São Paulo, domingo, 12 de julho de 2009

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Alta no IPI favorece contrabando de cigarro

Quase metade da produção do Paraguai, uma das principais origens do tabaco ilegal no mundo, termina no Brasil

MARINA WALKER GUEVARA
MABEL REHNFELDT
MARCELO SOARES

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA EM WASHINGTON (EUA), ASSUNÇÃO E SALTO DEL GUAIRÁ (PARAGUAI), SÃO PAULO E GUAÍRA (PR)

Em abril, o governo aumentou em 30% o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) dos cigarros para compensar o corte do imposto sobre os automóveis. Desde então, ficou mais fácil avistar maços de marcas exóticas em São Paulo, quase todos vindos do Paraguai. Vendidos pelos camelôs nas imediações de terminais de ônibus, eles são a ponta de um dos mais lucrativos esquemas do crime organizado na América Latina. Por um ano, o Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo, que reúne repórteres do mundo todo, verificou o contrabando de cigarros em 16 países. Na América do Sul, o foco é a tríplice fronteira, que, segundo autoridades internacionais, vem se tornando um dos principais pontos de comércio ilegal no mundo. A lucratividade é alta. Cada maço, que chega às ruas a R$ 1,20, custa centavos nas fábricas paraguaias. O maço legal mais barato custa R$ 3 no Brasil. Em relatório do primeiro trimestre de 2009, a Souza Cruz aponta que o preço mais alto "elevará ainda mais a atratividade do comércio ilegal". Para a Polícia Federal, o problema cresceu. "De janeiro até agora, com a flutuação do dólar e o aumento do IPI, batemos o recorde de apreensões do ano passado", diz Érico Saconato, titular da Delegacia da PF em Guaíra, na fronteira com o Paraguai. Segundo ele, contrabandear cigarro já é mais lucrativo do que o tráfico de drogas. A maior parte do contrabando passa por Guaíra desde 2006, quando a fiscalização em Foz do Iguaçu foi reforçada. Cigarros, armas, drogas e outros produtos são levados de lancha para os mais de 300 portos clandestinos da região. Guaíra é estratégica por dispor de portos discretos, estradas vicinais e poucos recursos policiais. O contrabando paga muitos moradores. Criminosos dão até R$ 10 por dia por caixa para guardá-las em casas de família. O Brasil é o maior mercado para os contrabandistas. A Receita estima que o país receba até 30 bilhões de cigarros paraguaios por ano -quase a metade da produção do país vizinho em 2006, segundo a ONG Ciet (Centro de Pesquisa da Epidemia do Tabagismo), do Uruguai. O Brasil todo consome, segundo estimativas, 150 bilhões de cigarros por ano. O Paraguai responde por estimados 10% do consumo mundial de tabaco ilegal.

Dinâmica do tráfico
Nascido em Guaíra, o empresário Roque Fabiano Silveira, hoje procurado pela Justiça, fez fortuna com o contrabando de cigarros paraguaios, segundo a polícia. Filho de prefeito, viu seus negócios decolarem no Paraguai. Para o Ministério Público, sua história mostra a dinâmica e o alcance global do contrabando de cigarros paraguaios. A ascensão de Silveira, 44, começou após ele deixar a cidade brasileira, em 1996, acusado de organizar o assassinato de um empresário. Cruzou a fronteira e passou a viver no Paraguai. Em 1999, abriu sua fábrica de cigarros, a Tabacalera Central. Ela se tornou a base de uma rede internacional de contrabando, diz a polícia. Segundo negociantes locais, Silveira compra cigarros de várias fábricas e organiza as entregas no Brasil. No fim de 2006, um ano após ser indiciado nos EUA, Silveira foi indiciado numa das maiores investigações sobre contrabando de cigarros no Brasil. A Operação Bola de Fogo prendeu mais de 90 pessoas em 11 Estados. Segundo o Ministério Público, ele controlava três redes que distribuíam cigarros contrabandeados em diversos Estados. Escapou para o Paraguai. Convocado pela Justiça várias vezes, nunca atendeu. Por meio de seu advogado, recusou pedido de entrevista.

"Não é problema nosso"
A marca mais vendida pelos camelôs de São Paulo é a "Eight", da Tabesa (Tabacalera del Este). Na Operação Bola de Fogo, ela aparece como fornecedora dos cigarros contrabandeados pelas redes de Silveira. Horacio Manuel Cartes, registrado no Paraguai como principal acionista e diretor da Tabesa, começou carreira há duas décadas, distribuindo cigarros. Desde então, adquiriu um banco, um dos maiores times paraguaios de futebol, o Libertad, e vários negócios agrícolas -nenhum em seu nome. José Ortiz, atual presidente da Tabesa, diz não se importar com a venda ilegal de cigarros da empresa nos países vizinhos. "Vendemos nossos produtos no Paraguai e pagamos todos os impostos locais", diz. Segundo ele, a empresa vende apenas a atacadistas paraguaios. "Não sabemos onde nossos cigarros são consumidos. Não é problema nosso." Nos últimos anos, por meio de entidades como a ABCF (Associação Brasileira de Combate à Falsificação), as multinacionais do cigarro vêm colaborando com as autoridades no combate ao contrabando. A máquina que tritura 500 mil maços ilegais por dia na sede da Receita Federal em Foz do Iguaçu foi cedida pela ABCF, que também doou recursos para a reforma do prédio usado pela PF em Guaíra. Para o advogado Fernando Ramazzini, diretor da ABCF, o que mais dificulta essa colaboração é o fato de que a maior parte do cigarro contrabandeado não falsifica marcas brasileiras. "Não dá pra pegar quem faz esses cigarros no Paraguai, porque são produzidos legalmente. O que fazemos é pegar quem falsifica cigarros como o Derby", afirmou.


Reportagem produzida pelo Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo. Leia mais: publicintegrity.org/investigations/tobacco


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