São Paulo, domingo, 12 de julho de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

BANCOS
Ainda não está claro quem terá o controle; preço é considerado alto
Venda do Real para o ABN gera dúvidas no mercado

RICARDO GRINBAUM
VANESSA ADACHI
da Reportagem Local

Quatro dias após o seu anúncio, o negócio entre o banco holandês ABN-Amro e o Real, o maior investimento estrangeiro no sistema financeiro do país, continua cercado de dúvidas.
Na quarta-feira passada, o ABN anunciou no Brasil a compra de 40% das ações com direito a voto da holding que controla o Banco Real e a intenção de adquirir 100% das preferenciais (sem direito a voto).
No mesmo dia, os jornalistas holandeses divulgavam que o negócio incluía, além dos 40%, um acordo com o dono do Real, Aloysio de Andrade Faria, de 78 anos.
Pelo suposto acordo, o banqueiro brasileiro teria assumido o compromisso de vender as ações restantes com direito a voto, para que o ABN assumisse o controle do Real.
A versão no Brasil era mais modesta. Os holandeses seriam minoritários e não haveria previsão de que Faria pudesse abrir mão do controle acionário.
O ABN tem uma explicação para a contradição. "Os jornalistas holandeses não entenderam o que tentamos explicar durante duas horas de entrevista", disse à Folha Jules Prast, porta-voz do banco na Holanda.
A origem da confusão, segundo o banco, estaria no fato de só existirem ações com direito a voto na Holanda.
Por isso, segundo Prast, os jornalistas holandeses teriam entendido que os 100% de preferenciais dariam o controle do banco brasileiro ao ABN no futuro.
Veto
Pode até ter havido confusão, mas existia um bom motivo para que os anúncios fossem diferentes no Brasil e na Holanda.
Em casa, o ABN tinha o desafio de explicar aos seus acionistas que seu maior investimento no exterior daria direito apenas a uma participação minoritária em um banco de um país mais conhecido por seu futebol.
No Brasil, a dificuldade era outra. O Banco Central deixou claro que não aprovaria neste momento a aquisição do controle do quarto maior banco privado brasileiro, considerado saudável.
"Desde o início, o BC orientou o ABN e o Real a fazerem uma parceria estratégica", disse Marcus Vinícius Pratini de Moraes, presidente do conselho do ABN no Brasil.
"O governo permitiu a compra de só 40%. No Brasil, a negociação não é livre", disse Paulo Guilherme Ribeiro, presidente do Banco Real.
Preço alto
O que deu ainda mais margem a especulações foi o preço anunciado para a compra.
Segundo o ABN, estão sendo desembolsados cerca de R$ 2 bilhões pelos 40% das ações ordinárias. Os especialistas acham que é muito dinheiro para pouco controle, mesmo considerando que o banco holandês será o responsável pela administração do Real.
"O ABN comprou uma participação e fez um acordo com os acionistas para assumir a gestão. O que se imagina, pelo tamanho do investimento, é que o controle total acontecerá", disse Lázaro de Mello Brandão, presidente do Bradesco, o maior banco privado brasileiro.
"O valor pago é surpreendente. Eu esperaria que um estrangeiro do porte do ABN, ao fazer esse investimento, deva ter no seu horizonte atingir o controle do banco", disse Roberto Setubal, presidente do Itaú e da Febraban (Federação Brasileira das Associações de Bancos).
ABN e Real argumentam que o preço é justo, mesmo considerando que se trata apenas de 40% do controle.
"É o preço a ser pago pela oportunidade única de entrar no Brasil", disse o presidente do banco holandês no Brasil, Fábio Colletti Barbosa.
"Esse preço pode parecer caro, mas é preciso considerar a penetração que o ABN terá na administração, superior ao que os 40% lhe dariam direito", afirmou Paulo Guilherme Ribeiro.
Conta diferente
Não é o que pensam os analistas. "Por todo o controle esse valor já seria alto", diz Erivelto Rodrigues, diretor da Austin Asis Consultoria Financeira.
Pelas suas contas, o controle total do Banco Real custaria em torno de R$ 1,5 bilhão, mesmo incluindo as outras empresas que vieram no pacote do negócio -duas seguradoras, uma empresa de capitalização, uma companhia de crédito imobiliário, uma distribuidora e uma administradora de fundos.
Na avaliação de Paulo Feldmann, diretor da Ernst & Young, os R$ 2 bilhões pagos por um pedaço do banco indicam um valor total de R$ 5 bilhões para o Real.
O preço pago pelo ABN também é resultado do interesse despertado pelo Real junto à concorrência. Bancos brasileiros procuraram Aloysio Faria para propor negócio, mas quem levou foram os holandeses.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.