida bancária com vencimento nos 12 meses seguintes correspondia, em junho de 1997, a 62% da dívida bancária total. Os dados correspondentes para a Coréia do Sul, a Tailândia e a Indonésia eram, respectivamente, 68%, 66% e 59% na mesma data. Desde então, a dependência do Brasil em relação a "hot money" aumentou e os prazos dos empréstimos diminuíram, o que deve ter levado a uma deterioração adicional do perfil da dívida brasileira.
Não é por acaso que o Brasil tem sido tão citado, nos meios financeiros internacionais, como candidato a mercado "submergente". De acordo com as estatísticas do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários, os passivos externos brutos de curto prazo do país (incluindo não só dívidas bancárias, mas também outras linhas de crédito, investimentos em Bolsas de Valores brasileiras e outros ativos de investidores institucionais estrangeiros) eram da ordem US$ 60 bilhões em fins de 1997.
A isso deve-se acrescentar as amortizações da dívida externa de médio e longo prazos, com vencimento em 1988 -estimadas em cerca de US$ 17 bilhões-, e o déficit em conta corrente, que deve ficar por volta de US$ 30 bilhões.
Por esses e outros motivos, é um pouco cedo para baixar a guarda. O governo deveria, ao contrário, intensificar os esforços de ajustamento das contas externas, apoiando a redução do desequilíbrio em medidas mais duradouras, que trouxessem um reforço real à combalida competitividade internacional da economia brasileira.


Paulo Nogueira Batista Jr., 42, professor da Fundação Getúlio Vargas e pesquisador-visitante do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net



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