São Paulo, sexta-feira, 12 de abril de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

O terremoto que se avizinha

Não se menospreze o trabalho iniciado por procuradores de Nova York contra bancos de investimentos nova-iorquinos, acusados de manipular o boom ocorrido na Nasdaq. Pode-se estar entrando em período de turbulência maior do que aquele provocado pela revelação das operações da Enron.
Em todo período especulativo, o efeito-manada é peça central. Se o sujeito grita "fogo", você pode ter todas as informações do mundo de que não existe fogo, mas sairá correndo do mesmo modo, para não ser atropelado pelos demais.
Nesse movimento especulativo, não houve agente mais ativo e mais beneficiado do que os grandes bancos de investimento nova-iorquinos -esse é o ponto-chave, pois eles se constituem na peça mais visível e hegemônica do atual poderio norte-americano. E quem se volta contra eles não são mais países periféricos prejudicados por suas análises e especulações, mas cidadãos norte-americanos, que perderam dinheiro confiando em suas análises.
Na coluna de 10 de março de 2000 -antes do início da queda da Nasdaq-, com o título "A exuberância irracional e os bancos", procurei alertar para esse modelo especulativo fundado nos "gurus" de mercado: "Os processos de "valoração" dessas empresas de tecnologia são controlados pelos próprios bancos que investem no produto -comprando ações não pelo que valem, mas pelo que os investidores (influenciados por suas análises) vão achar que valem. Ora, essa manipulação da análise já foi demonstrada inúmeras vezes nos últimos anos (...) A análise funciona como instrumento de marketing, para as estratégias financeiras do próprio banco".
Na mídia norte-americana, o questionamento teve início mais tarde, em janeiro do ano passado, com o artigo "Como tantos avaliaram de forma tão equivocada?", de autoria de Gretchen Morgenson, no "New York Times".

Lógica do jogo
Agora, a Justiça entra na parada. Lenta, porém progressivamente, serão montadas as peças do quebra-cabeças, que quase certamente levará ao seguinte desenho:
1) No início do processo havia sempre um banco de investimento identificando projetos tecnológicos com bom potencial especulativo, porque sendo da nova economia não havia histórico de receita, permitindo aos analistas exercerem o subjetivismo de forma ampla.
2) Por indicação dos bancos, esses projetos eram encaminhados a empresas de auditoria que atuavam simultaneamente na área de consultoria. No Brasil, no auge do boom, algumas dessas empresas chegaram a cobrar dos empreendedores US$ 200 mil por um dia de seminário.
3) Depois, as mesmas empresas de auditoria tratavam de administrar o processo seguinte, ou aceitando manipulações de balanço (como no caso da Enron) ou dando fundamento para a fixação de ratings por parte dos bancos, principal instrumento de indução dos investidores.
4) Para se prevenir contra eventuais futuras investigações, muitos desses bancos e empresas passaram a atuar por meio de trustes e "limited partnerships", colocados sob controle de terceiros, sob o beneplácito das empresas de auditoria.
No recente comunicado publicado na imprensa, aliás, em resposta a ataques de Nelson Tanure (lobista da TIW), o Banco Opportunity faz questão de lembrar que tinha procuração total do Citibank para administrar de maneira autônoma os recursos do CVC/Opportunity (o Citibank abriu diversos fundos CVC, colocados sob administração de parceiros). Não se sabia se era o Opportunity respondendo a Tanure, ou o Citibank se explicando aos procuradores nova-iorquinos.
Agora, chegou a vez do acerto de contas.
O primeiro passo das investigações certamente passará ou já passou pelo levantamento das maiores disparidades: aqueles "gurus", que erraram mais redondamente nas suas análises, ou os bancos, que erraram mais clamorosamente nos seus ratings.
Depois, pela análise dos movimentos de compra e venda de ações, não apenas as operações diretas do banco, mas aquelas realizadas por meio das empresas coligadas ou de pessoas próximas aos principais executivos, para identificar quem se beneficiou desse jogo. E aí se chegará também a empresas de auditoria e agências de risco.
Não se sabe quanto tempo se levará para esse quebra-cabeças ser montado. Mas virá terremoto do grosso por aí, porque vai se chegar ao epicentro da parte do sistema financeiro internacional, o poder hegemônico que dominou os fluxos especulativos da última década.

E-mail - lnassif@uol.com.br



Texto Anterior: Imposto de renda / IOB Thomson - Folha
Próximo Texto: Contas do governo: Déficit da Previdência tem nova explosão em março
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.