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LUÍS NASSIF
O terremoto que se avizinha
Não se menospreze o trabalho iniciado por procuradores de Nova York contra bancos de investimentos nova-iorquinos, acusados de manipular
o boom ocorrido na Nasdaq. Pode-se estar entrando em período
de turbulência maior do que
aquele provocado pela revelação das operações da Enron.
Em todo período especulativo,
o efeito-manada é peça central.
Se o sujeito grita "fogo", você pode ter todas as informações do
mundo de que não existe fogo,
mas sairá correndo do mesmo
modo, para não ser atropelado
pelos demais.
Nesse movimento especulativo, não houve agente mais ativo
e mais beneficiado do que os
grandes bancos de investimento
nova-iorquinos -esse é o ponto-chave, pois eles se constituem
na peça mais visível e hegemônica do atual poderio norte-americano. E quem se volta contra eles não são mais países periféricos prejudicados por suas
análises e especulações, mas cidadãos norte-americanos, que
perderam dinheiro confiando
em suas análises.
Na coluna de 10 de março de
2000 -antes do início da queda
da Nasdaq-, com o título "A
exuberância irracional e os bancos", procurei alertar para esse
modelo especulativo fundado
nos "gurus" de mercado: "Os
processos de "valoração" dessas
empresas de tecnologia são controlados pelos próprios bancos
que investem no produto
-comprando ações não pelo
que valem, mas pelo que os investidores (influenciados por
suas análises) vão achar que valem. Ora, essa manipulação da
análise já foi demonstrada inúmeras vezes nos últimos anos
(...) A análise funciona como
instrumento de marketing, para
as estratégias financeiras do
próprio banco".
Na mídia norte-americana, o
questionamento teve início
mais tarde, em janeiro do ano
passado, com o artigo "Como
tantos avaliaram de forma tão
equivocada?", de autoria de
Gretchen Morgenson, no "New
York Times".
Lógica do jogo
Agora, a Justiça entra na parada. Lenta, porém progressivamente, serão montadas as peças
do quebra-cabeças, que quase
certamente levará ao seguinte
desenho:
1) No início do processo havia
sempre um banco de investimento identificando projetos
tecnológicos com bom potencial
especulativo, porque sendo da
nova economia não havia histórico de receita, permitindo aos
analistas exercerem o subjetivismo de forma ampla.
2) Por indicação dos bancos,
esses projetos eram encaminhados a empresas de auditoria que
atuavam simultaneamente na
área de consultoria. No Brasil,
no auge do boom, algumas dessas empresas chegaram a cobrar
dos empreendedores US$ 200
mil por um dia de seminário.
3) Depois, as mesmas empresas de auditoria tratavam de
administrar o processo seguinte,
ou aceitando manipulações de
balanço (como no caso da
Enron) ou dando fundamento
para a fixação de ratings por
parte dos bancos, principal instrumento de indução dos investidores.
4) Para se prevenir contra
eventuais futuras investigações,
muitos desses bancos e empresas
passaram a atuar por meio de
trustes e "limited partnerships",
colocados sob controle de terceiros, sob o beneplácito das empresas de auditoria.
No recente comunicado publicado na imprensa, aliás, em resposta a ataques de Nelson Tanure (lobista da TIW), o Banco
Opportunity faz questão de lembrar que tinha procuração total
do Citibank para administrar
de maneira autônoma os recursos do CVC/Opportunity (o Citibank abriu diversos fundos
CVC, colocados sob administração de parceiros). Não se sabia
se era o Opportunity respondendo a Tanure, ou o Citibank se
explicando aos procuradores
nova-iorquinos.
Agora, chegou a vez do acerto
de contas.
O primeiro passo das investigações certamente passará ou já
passou pelo levantamento das
maiores disparidades: aqueles
"gurus", que erraram mais redondamente nas suas análises,
ou os bancos, que erraram mais
clamorosamente nos seus ratings.
Depois, pela análise dos movimentos de compra e venda de
ações, não apenas as operações
diretas do banco, mas aquelas
realizadas por meio das empresas coligadas ou de pessoas próximas aos principais executivos,
para identificar quem se beneficiou desse jogo. E aí se chegará
também a empresas de auditoria e agências de risco.
Não se sabe quanto tempo se
levará para esse quebra-cabeças
ser montado. Mas virá terremoto do grosso por aí, porque vai se
chegar ao epicentro da parte do
sistema financeiro internacional, o poder hegemônico que
dominou os fluxos especulativos
da última década.
E-mail - lnassif@uol.com.br
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