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OPINIÃO ECONÔMICA
Mercosul na prática
GESNER OLIVEIRA
Desde sua criação, por meio
do Tratado de Assunção, em
1991, o Mercosul carece de ações
práticas para a efetiva integração
econômica em prol do crescimento. A idéia de desenvolver uma
agenda mínima na área de defesa
da concorrência entre Brasil e Argentina, divulgada nesta semana
pelo Ministério da Fazenda, indica um caminho mais eficiente a
ser seguido nessa e em outras
áreas do bloco.
Já há um acordo de defesa da
concorrência do Mercosul. Trata-se do desconhecido Protocolo de
Fortaleza, aprovado em uma madrugada de dezembro de 1996. O
texto estabelece com notável minúcia o procedimento que deve
ser seguido caso haja um abuso
por parte de uma empresa ou um
cartel que afete a união aduaneira. Prevê igualmente todos os recursos, incluindo o mecanismo de
solução de controvérsias do Protocolo de Brasília. Não surpreendentemente, o protocolo não saiu
do papel.
Em contraste com o formalismo
do Protocolo de Fortaleza, a visita
à Argentina do secretário de
Acompanhamento Econômico do
Ministério da Fazenda, José Tavares de Araújo, é pragmática e
dá continuidade a entendimentos
recentes com o ministro da Fazenda da Argentina, Roberto Lavagna.
Uma iniciativa desse tipo repercute sobre o exame de fusões e
aquisições que deveria levar em
consideração de forma crescente
os impactos no Mercosul. Um
exemplo recente é o da fusão entre a Antarctica e a Brahma, que
deu origem à AmBev e que teve
efeito não apenas sobre o mercado brasileiro mas também sobre
diferentes mercados do Uruguai,
Paraguai e Argentina.
Chama a atenção, igualmente,
que decisão recente da Comissão
de Defesa da Concorrência da Argentina (o equivalente ao Cade
argentino) tenha se inspirado na
decisão brasileira. Outro exemplo
claro é a fusão Varig/TAM, cuja
estratégia está naturalmente associada ao mercado regional.
Uma rápida inspeção na lista
de casos de fusões e aquisições que
se encontram sob análise no Brasil e na Argentina dá uma idéia
da relevância do tema. Os valores
das operações somam um mínimo de US$ 5 bilhões, sem contar
vários casos em que os números
são confidenciais e por isso não
foram divulgados pela Fazenda.
À medida que os procedimentos
dos dois países forem mais céleres
e uniformes, haverá mais segurança jurídica e previsibilidade e,
portanto, mais investimento para
a região. Isso é particularmente
importante em um momento de
contração das inversões produtivas de longo prazo em âmbito
mundial.
Ações de coordenação das políticas de Brasil e Argentina poderiam ser aceleradas em várias
áreas. Destacam-se entre elas o
desenvolvimento conjunto de
projetos de infra-estrutura que
permitiriam atenuar certos gargalos ao crescimento da região.
Na mesma direção, o fim da
aventura do câmbio fixo na Argentina permite maior harmonia
entre as políticas monetária e
cambial, tornando possível um
esforço de convergência realista
nos próximos anos. Mas haveria
vários outros temas. Até a Copa
Mercosul merecia um relançamento!
Em todos os casos será importante privilegiar a pauta do mundo real. Em vez de discussões infindáveis para chegar a um documento formal que contemple todos os processos dos países da região, convém atacar aquilo que
pode aumentar produção e investimento no Mercosul.
A integração econômica em um
bloco comercial é um processo
longo. A tentativa de queimar
etapas e promover tratados detalhados se mostrou pouco eficaz no
caso do Mercosul. A discussão de
problemas concretos mediante
cooperação sistemática pode ser
um caminho mais eficiente.
Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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