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São Paulo, sábado, 12 de julho de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Mercosul na prática

GESNER OLIVEIRA

Desde sua criação, por meio do Tratado de Assunção, em 1991, o Mercosul carece de ações práticas para a efetiva integração econômica em prol do crescimento. A idéia de desenvolver uma agenda mínima na área de defesa da concorrência entre Brasil e Argentina, divulgada nesta semana pelo Ministério da Fazenda, indica um caminho mais eficiente a ser seguido nessa e em outras áreas do bloco.
Já há um acordo de defesa da concorrência do Mercosul. Trata-se do desconhecido Protocolo de Fortaleza, aprovado em uma madrugada de dezembro de 1996. O texto estabelece com notável minúcia o procedimento que deve ser seguido caso haja um abuso por parte de uma empresa ou um cartel que afete a união aduaneira. Prevê igualmente todos os recursos, incluindo o mecanismo de solução de controvérsias do Protocolo de Brasília. Não surpreendentemente, o protocolo não saiu do papel.
Em contraste com o formalismo do Protocolo de Fortaleza, a visita à Argentina do secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, José Tavares de Araújo, é pragmática e dá continuidade a entendimentos recentes com o ministro da Fazenda da Argentina, Roberto Lavagna.
Uma iniciativa desse tipo repercute sobre o exame de fusões e aquisições que deveria levar em consideração de forma crescente os impactos no Mercosul. Um exemplo recente é o da fusão entre a Antarctica e a Brahma, que deu origem à AmBev e que teve efeito não apenas sobre o mercado brasileiro mas também sobre diferentes mercados do Uruguai, Paraguai e Argentina.
Chama a atenção, igualmente, que decisão recente da Comissão de Defesa da Concorrência da Argentina (o equivalente ao Cade argentino) tenha se inspirado na decisão brasileira. Outro exemplo claro é a fusão Varig/TAM, cuja estratégia está naturalmente associada ao mercado regional.
Uma rápida inspeção na lista de casos de fusões e aquisições que se encontram sob análise no Brasil e na Argentina dá uma idéia da relevância do tema. Os valores das operações somam um mínimo de US$ 5 bilhões, sem contar vários casos em que os números são confidenciais e por isso não foram divulgados pela Fazenda.
À medida que os procedimentos dos dois países forem mais céleres e uniformes, haverá mais segurança jurídica e previsibilidade e, portanto, mais investimento para a região. Isso é particularmente importante em um momento de contração das inversões produtivas de longo prazo em âmbito mundial.
Ações de coordenação das políticas de Brasil e Argentina poderiam ser aceleradas em várias áreas. Destacam-se entre elas o desenvolvimento conjunto de projetos de infra-estrutura que permitiriam atenuar certos gargalos ao crescimento da região. Na mesma direção, o fim da aventura do câmbio fixo na Argentina permite maior harmonia entre as políticas monetária e cambial, tornando possível um esforço de convergência realista nos próximos anos. Mas haveria vários outros temas. Até a Copa Mercosul merecia um relançamento!
Em todos os casos será importante privilegiar a pauta do mundo real. Em vez de discussões infindáveis para chegar a um documento formal que contemple todos os processos dos países da região, convém atacar aquilo que pode aumentar produção e investimento no Mercosul.
A integração econômica em um bloco comercial é um processo longo. A tentativa de queimar etapas e promover tratados detalhados se mostrou pouco eficaz no caso do Mercosul. A discussão de problemas concretos mediante cooperação sistemática pode ser um caminho mais eficiente.


Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br

E-mail - gesner@fgvsp.br


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