São Paulo, terça-feira, 12 de março de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA
O efeito Bresser-Nakano

BENJAMIN STEINBRUCH

Embora microscópica , a redução dos juros decidida no mês passado pelo Banco Central foi uma surpresa. Todos esperavam a manutenção da taxa de 19%, porque não havia nenhuma alteração substancial no cenário para justificar mudança de atitude por parte do Banco Central.
Pode ter havido, então, um elemento novo, quase subliminar, a influenciar a decisão do Copom (Comitê de Política Monetária): o fator Bresser-Nakano. Os economistas Luiz Carlos Bresser Pereira e Yoshiaki Nakano produziram, a pedido do presidente do PSDB, José Aníbal, um documento que servirá de base para a elaboração do plano econômico do candidato tucano à Presidência da República.
O trabalho, de 37 páginas, cuja segunda versão está disponível na internet (www.bresserpereira.org.br), é corajoso, porque contesta uma das raras unanimidades brasileiras do momento, a competência da atual administração do Banco Central.
O ponto central do trabalho dos dois economistas tucanos é a taxa de juros da economia. Segundo eles, a teoria econômica classifica como aberração as elevadas taxas vigentes no Brasil nos últimos 13 anos. Por conta disso, o país tem patinado sem nunca conseguir ingressar em um ciclo de crescimento econômico sustentado.
A cúpula econômica do governo chiou quando o trabalho de Bresser e Nakano foi divulgado, no fim ano passado. "Se eles são tucanos, então não precisamos de oposição", dizia-se no governo. Mas, na verdade, o estudo só ajuda a atual administração. Seu mérito é mostrar ao presidente Fernando Henrique Cardoso que há um equívoco no tradicional argumento oficial de que o governo pretende reduzir as taxas, mas não pode porque o "mercado não deixa". Muita gente dentro do governo acha que esse argumento é falso, mas não ousa contestá-lo. Bresser e Nakano sustentam que o governo pode baixar os juros e dizem como.
É difícil resumir em poucas linhas um documento tão extenso. Mas, em síntese, Bresser e Nakano dizem que o grande desafio do próximo governo é abandonar a prática de atribuir múltiplas funções aos juros, porque essa tem sido a razão das altas taxas. O Brasil tem juros muito elevados porque esse instrumento tem sido usado ao mesmo tempo para (1) reduzir a demanda e evitar a aceleração da inflação; (2) limitar a desvalorização da taxa de câmbio para evitar inflação de custos; (3) atrair capital externo para fechar o balanço de pagamentos; (4) induzir investidores internos a comprar títulos do governo e financiar o déficit público e (4) reduzir o déficit comercial por meio do controle da demanda interna.
Embora o discurso oficial diga que a taxa é usada apenas para o controle da demanda e da inflação, a verdade incontestável, segundo Bresser e Nakano, é que ela vem tendo essas múltiplas funções. Ao elevar a taxa para atrair capital externo a fim de fechar o balanço de pagamentos, por exemplo, o BC provoca a valorização do real em relação ao dólar, o que agrava o déficit comercial e, num prazo maior, o desequilíbrio do próprio balanço de pagamentos.
Os dois economistas chamam de "ciclo perverso" a forma como o crescimento econômico tem sido sistematicamente abortado nas últimas duas décadas: a economia começa a se expandir por meio das exportações e isso provoca um aumento das importações. Ao mesmo tempo, com o crescimento provocado pelas importações, o consumo interno aumenta e grande parte da produção é redirecionada para o mercado interno, porque a capacidade produtiva não está dimensionada para atender às duas demandas. Assim, embora sejam competitivas externamente, as empresas reduzem exportações. Para evitar o agravamento do déficit comercial, o Banco Central aumenta a taxa de juros e o ciclo de expansão é abortado.
Esse ciclo perverso, segundo o trabalho, ocorre repetidamente desde 1993. Para rompê-lo, só existe uma receita: deixar a taxa de câmbio variar mais (de R$ 2,60 a R$ 3 por dólar); reestruturar a indústria para aumentar a sua capacidade; promover exportações e substituir importações; e estabelecer uma política comercial ativa, com incentivos internos aos exportadores e com negociação agressiva de acordos e contestação de medidas protecionistas.
Com seu estudo, a dupla de economistas prestou um excelente serviço ao debate sobre o crescimento econômico, que será certamente a tônica da campanha eleitoral, tão logo termine a atual e aguda crise política provocada pela disputa entre os pré-candidatos.
A economia brasileira cresceu apenas 1,51% no ano passado, uma taxa medíocre e muito abaixo da média mundial de 2,4%. O país precisa crescer pelo menos 5% ao ano para gerar renda e dar empregos aos brasileiros. Bresser e Nakano dizem que isso é possível, sem comprometer a estabilidade da economia. E mostram como. Cabe aos especialistas discutir a sustentação teórica da proposta. Mas tenho certeza de que, ao pôr o dedo numa ferida brasileira, ajudaram muito mais que imaginam o futuro do Brasil.


Benjamin Steinbruch, 47, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br


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