São Paulo, Domingo, 12 de Setembro de 1999
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Apec tenta hoje ampliar a plataforma liberal

CÁTIA LASSALVIA
da Redação

Os países banhados pelo Pacífico devem adotar medidas econômicas liberalizantes na reunião de cúpula que termina amanhã em Auckland, na Nova Zelândia.
Iniciativas nesse sentido, principalmente nos setores de comércio de serviços e agricultura, tendem, no entanto, a ser limitadas.
O mais provável é que surjam acordos bilaterais, em vez de globais, devido à dificuldade de consenso entre os 21 países da Apec (Fórum de Cooperação Econômica da Ásia Pacífico).
Se depender da vontade dos Estados Unidos, o país-membro mais importante da Apec, a pauta de setores a serem liberalizados incluiria também o comércio de produtos industriais.
A representante norte-americana do Comércio, Charlene Barshefsky, sinalizou que os EUA pretendem apoiar a iniciativa de eliminar subsídios agrícolas. "Essa prática cria desordem e atrapalha o setor de muitos países", afirmou Charlene.
Os acordos bilaterais que devem ser fechados até amanhã atendem ao objetivo de aumentar o comércio entre os países da Apec. Mas são insuficientes como preparação para a reunião da OMC (Organização Mundial do Comércio), em novembro.
Se quiser ter voz como bloco econômico na OMC, a Apec precisará nesse encontro, iniciado na quinta-feira, trabalhar numa agenda que traduza o interesse de todos os membros.

Integrar para competir
Os processos de integração regional assumiram desde os anos 80 um papel importante dentro do mundo globalizado. Os países, que vêm abrindo suas economias, estão se aglutinando em associações e blocos regionais.
Os dois fenômenos - globalização e regionalização, contraditórios à primeira vista- são complementares e têm sido adotados simultaneamente pela maior parte dos países ocidentais.
A Apec deve ser entendida dentro deste contexto. São países que têm em comum, além do Oceano Pacífico, a vontade de estabelecer relações comerciais em que todos tenham vantagens. Uma lista de divergências econômicas, políticas e étnicas são o freio que fazem muitos planos não acontecerem.
"Apesar de a Apec ter sido concebida para tratar de assuntos econômicos, os últimos acontecimentos no Timor Leste estarão também em discussão", afirma Alexandre Uehara, doutorando em política internacional pela USP e pesquisador visitante da Universidade de Sophia, em Tóquio. Uehara falou à Folha, do Japão.
Especialista em assuntos asiáticos, Uehara acredita que, além da preocupação humanitária, os países temem que a Indonésia possa vir a sofrer retaliação internacional, afetando sua economia e a dos países vizinhos.
O FMI (Fundo Monetário Internacional) anunciou sexta-feira que suspendeu a continuidade do apoio econômico à Indonésia, qualificando o episódio Timor Leste como um "desastre".
Os países da Apec aprovaram em 1994 uma carta de intenções que pretende transformar o fórum em uma área de livre comércio. O cronograma prevê 2010 como data para os países desenvolvidos e 2020 para o restante dos membros.
Se a Apec se tornar uma área de livre comércio, serão zeradas as tarifas alfandegárias praticadas no intercâmbio comercial entre os países.
Para as nações mais pobres, pertencer a um bloco regional pode lhes dar maior poder de barganha política e acesso mais fácil a produtos importados e tecnologia. Em contrapartida, suas indústrias domésticas terão dificuldade de competir com economias maiores e exportadoras.
Para os países desenvolvidos, o bloco regional poderia representar um cenário maior de influência política e acesso a novos consumidores.
A secretária de Estado norte-americana, Madeleine Albright, deu o tom das negociações na quinta-feira. "A Ásia conseguiu realizar reformas e sobreviver à crise, mas depois acomodou-se e não tem avançado muito", afirmou Albright em seu pronunciamento inicial.
"Um ponto importante da cúpula será votar o apoio à candidatura de alguns países à participação na próxima rodada da OMC, que acontece em novembro", afirma Uehara. China, Taiwan, Rússia e Vietnã não fazem parte da OMC.
Ironicamente, a China, às vésperas dos 50 anos de sua revolução comunista, pleiteia um "socialismo de mercado", capaz de atrair investimentos estrangeiros e ampliar seu fluxo comercial.

Repercussão
O reflexo das decisões da Apec na América do Sul e no Brasil ainda não é claro. Se a Apec conseguir intensificar as relações econômicas de seus países, e com isso alavancar a recuperação asiática, poderão haver benefícios diretos para a América do Sul.
"O Chile era tido como modelo para as economias sul-americanas, mas vem tendo problemas com a diminuição de seu intercâmbio com a Ásia, depois da crise de 97", diz Uehara.
O Chile, que aboliu o sistema de bandas cambiais no início de setembro, deve terminar a reunião com uma relação bilateral de livre comércio acertada com a Coréia do Sul. "Será um acordo muito importante para o Chile e a Coréia", afirmou Eduardo Frei, presidente chileno.

Implementação das medidas
Muito do que acontece nos encontros da Apec faz parte de um "jogo de cena", onde se gastam influência política e milhões de dólares. Uehara afirma que a imprensa asiática estima um orçamento de US$ 23 milhões para o encontro da Nova Zelândia.
As economias envolvidas são responsáveis por cerca de 46% do comércio global.
Na reunião de Kuala Lumpur, na Malásia, em 98, os membros da Apec fracassaram na tentativa de estabelecer um acordo de abertura de mercados e de liberalização voluntária de setores.
As economias da Apec, que representam 55% do Produto Interno Bruto mundial -US$ 16 bilhões-, vão lutar para avançar pelo menos em um ponto. Elas querem uma posição comum pedindo a eliminação dos subsídios agrícolas para a exportação.

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