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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Hiperliberalismo pode
marcar início do século
GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas
Continua ganhando impulso o
movimento com que os mercados de capitais norte-americanos
passam por cada onda de ansiedade com relação ao fim da bolha
especulativa, reforçando, a cada
miniciclo de realização e recuperação nas Bolsas, a crença no poder da tecnologia e da nova economia.
Talvez seja cedo para afirmar
categoricamente, mas já surge ao
menos a impressão de que nesse
ambiente ganham força também
as visões econômicas mais liberais. Para quem achou o liberalismo dos anos 80 algo "fora do lugar" e o neoliberalismo dos anos
90 simplesmente um delírio, a
primeira década do século 21 poderá colocar em cena uma espécie
de ultraliberalismo comandado
pela confiança cega na capacidade de auto-regulação dos mercados financeiros. Especialmente se
não houver uma recessão ou mesmo uma correção mais forte no
rumo da economia dos EUA.
Um indício dessa tendência é o
debate sobre a chamada reforma
do sistema financeiro internacional. Nos últimos cinco anos, o tema passou de candente a burocrático. E, entre os que ainda sustentam o debate, ganham peso as
visões mais conservadoras.
Não é difícil identificar, em economia, o que é o pensamento
conservador. Ele em geral repousa sobre três idéias fundamentais:
as instituições atrapalham o funcionamento dos mercados; os pobres são os maiores responsáveis
por sua pobreza; o conhecimento
e a educação têm poder transformador.
A chamada reforma do sistema
financeiro internacional é claramente um campo em que esses
três elementos concorrem para
formar uma visão articulada e a
cada dia mais predominante.
As instituições atrapalham: em
vez de fortalecer a regulação dos
fluxos financeiros e forçar bancos,
corretoras e outros agentes a pagar mais pelas crises, ganha força
a tese de que instituições como o
FMI, o Banco Mundial e o Banco
Interamericano de Desenvolvimento atrapalham mais do que
ajudam.
Exemplo dessa visão é o relatório que uma comissão do Congresso dos EUA produziu há poucas semanas. Entre outras pérolas, ele sugere a simples retirada
desses organismos do financiamento a países de "renda média"
(que estariam entre os miseráveis
e os super-ricos).
Os pobres são os maiores responsáveis por sua pobreza: a idéia
está presente não apenas na inclinação a atrofiar os organismos
multilaterais, mas na rejeição inevitável do que se conhece como a
sua função de "emprestadores de
última instância".
Para os ultraliberais, sempre
que um banco central faz uma
operação de resgate de um banco
prestes a quebrar, está premiando
a irresponsabilidade (problema
conhecido na literatura especializada como "risco moral"). Na
prática, estaria induzindo todos
os bancos à irresponsabilidade,
pois cada um agiria a partir do
pressuposto de que, em situação
de crise, o banco central viria em
seu socorro.
O "risco moral" de fato existe, e
lidar com esse problema não é trivial. Também não existem soluções puramente técnicas. O ultraliberalismo, no entanto, está na
transferência pura e simples do
risco moral para o conjunto dos
países. Afirmar que a atuação de
emprestadores de última instância apenas aumenta a irresponsabilidade dos governos é o mesmo
que, na prática, inviabilizar a existência não apenas de redes de segurança, mas também de políticas de desenvolvimento e planejamento público de longo prazo.
Sem essa dimensão pública, de
longo prazo e supranacional, cada
país que ainda esteja fora do clube
dos mais ricos e desenvolvidos fica relegado à própria sorte.
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