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TENSÃO ENTRE VIZINHOS
Ele cogita até ameaçar boliviano com fim da compra de gás
Lula vê ação eleitoral de Evo, endurece e pensa em plano B
DO ENVIADO ESPECIAL A VIENA
O presidente Luiz Inácio Lula
da Silva atribuiu o ataque de Evo
Morales ao Brasil e à Petrobras à
campanha eleitoral para a Assembléia Constituinte boliviana, eleição marcada para 2 de julho e peça fundamental no desenho do
presidente da Bolívia para o que
chama de "refundação" de seu
país.
O nacionalismo tem forte apelo
eleitoral na Bolívia (como na
maioria dos países).
Mas Lula não escondeu de seus
auxiliares a profunda irritação
com Evo Morales e a disposição
de lhe dizer hoje, em encontro reservado mas ainda não agendado,
que "assim não dá". Tanto não dá
que o presidente já determinou
estudos para o que, na intimidade
do Planalto, se chama de "Plano
B".
Pelo que a Folha pôde saber ontem, o plano inclui a ameaça de
suspender a importação de gás da
Bolívia, o que estrangularia a economia boliviana, na medida em
que as operações da Petrobras representam hoje 18% do PIB (Produto Interno Bruto, medida da
renda de um país).
Lula acredita que a ameaça por
si só é suficiente para fazer Evo
Morales depor as armas retóricas
que vem usando. Concretizar a
ameaça já é mais complicado porque suspender as importações
causaria um apagão, em especial
na indústria paulista, o que teria
efeitos eleitorais potencialmente
desastrosos.
O que mais irrita Lula é o fato de
que Evo Morales -e o venezuelano Hugo Chávez, mas em menor
medida- desmente em declarações públicas tudo o que fica combinado entre os presidentes ou
entre seus assessores em encontros fechados.
O mais recente exemplo é a reunião de anteontem em La Paz entre o presidente da Petrobras, José
Sérgio Gabrielli, e o ministro de
Minas e Energia, Silas Rondeau,
com as autoridades locais. O relatório que o Planalto recebeu sobre
a reunião era de um acordo completo. A mesma sensação foi
transmitida por Rondeau diretamente a Lula, em telefonema na
quarta-feira.
Ontem de manhã (madrugada
ainda na América do Sul), Evo
Morales reunia-se com os jornalistas em Viena com todos os torpedos assestados na direção da
Petrobras.
A negociação de anteontem é
apenas o exemplo mais recente.
Quando Morales assumiu, há
quase quatro meses, os dois lados
já sabiam que teriam que enfrentar mais cedo que tarde o problema da nacionalização do gás, prometida pelo boliviano na campanha (e, aliás, pelos demais candidatos).
Mas ficou combinado entre eles
que não fariam negociações pela
imprensa. Exatamente o contrário do que vem ocorrendo seguidamente.
Outro episódio envolveu os Estados Unidos. Primeiro, Morales
pediu ao governo brasileiro que
ajudasse a melhorar as relações
com os Estados Unidos (o presidente George Walker Bush considera Lula um "amigo", por mais
que teoricamente estejam em posições opostas no arco político-ideológico).
Em seguida, os Estados Unidos
pediram "ajuda e conselho" ao
governo brasileiro, pela voz de
Thomas Shannon, novo responsável por América Latina no Departamento de Estado, justamente para tratar do caso boliviano.
Tudo parecia combinar para
um bom encaminhamento quando Morales disparou outro de
seus torpedos, desta vez tendo
Bush como alvo.
Foi a primeira das muitas vezes
em que Lula desabafou um "assim não dá" em relação a seu colega da Bolívia.
À medida que as coisas foram se
complicando, Lula decidiu escrever carta ao presidente boliviano
na qual analisava extensamente o
relacionamento bilateral e o processo de integração sul-americano, antiga menina dos olhos da
diplomacia brasileira e que já começava a fazer água.
Foi um mês antes da nacionalização do gás. Morales nem sequer
se deu ao trabalho de responder, a
não ser no dia 1º de maio, por
meio da nacionalização do gás.
Como a nacionalização se deu
no dia seguinte a um encontro,
em Havana, entre Morales, Hugo
Chávez e, obviamente, o anfitrião
Fidel Castro, Lula envolveu também Chávez no "assim não dá".
Foi o que lhe disse em telefonema
no dia 2, 24 horas após o ato de
Evo Morales.
A preocupação do presidente
brasileiro não é apenas nem principalmente com a questão do gás,
mas com o conjunto da integração sul-americana, que está se
tornando inviável, quase impossível, diante de uma catarata de
confrontos.
(CLÓVIS ROSSI)
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