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OPINIÃO ECONÔMICA
Em defesa do consumidor
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Tive a felicidade de trabalhar
com o ministro Sérgio Motta
na reestruturação do mercado
brasileiro de telecomunicações,
durante o primeiro mandato do
presidente Fernando Henrique
Cardoso. Projeto ambicioso, bem
ao estilo de Serjão, ele buscava
modernizar e abrir à competição
nosso sistema, baseado no monopólio estatal, herdado do regime
militar. Durante mais de dois
anos, ele liderou uma equipe de
trabalho na busca do melhor desenho institucional e legal para
garantir a modernização desse
setor.
O projeto encaminhado pelo governo ao Congresso Nacional,
que, aprovado, deu origem a uma
nova lei sobre o sistema de telecomunicações no Brasil, estava centrado em dois pilares, ou duas
cláusulas pétreas, para usar uma
linguagem do direito constitucional: a competição no mercado e a
obrigação da universalização dos
serviços. A competição é o único
instrumento viável para garantir
a melhor qualidade e o menor
preço ao consumidor; a obrigação
da universalização por parte das
concessionárias privadas é a forma mais eficiente de garantir que
o cidadão de baixa renda tenha
acesso garantido, independentemente de questões econômicas, ao
telefone e à internet.
Lembro-me bem de ouvir de
Serjão, em várias ocasiões, a razão para o estabelecimento claro
dessas duas idéias básicas de sua
proposta: "Não quero que a esperteza do brasileiro acabe por levar
a Anatel, por meio de artifícios jurídicos, a agredir esses dois pilares
fundamentais do novo sistema no
futuro". Serjão sabia que seria
impossível escrever um conjunto
de leis que garantisse de forma
perene a aplicação desses valores,
que vão contra os interesses econômicos dos concessionários privados.
Profético Sérgio Motta! Menos
de seis anos depois de sua morte,
estamos ameaçados de ver uma
das duas cláusulas pétreas da legislação atual sucumbir à esperteza de alguns empresários, com
prejuízo de todos nós, brasileiros.
O que Sérgio Motta não poderia
prever é que isso ocorreria sob o
patrocínio de um governo do PT.
Apesar de adversário político de
Lula e de seus liderados, Sérgio
Motta morreu acreditando nos
valores e utopias defendidos pelo
partido da estrela.
Sirvo-me deste meu espaço semanal na Folha para reagir com
indignação -e creio que tenha o
direito ou talvez a obrigação a isso por ter trabalhado na implantação do modelo que temos hoje
no Brasil- à tentativa de um
consórcio formado pelas empresas de telefonia fixa que operam
no Brasil de comprar a Embratel,
conforme amplamente noticiado
nos jornais dos últimos dias. Essa
operação, que, segundo a imprensa, conta com o apoio do ministro
Luiz Gushiken e do Palácio do
Planalto, configurará uma agressão ao princípio da concorrência
no setor de ligações de longa distância.
Como essa operação fere, de
maneira clara, o artigo da lei que
veda a compra de uma empresa
concessionária de um serviço de
telefonia (no caso, o serviço de
longa distância da Embratel) por
outra concessionária do mesmo
serviço (no caso, as três empresas
de telefonia fixa), foi desenvolvido um mecanismo legal para obter a autorização da Anatel. A
Embratel será dividida em duas
companhias, ficando uma com os
serviços de longa distância (que
depende de uma licença da Anatel e, portanto, está sujeita à proibição citada acima) e uma outra
que ficará com outros serviços
que não dependem de licença para funcionar e, portanto, pode ser
adquirida pelas empresas de telefonia fixa. Posteriormente, as empresas de telefonia fixa venderiam a primeira empresa, cumprindo a limitação que está definida na lei.
Aqui vem, então, a esperteza
tão temida por Serjão, conhecedor profundo da natureza de certos grupos no Brasil. Se a infra-estrutura de cabos de fibra ótica da
Embratel ficar com a empresa a
ser controlada pelas de telefonia
fixa, estará configurada, na prática, a eliminação da Embratel como concorrente no mercado de ligações de longa distância -e,
portanto, agredida a cláusula pétrea da manutenção da competição do mercado.
Até agora, a Anatel não se manifestou sobre a operação acima
descrita, mas creio ser minha responsabilidade acompanhar esse
caso e alertar a opinião pública
para os riscos que tudo isso representa para o consumidor brasileiro. Quero também deixar registrado que, caso isso se realize, a
agressão ao princípio da competição que pode ocorrer na venda da
Embratel será de responsabilidade do governo Lula -que tanto
nos criticou em 1998, quando se
fez a privatização da Telebrás.
Não venham culpar, no futuro,
o PSDB e a equipe de Sérgio Motta caso sejam criadas, no setor de
telecomunicações de longa distância, as condições monopolistas
que temos hoje na telefonia fixa.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61,
engenheiro e economista, é sócio e
editor do site de economia e política
Primeira Leitura. Foi presidente do
BNDES e ministro das Comunicações
(governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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