São Paulo, domingo, 12 de agosto de 2007

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Planalto tenta evitar batalha jurídica por obras no rio Madeira

Camargo Corrêa questiona pré-acordo entre Odebrecht e governo, que se apressa para construir usinas e amenizar risco de "apagão"

Disputa entre duas grandes empreiteiras nacionais já levou a novo adiamento em leilão de hidrelétrica; Dilma decide assumir processo

MARTA SALOMON
HUMBERTO MEDINA

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Disputa entre duas das maiores empreiteiras nacionais -a Norberto Odebrecht e a Camargo Corrêa- impôs novo atraso ao leilão da hidrelétrica de Santo Antônio, uma das duas usinas do complexo do rio Madeira, em Rondônia.
Após complicado processo para as usinas obterem licença ambiental prévia, concedida no início de julho, o leilão foi previsto para o início de outubro. Com nova data marcada na noite de sexta-feira para 30 de outubro, o leilão deverá ficar para novembro, apurou a Folha.
O empreendimento é um dos mais importantes do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). É também a principal alternativa do governo para evitar crise no abastecimento de energia elétrica a partir de 2012 -quando entrariam em funcionamento as primeiras máquinas de Santo Antônio.
Autora dos estudos de viabilidade econômica e ambiental das hidrelétricas, a Odebrecht fechou previamente parceria com a estatal Furnas (maior empresa do setor elétrico), por meio de um termo de compromisso sigiloso selado há mais de dois anos. Também detém acordo de exclusividade com fornecedoras de equipamentos. Segundo a Camargo Corrêa -também interessada no negócio de cerca de R$ 10 bilhões-, isso desequilibra a competição pela usina.

Batalha jurídica
O temor do governo é que o desentendimento provocado pelo suposto favorecimento à Odebrecht leve o leilão de Santo Antônio a uma longa batalha na Justiça, inviabilizando a conclusão da obra no prazo necessário. Para evitar esse cenário -considerado dramático para a oferta de energia elétrica no país-, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) chamou a si a solução política do imbróglio. Até sexta-feira, as incertezas não haviam sido afastadas.
Segundo o Ministério de Minas e Energia, responsável pelas diretrizes do leilão, o modelo do negócio ainda não está fechado. Não haverá indicações desse modelo na minuta do edital que a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) define nesta terça-feira, para submeter à consulta pública.
Motivo: o governo trabalha ainda para evitar futuros questionamentos na Justiça. Avalia que um atraso de mais um mês no leilão ainda não compromete o projeto. "O objetivo [do leilão] é a total isonomia", disse o ministro interino Nelson Hubner, por meio da assessoria.
A quebra do acordo Furnas-Odebrecht chegou a ser estudada no governo, mas foi descartada por conta do valor elevado da multa que Furnas teria de pagar à Odebrecht.
No horizonte de planejamento do governo, não há alternativa à construção das usinas do Madeira. Sem projetos maduros de hidrelétricas a serem licitados, o governo teria de apelar para fontes mais caras e poluentes, como termelétricas que usam óleo combustível ou diesel. Térmicas a gás dependem do aumento da oferta do produto, hoje escasso. No mais recente leilão de energia, no último dia 27, só foram contratadas termelétricas a óleo. Especialistas e o próprio governo reconheceram a piora na qualidade da oferta de energia.

Disputa
Na tentativa de equilibrar a disputa, a negociação caminha para que outras subsidiárias da holding Eletrobrás possam se aliar ao vencedor do leilão, mas a Camargo Corrêa exige as mesmas condições de Furnas -previamente explicitadas- sobre a taxa de retorno mínimo que o sócio estatal vai exigir.
Nesse caso, o risco para quem entrar sozinho no leilão é não conseguir oferecer a tarifa mais baixa e ficar fora da disputa. A parceria estatal permite ao consórcio admitir taxas de retorno do investimento menores. Pelas regras, vence a disputa quem se propuser a vender a energia pelo menor preço.
O Estado também entraria com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) no negócio. A expectativa é a de que o banco possa vir a financiar de R$ 6 bilhões a R$ 8 bilhões, com cinco anos de carência e 20 anos para pagar, corrigidos pela TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo, 6,25% ao ano), mais um "spread" (ganho do banco) total de aproximadamente 2%.
Além do empréstimo, haveria uma sociedade com o BNDES, por meio da BNDESPar. Nesse caso, o banco ficaria com 20% de participação no patrimônio líquido da empresa, ou o equivalente a cerca de R$ 600 milhões. A sociedade com o BNDES teria data marcada para acabar e estaria condicionada a oferta pública de ações da empresa no médio prazo.

Equipamentos
A Camargo Corrêa quer mais: a suspensão da validade do acordo da concorrente Norberto Odebrecht com fornecedores de equipamentos. Segundo a empreiteira, a opção de importar equipamentos imporia alta de custo do investimento, equivalente a algo entre R$ 8 e R$ 10 por MWh (megawatt-hora) de energia. Questionamento sobre as cláusulas de exclusividade foi levado à Secretaria de Direito Econômico.
Na tentativa de tentar fazer prevalecer seus pontos de vista, representantes das duas empreiteiras já se reuniram com a presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), Elizabeth Farina. Em questão, estão acordos feitos entre a Odebrecht e as empresas Alstom, Voith Siemens e VA Tech (fornecimento de turbina tipo bulbo) e com a Siemens, a ABB e a Areva para outros equipamentos eletromecânicos.
Além das duas empreiteiras, o governo espera a participação de outro grande grupo privado. Em julho, a Suez Energy Brasil anunciou que iria disputar as usinas do Madeira. A multinacional já opera dez usinas no Brasil e é responsável pela construção de duas hidrelétricas: Estreito e São Salvador.
Outro consórcio que poderá participar é o formado pelas empresas Schahin, Alusa, Impsa (argentina), Ctic (chinesa), que contava inicialmente com a empreiteira brasileira Gautama, envolvida nas denúncias da Operação Navalha, da Polícia Federal.


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