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OPINIÃO ECONÔMICA
Combustíveis e risco regulatório
GESNER OLIVEIRA
A discussão desta semana
em torno do preço dos combustíveis expôs algumas das fragilidades regulatórias da economia
brasileira atual. Na ausência de
mecanismos mais eficazes para
inibir aumentos dos preços ao
consumidor, flertou-se com um
acordo em torno da fixação das
margens da revenda e distribuição de combustíveis.
Sabe-se, no entanto, que acertos
dessa natureza têm escassa chance de êxito. Em primeiro lugar, a
falta de informações acuradas
por parte das autoridades sobre a
estrutura de custos das empresas
e a pulverização do setor tornam
a fiscalização praticamente impossível.
Em segundo, a fixação de margens gera distorções ao impor tratamento uniforme a empresas em
situações muito distintas, desestimulando a redução de custos e
melhoria dos serviços. Se a moda
pega, corre-se o risco de reeditar
acordos setoriais promovidos pelo
próprio Estado na melhor tradição do velho Conselho Interministerial de Preços (CIP) e ao arrepio da legislação de defesa da
concorrência.
Tal ceticismo em relação a acordos com postos de gasolina não
implica uma fé cega nas forças do
mercado. Este último apresenta
falhas graves em inúmeros segmentos que exigem correção mediante regulação específica. As regras do jogo não podem, contudo,
estar sujeitas a mudanças súbitas
ao sabor das oscilações de índices
de inflação. Em particular, a política em relação ao setor sucroalcooleiro está a exigir algumas definições de médio prazo que afetam a matriz energética brasileira e devem estar a salvo de comportamentos oportunistas dos setores público ou privado.
Fixada uma regulamentação
adequada, convém permitir que o
mercado funcione, limitando a
ação governamental àqueles casos em que há evidências de infração à ordem econômica. Assim,
por exemplo, os casos de indícios
de formação de cartel em algumas das principais cidades do
país na revenda de combustíveis
deve merecer a devida atenção,
respeitados sempre o sigilo das
averiguações preliminares e o devido processo legal.
Uma rápida inspeção no capítulo sobre as penas da lei 8.884/94
permite concluir que não faltam
sanções à prática de cartel. Esta
última pode acarretar, entre outras punições, multas que chegam
a 30% do faturamento da empresa e a 6 milhões de Ufir no caso de
associações que promovam condutas comerciais uniformes. Administradores que venham a praticar ilícitos antitruste podem ser
multados em até 15% do faturamento da empresa. Tais multas
podem ser dobradas em caso de
reincidência. Uma punição sólida
juridicamente e significativa economicamente é mais eficaz do
que qualquer acordo de preços,
tabelamento ou ameaça de ministro.
O problema reside, contudo, na
dificuldade de implementação da
lei 8.884. A carência crônica de recursos e o excesso de fragmentação dos órgãos de defesa da concorrência (Cade, SDE e Seae,
além das agências regulatórias
setoriais) terminam por comprometer a rápida punição dos cartéis. Um processo administrativo
pode se arrastar por anos sem
efeito prático (a não ser o de aumentar a incerteza para o setor
privado), gerando um sentimento
de frustração e impotência que
talvez explique o ressuscitamento
esporádico de acordos setoriais.
Parece oportuno, portanto, um
esforço de maior coordenação entre os órgãos existentes, procurando eliminar duplicação de tarefas
e simplificar a vida do administrado.
Ressalte-se, igualmente, a boa e
nova idéia veiculada nos últimos
dias de estimular a colaboração
com as autoridades por parte de
membros de eventual cartel. Em
várias jurisdições, como EUA, Canadá e União Européia, a redução ou mesmo eliminação das penas a participantes de cartéis tem
facilitado a investigação e a punição de várias infrações. Segundo
relatório da Comissão Especial do
Departamento de Justiça dos
EUA, só em 1999 o valor das multas teria atingido mais de US$ 1
bilhão, superior à soma dos dez
anos precedentes.
Tais programas de leniência,
como costumam ser chamados,
poderiam constituir aperfeiçoamento à lei 8.884 na esteira de
modificações semelhantes que
vêm sendo discutidas no âmbito
do direito penal. Do ponto de vista econômico, a medida é eficiente, pois aumenta a instabilidade
do cartel ao estimular a delação.
As variações nas condições de
custos e demanda já provocam,
por vezes, a defecção de membros
de cartéis privados. O prêmio pela
colaboração aumenta a probabilidade de punição, reduzindo as
vantagens econômicas da infração.
A economia brasileira passou
por transformações profundas na
última década sem amadurecimento correspondente nos planos
cultural e institucional. Note-se
que as mudanças, como as anunciadas nesta semana, não requerem alterações constitucionais;
em alguns casos, sequer exigem
alterações legais de qualquer natureza, bastando uma mudança
de mentalidade. Urge, portanto,
atacar o risco regulatório que inibe o investimento e a modernização do país.
Gesner Oliveira, 44, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-SP e ex-presidente do Cade.
E-mail - gesner@fgvsp.br
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