|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Uma difícil reunião do Copom
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Na próxima semana, o Copom -órgão do Banco Central que define mensalmente os
rumos da política monetária-
terá uma reunião muito difícil.
Precisará decidir entre a continuidade do processo de redução
dos juros em curso ou sua interrupção devido ao quadro inflacionário mais confuso para os
próximos meses. Mais do que
uma simples decisão conjuntural
rotineira, o encontro da próxima
quarta-feira servirá para aprofundar as discussões sobre o chamado sistema de metas de inflação. Implantado após a flutuação
do real em janeiro de 1999, como
forma de garantir uma regra de
política monetária que substituísse a antiga âncora cambial, esse
sistema foi implantado sem uma
discussão mais profunda sobre
suas regras.
O sistema de metas de inflação é
um arranjo institucional novo no
mundo e com pouca história para
servir de fonte de conhecimento e
de orientação. A experiência mais
conhecida é a da Nova Zelândia;
a mais importante, a do Banco
Central Europeu. Pressionado pelas incertezas e riscos associados à
flutuação do real, o BC optou por
um sistema rígido e duro, muito
parecido com a experiência neozelandesa. Com uma diferença
fundamental: as metas eram definidas administrativamente pelo
Copom, e não discutidas e aprovadas no Parlamento depois de
exaustivas discussões. Essa diferença, além da questão de legitimidade política, gerou um problema seriíssimo: a falta de reflexão sobre os detalhes e as características do sistema a ser implantado.
Sem a necessária discussão, o
modelo definido pela equipe econômica apresentou, desde o início, deficiências técnicas e operacionais que acabaram por criar
uma armadilha para a nossa autoridade monetária. Essas dificuldades agravaram-se quando, na
euforia dos primeiros resultados,
o Copom resolveu fixar metas
muito ambiciosas para 2002 e
2003. Posteriormente, quando as
metas foram atropeladas pela crise energética e pelo colapso da Argentina, alguns membros do Copom passaram a dar declarações
muito fortes, do tipo atingir as
metas fixadas ou morrer. Assim,
quando os resultados de 2001 ficaram acima das metas, o mercado recebeu um sinal de fracasso.
Entramos em 2002 com inflação
real da ordem de 7% e meta já definida de 3,5%. A indexação formal de preços importantes para
os consumidores já fazia prever
que seria impossível convergir, ao
longo dos meses do calendário, o
compromisso explicitado anos
antes. Além disso, a existência de
mercados sem o nível necessário
de competição impediu que a desaceleração da economia e a queda dos salários pudessem agir como forças antiinflacionárias fortes. Os melhores exemplos desses
casos são os preços das escolas privadas, das tarifas de ônibus e de
outros serviços públicos importantes fora da indexação contratual já citada. Basta olhar para o
IPCA de março, recém-divulgado
pelo IBGE, para perceber esse efeito dos mercados sem competição.
Além disso, a política de preços da
Petrobras internalizou de forma
dramática a especulação e a volatilidade do mercado internacional de petróleo.
Com a inflação nos próximos
meses em ascensão e pressionado
pelos analistas mais conservadores, o Copom vai ser obrigado a
manter inalterada a Selic na sua
próxima reunião. Muito deve
contribuir para essa decisão do
BC o quadro de instabilidade fiscal criado pelo atraso na votação
da CPMF no Congresso. Com isso,
a incipiente recuperação da atividade econômica vai sofrer um baque, e dificilmente teremos crescimento econômico superior a 2%
ao longo de 2002. Mesmo assim, a
inflação vai superar em muito a
meta prevista pelo BC.
Essas dificuldades crescentes na
operação do sistema de metas de
inflação trarão, entretanto, uma
oportunidade de ouro para uma
reflexão mais cuidadosa por parte de todos. Existe hoje um consenso de que o sistema de câmbio
flutuante exige um mecanismo
como esse para trazer estabilidade para a economia. Mesmo os
economistas do PT têm manifestado seu apoio a esse sistema de
referência para a condução da
política monetária. Precisamos
definir um grupo de regras que lide eficientemente com a ocorrência de choques inflacionários causados por problemas de oferta em
uma economia ainda influenciada por mercados pouco competitivos ou com preços regulados
contratualmente. Aliás, essa é a
forma como as coisas evoluem na
sociedade brasileira. Mesmo os
analistas mais conservadores do
sistema financeiro têm participado das discussões sobre o sistema
de metas de inflação, produzindo
reflexões interessantes na imprensa e em documentos de caráter privado. O próprio presidente
do BC tem mostrado abertura e
coragem importantes no tratamento dessa questão.
Alguns pontos importantes nesse debate já estão na pauta das
discussões. Transformar a meta
inflacionária em uma média móvel de prazo mais longo, dar um
tratamento diferenciado aos preços mais voláteis -como alimentos e energia- e aos preços indexados contratualmente e definir
uma regra para a convergência
dos preços depois da ocorrência
de um choque de oferta são as
questões mais importantes a serem definidas nos próximos meses. O governo FHC tem credibilidade suficiente para que as expectativas em relação à estabilidade
da moeda não sejam diluídas
nesse processo.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
Texto Anterior: União venderá ações do BB e deve permitir uso do FGTS para compra Próximo Texto: Imposto de renda: Para Malan, 94% vão usar a internet Índice
|