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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Crises financeiras
na periferia
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
No editorial "A periferia
volta à origem", do dia 8 de
julho, esta Folha chama a
atenção para a "variedade
geográfica, política e de estrutura econômica dos países
afetados pelo problema (das
crises financeiras e cambiais).
Diante dessa diversidade de
situações, continua o editorial, "uma teoria geral da crise tornou-se impossível... Há
entre os vários episódios um
traço em comum apenas: todas essas economias, antes de
emergentes, são periféricas".
A ocorrência de crises financeiras e cambiais nos países
periféricos não é um fenômeno novo. Exemplo: o período
situado entre 1880 e a eclosão,
em 1914, da Primeira Grande
Guerra -a belle époque, do
padrão-ouro e do fio de barba- foi pródigo na produção
de episódios dessa natureza.
Eram tão frequentes os ataques desferidos contra as paridades estabelecidas -legal
ou informalmente- entre
moedas fracas e o ouro, quando súbitas e pronunciadas as
quedas de preços dos títulos
de dívida emitidos pelos governos, bancos e empresas localizados em países da periferia ou semi-periferia capitalista. Na semi-periferia estavam incluídos países como a
Rússia, a Itália e o Império
Austro-Húngaro.
A longa e celebrada estabilidade proporcionada pelo padrão-ouro, relatam alguns estudiosos, foi conseguida por
meio da coordenação exercida pela política monetária do
Banco da Inglaterra, induzindo, com eficiência, os fluxos
de capitais de curto prazo a se
movimentarem na direção da
estabilidade financeira e da
defesa das paridades.
Se realmente existiram, desencarnados das elucubrações
de seus teóricos, tais ajustamentos suaves e benfazejos ficaram restritos ao círculo privilegiado dos países centrais e
credores.
Mesmo os Estados Unidos,
uma economia em rápida ascensão, poderoso competidor
nos mercados mundiais de
alimentos, matérias-primas e
manufaturados, eram frequentemente afetados por severas crises financeiras e cambiais, dada a sua posição devedora e à reputação, na melhor das hipóteses duvidosa,
de Nova York como praça financeira internacional.
Colapsos de preços dos títulos e corridas bancárias sucederam-se na posteridade da
Guerra Civil. Os Estados Unidos voltaram ao padrão-ouro
em 1879 e logo depois, em
1894, sofreram as consequências de uma grave crise financeira, o que se repetiria mais
tarde, entre 1893/97.
Em artigo recente, o economista italiano Marcello de
Cecco mostra que há mais semelhança entre o crepúsculo
do século 19 e o ocaso do século 20 do que suspeita a nossa
vã filosofia. Na passagem dos
oitocentos para os novecentos,
o auge do comércio internacional -expresso no crescimento espetacular do volume
e do valor das exportações
mundiais, bem como na diversificação do intercâmbio
de mercadorias e na incorporação de novas áreas- foi
acompanhado de uma impressionante expansão das
transações financeiras. Esse
"novo" florescimento da finança internacional, como
todos os ciclos de crédito, estava primordialmente amparado no crescimento dos negócios do desconto de letras de
câmbio, originárias de compra e venda de mercadorias.
O impulso decisivo para a
espetacular globalização financeira daqueles tempos seria dado, no entanto, pelo
crescente endividamento dos
países da periferia e da semi-periferia do sistema, obrigados a tomar empréstimos
nas praças financeiras mais
importantes com o propósito
de sustentar a conversibilidade de suas pobres moedas,
diante dos problemas recorrentes de balanço de pagamentos, normalmente associados a perdas nas relações
de troca ou a flutuações periódicas no nível de atividades
nos países centrais.
A acumulação de estoques
respeitáveis de dívida externa
naturalmente gerava um contrafluxo, da periferia para o
centro, correspondendo aos
pagamentos dos juros, cuja
periodicidade era fixada contratualmente. Essa circunstância permitia, aos profissionais da arbitragem, a determinação do momento em que
haveria uma concentração de
compras de moeda estrangeira, da parte daqueles países
com dificuldades para cobrir
as necessidades de financiamento de seu balanço de pagamentos.
As nações devedoras e deficitárias estavam, portanto,
condenadas a defender a conversibilidade. Enquanto isso,
os que faziam arbitragem internacional, não raro os mesmos que emprestavam em divisa forte, transformavam-se
em especuladores, tratando de
tomar pesadas posições contra as moedas "fracas", tanto
nos mercados à vista quanto
em operações a termo. O risco
era pequeno, já que o controle
das informações permitia não
só calcular antecipadamente
as necessidades de financiamento dos países periféricos,
como influenciar a "opinião"
dos mercados, que se convenciam da situação de fragilidade dos devedores.
A especulação contra as
moedas dos devedores habituais, na maioria das vezes,
não se fazia diretamente nos
mercados cambiais. Concentravam-se nos mercados de títulos da dívida externa, em
geral nas praças financeiras
em que a dívida da periferia
era avaliada e negociada. As
crises cambiais geralmente
eram desencadeadas por uma
venda em massa dos papéis
"condenados". A queda pronunciada no preço dos títulos
provocava pânico nos detentores "nacionais" da dívida
soberana, que, ao tentar liquidar suas posições, automaticamente "vendiam" a moeda
local. A perspectiva iminente
de desvalorização e provável
declaração de inconversibilidade da moeda sob ataque
precipitavam vendas adicionais da divisa fraca.
Talvez não seja mesmo possível a elaboração de uma
"teoria geral" das crises financeiras e cambiais, mas há uma
profusão de estudos históricos
e teóricos -muitos deles esquecidos ou ignorados- que
permitem algumas conclusões
sobre os problemas cambiais e
financeiros que castigam, de
tempos em tempos, a periferia
do capitalismo.
Não parece haver dúvida de
que a estabilidade cambial e
financeira torna-se um objetivo mais difícil de ser alcançado quando os mecanismos de
ajustamento entre deficitários
e superavitários, devedores e
credores, são entregues aos
critérios e julgamentos dos
mercados financeiros privados e "desregulamentados".
Luiz Gonzaga Belluzzo, 55, é professor
titular de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas). Foi chefe da Secretaria
Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de
São Paulo (governo Quércia).
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