São Paulo, sexta-feira, 12 de abril de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Uma difícil reunião do Copom

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Na próxima semana, o Copom -órgão do Banco Central que define mensalmente os rumos da política monetária- terá uma reunião muito difícil. Precisará decidir entre a continuidade do processo de redução dos juros em curso ou sua interrupção devido ao quadro inflacionário mais confuso para os próximos meses. Mais do que uma simples decisão conjuntural rotineira, o encontro da próxima quarta-feira servirá para aprofundar as discussões sobre o chamado sistema de metas de inflação. Implantado após a flutuação do real em janeiro de 1999, como forma de garantir uma regra de política monetária que substituísse a antiga âncora cambial, esse sistema foi implantado sem uma discussão mais profunda sobre suas regras.
O sistema de metas de inflação é um arranjo institucional novo no mundo e com pouca história para servir de fonte de conhecimento e de orientação. A experiência mais conhecida é a da Nova Zelândia; a mais importante, a do Banco Central Europeu. Pressionado pelas incertezas e riscos associados à flutuação do real, o BC optou por um sistema rígido e duro, muito parecido com a experiência neozelandesa. Com uma diferença fundamental: as metas eram definidas administrativamente pelo Copom, e não discutidas e aprovadas no Parlamento depois de exaustivas discussões. Essa diferença, além da questão de legitimidade política, gerou um problema seriíssimo: a falta de reflexão sobre os detalhes e as características do sistema a ser implantado.
Sem a necessária discussão, o modelo definido pela equipe econômica apresentou, desde o início, deficiências técnicas e operacionais que acabaram por criar uma armadilha para a nossa autoridade monetária. Essas dificuldades agravaram-se quando, na euforia dos primeiros resultados, o Copom resolveu fixar metas muito ambiciosas para 2002 e 2003. Posteriormente, quando as metas foram atropeladas pela crise energética e pelo colapso da Argentina, alguns membros do Copom passaram a dar declarações muito fortes, do tipo atingir as metas fixadas ou morrer. Assim, quando os resultados de 2001 ficaram acima das metas, o mercado recebeu um sinal de fracasso.
Entramos em 2002 com inflação real da ordem de 7% e meta já definida de 3,5%. A indexação formal de preços importantes para os consumidores já fazia prever que seria impossível convergir, ao longo dos meses do calendário, o compromisso explicitado anos antes. Além disso, a existência de mercados sem o nível necessário de competição impediu que a desaceleração da economia e a queda dos salários pudessem agir como forças antiinflacionárias fortes. Os melhores exemplos desses casos são os preços das escolas privadas, das tarifas de ônibus e de outros serviços públicos importantes fora da indexação contratual já citada. Basta olhar para o IPCA de março, recém-divulgado pelo IBGE, para perceber esse efeito dos mercados sem competição. Além disso, a política de preços da Petrobras internalizou de forma dramática a especulação e a volatilidade do mercado internacional de petróleo.
Com a inflação nos próximos meses em ascensão e pressionado pelos analistas mais conservadores, o Copom vai ser obrigado a manter inalterada a Selic na sua próxima reunião. Muito deve contribuir para essa decisão do BC o quadro de instabilidade fiscal criado pelo atraso na votação da CPMF no Congresso. Com isso, a incipiente recuperação da atividade econômica vai sofrer um baque, e dificilmente teremos crescimento econômico superior a 2% ao longo de 2002. Mesmo assim, a inflação vai superar em muito a meta prevista pelo BC.
Essas dificuldades crescentes na operação do sistema de metas de inflação trarão, entretanto, uma oportunidade de ouro para uma reflexão mais cuidadosa por parte de todos. Existe hoje um consenso de que o sistema de câmbio flutuante exige um mecanismo como esse para trazer estabilidade para a economia. Mesmo os economistas do PT têm manifestado seu apoio a esse sistema de referência para a condução da política monetária. Precisamos definir um grupo de regras que lide eficientemente com a ocorrência de choques inflacionários causados por problemas de oferta em uma economia ainda influenciada por mercados pouco competitivos ou com preços regulados contratualmente. Aliás, essa é a forma como as coisas evoluem na sociedade brasileira. Mesmo os analistas mais conservadores do sistema financeiro têm participado das discussões sobre o sistema de metas de inflação, produzindo reflexões interessantes na imprensa e em documentos de caráter privado. O próprio presidente do BC tem mostrado abertura e coragem importantes no tratamento dessa questão.
Alguns pontos importantes nesse debate já estão na pauta das discussões. Transformar a meta inflacionária em uma média móvel de prazo mais longo, dar um tratamento diferenciado aos preços mais voláteis -como alimentos e energia- e aos preços indexados contratualmente e definir uma regra para a convergência dos preços depois da ocorrência de um choque de oferta são as questões mais importantes a serem definidas nos próximos meses. O governo FHC tem credibilidade suficiente para que as expectativas em relação à estabilidade da moeda não sejam diluídas nesse processo.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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