São Paulo, sábado, 12 de junho de 2004

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SEMENTES DA DISCÓRDIA

Após recusa da China, exportadores argentinos e brasileiros esboçam união para elevar poder de negociação

Produtores querem criar "Opep da soja"

LÉO GERCHMANN
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PORTO ALEGRE

Produtores e exportadores argentinos e brasileiros estão esboçando a criação do que alguns definem como a ""Opep da soja", para ganhar poder de negociação com outros países -a China, principalmente.
A Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) é o cartel internacional que define preços e modula a produção petrolífera.
A idéia sul-americana ganhou força com a recusa da China a navios brasileiros carregados de soja, sob a alegação de que os grãos estavam misturados a sementes tratadas com fungicidas.
A atitude foi interpretada, pelos produtores, como estratégia chinesa para baixar o preço da saca (que chegou a R$ 52 e caiu, em razão da ação chinesa, para R$ 38).
A expressão ""Opep da soja" foi cunhada pelo produtor argentino Gustavo Grobopocatel, o ""rei da soja", que defende o grupo incluindo Estados Unidos, Brasil e Argentina -na ordem, primeiro, segundo e terceiro maiores produtores de soja do mundo. Grobopocatel não está isolado na Argentina. Produtores de Buenos Aires e Rosario se colocam a favor de uma entidade reguladora.
No Brasil, a medida está longe de ser unânime. Líderes de entidades do setor defendem a criação de um organismo, mas evitaram a expressão ""Opep" e colocam em dúvida a participação dos EUA. O termo Opep não é bem aceito porque estaria desgastado em razão das intervenções feitas no comércio mundial de petróleo, produto com características diferentes das da soja.
Os brasileiros que incorporam a proposta a restringem a definições de regras comuns para padrões de qualidade e peso. Alguns acham possível estabelecer preços para se descolar dos determinados pela Bolsa de Chicago.
O exportador brasileiro Antônio Luís Bianchini é um que não se entusiasma com a idéia em razão das características próprias da soja (produto agrícola renovável e com alternativas) e do petróleo (esgotável e indispensável).
""Seria difícil colocar em prática essa idéia", afirmou, fazendo coro com técnicos da Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleo Vegetal).
Mesmo assim, argentinos insistem, e outros brasileiros -que não querem expor seus nomes- são entusiastas. O corretor argentino Ricardo Baccarin diz que o grupo seria ""a única forma de fazer frente à China".
Brasileiros evitam falar no assunto justamente por temerem represálias chinesas. Dizem que a união entre Brasil e Argentina lhes daria mais poder para fazer frente à China.

Unindo forças
Os defensores da idéia dizem que, juntos, Brasil e Argentina superam os EUA como principal produtor mundial -produzem cerca de 90 milhões de toneladas contra um máximo de 80 milhões dos norte-americanos.
Outro dado, porém, explica o entusiasmo argentino: o Brasil exporta 30% da sua produção para a China; os EUA, 40%; a Argentina, 75%. Ou seja, a dependência do país vizinho em relação aos chineses é superior.
O presidente da brasileira Anec (Associação Nacional dos Exportadores de Cereais), Sérgio Mendes, procurado pela Agência Folha, evitou comentários.
""Se isso um dia ocorrer, teria de envolver apenas Brasil e Argentina, porque temos interesses conflitantes com os EUA [como os subsídios norte-americanos à produção agrícola em geral]", afirmou.


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