São Paulo, quarta-feira, 12 de setembro de 2001

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OPINIÃO ECONÔMICA

O problema externo no Brasil e na Argentina

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Em artigo recentemente publicado na "Revista da Cepal" (agosto de 2001), Roberto Frenkel se mostra convencido de que Brasil e a Argentina se encontram hoje em "trajetórias macroeconômicas insustentáveis, pela tendência explosiva das obrigações da dívida externa". Os dois países são definidos como "altamente endividados" e tendo "como principal problema o refinanciamento das dívidas e o financiamento do déficit de transações correntes determinado pelos serviços de capital (juros e lucros)".
Nessa perspectiva -também presente no debate brasileiro-, teríamos voltado à situação em que nos encontrávamos em 1980 e que se arrastou até que o Plano Brady permitiu o cancelamento de cerca de 30% das obrigações. Diante desse quadro, acrescenta o autor, o mercado "aplica prêmios de risco elevados" -e a economia se mantém prisioneira de uma armadilha financeira.
Apresento no que segue alguns comentários aos argumentos de Frenkel.
Primeiramente, é hoje difícil discordar de que o Brasil -do ponto de vista das suas contas externas- estava rapidamente caminhando em direção à situação descrita por Frenkel. A dívida externa brasileira saltou de 29% do PIB para 43% do PIB entre 1994 e 1998, enquanto as exportações patinavam e o país perdia "market share" por toda a parte -salvo o caso especial do Mercosul.
Não se pode também negar que o mercado financeiro internacional tem tratado o Brasil como membro de um grupo de risco, ao qual vêm sendo aplicados "prêmios" ("spreads") extremamente elevados -dando com isso a entender que em alguma medida compartilha o diagnóstico de Frenkel.
Mas há também contra-argumentos ante a posição até aqui apontada.
Primeiramente, convém verificar se a dívida externa dos dois países é de fato da mesma ordem de grandeza. E a esse propósito é importante advertir que, mesmo tendo em conta as enormes desvalorizações ocorridas no Brasil, a dívida aqui atinge hoje 40% do PIB. Na Argentina -onde o PIB em dólares encontra-se superestimado-, o valor é de 52%. Em outras palavras, se a Argentina, porventura, sofresse uma desvalorização (real) equivalente à aqui verificada, o peso da dívida saltaria para algo como 94% do PIB!
Por outro lado, no caso do Brasil, a dívida externa e o déficit de transações correntes não apenas deixaram de crescer como sofreram alguma redução nominal desde a desvalorização, o que vem sendo acentuado, entre outros, por Octavio de Barros.
Essas duas ponderações não nos levam, contudo, a concluir (como fazem alguns) que o problema brasileiro é meramente conjuntural. Lamentavelmente, estamos de volta a uma difícil situação de balanço de pagamentos. Mas as dificuldades estão centradas no déficit de transações correntes, e não na dívida.
Primeiramente, porque nos últimos três anos os investimentos diretos externos têm financiado integralmente os megassaldos negativos da conta corrente, e isso praticamente desapareceu como possibilidade.
Alem disso, porque a reação à desvalorização tardou a surgir e, quando começou a revelar-se vigorosa, ao longo de 2000, a economia mundial começava a ser derrubada pela desaceleração norte-americana.
Finalmente (e sobretudo) porque, como tem assinalado Pires de Souza, a economia brasileira hoje apresenta um elevado déficit de transações correntes (5% do PIB), sem ter praticamente crescido nos últimos anos. Afinal, elevados saldos correntes negativos são característicos de fim de ciclo expansivo: aqui, porém, o crescimento praticamente não começou!


Antonio Barros de Castro, 58, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.


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