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OPINIÃO ECONÔMICA
Colando os cacos do Mercosul
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Finalmente Brasil e Argentina resolveram acabar com a
guerrilha verbal e tomar a iniciativa de tentar salvar o Mercosul.
Já não era sem tempo, depois de
várias declarações insanas do ministro da Economia de nosso vizinho, o hoje desmoralizado Domingo Cavallo. As discussões sobre salvaguardas compensatórias
e uma enorme lista de exceções
foram o alto preço pago pelo Brasil para manter a ancora da chamada TEC (Tarifa Externa Comum). As justificativas para esses
remendos precários e grotescos no
casco do Mercosul vieram da crise
internacional que estamos vivendo. Uma mentira oficial que se
presta a salvar as aparências e a
manter o acordo vivo por mais algum tempo.
A crise vivida pelo Mercosul
tem uma explicação estrutural e
não apareceu em razão de questões conjunturais, que estão ocorrendo fora das fronteiras de seus
países-membros. O projeto do
Mercosul foi uma das grandes vitórias da diplomacia brasileira,
que conseguiu romper com um
isolamento entre Brasil e Argentina que durava décadas.
Para que o leitor da Folha tenha uma idéia da paranóia que
influenciava as relações entre
dois vizinhos tão complementares
e próximos culturalmente, cito alguns exemplos. As bitolas das ferrovias dos dois países eram diferentes, para que não houvesse o
risco de que os trens brasileiros
pudessem trafegar na malha argentina e vice-versa. Da mesma
forma, a energia elétrica nos dois
países é gerada em ciclagens diferentes para também impedir uma
integração das redes de transmissão. Da mesma forma o Brasil
não importava trigo e petróleo da
Argentina para prejudicar seu orgulhoso vizinho. A retaliação comercial do outro lado também
era consciente.
No campo político, depois da redemocratização dos dois países,
essas diferenças foram sendo eliminadas de uma forma madura e
hábil. Descobriram-se também
interesses políticos comuns, como
o de trazer o Paraguai para o lado
formal e democrático da região.
Ao mesmo tempo as relações empresariais foram retomadas e descobriu-se o forte caráter complementar das duas economias. Os
interesses comerciais comuns,
principalmente a luta contra o
protecionismo agrícola dos americanos e europeus, foram outra
descoberta fantástica.
Todos esses fatores levaram as
lideranças diplomáticas e empresariais a pensar mais alto e a sonhar com o Mercosul. Esse projeto
ambicioso, nos moldes do Mercado Comum Europeu, tinha a vantagem adicional de fazer um contraponto com o projeto americano para as Américas, a Alca. A
nova escala política e econômica
que os membros do Mercosul alcançariam ao integrar suas economias seria um instrumento de
barganha muito forte quando
viesse o rolo compressor da maior
economia do mundo.
A pergunta que o leitor deve estar fazendo neste ponto é: por que
então o Mercosul está em crise
quase terminal? A resposta é muito simples: porque faltou na estruturação do Mercosul uma das três
pernas que são necessárias para o
sucesso de um arranjo como esse.
Esse elo faltante é chamado de
homogeneização das condições
macroeconômicas. Não foi por
outra razão que a causa da crise
atual tenha sido um dos itens
mais delicados desse elo: a divergência dos regimes cambiais entre
Brasil e Argentina.
O que mais chama a atenção de
um analista isento na crise do
Mercosul é como uma questão
fundamental como essa foi deixada de lado. Bastava um mínimo
de atenção para a história da experiência européia para que os
responsáveis pelo projeto entendessem que essa etapa era, além
de crucial, a mais delicada de todas. No caso do Mercado Comum
Europeu, a homogeneização das
políticas cambiais começou com a
experiência da chamada Serpente
Européia e terminou, muito tempo depois, na implantação gradual da moeda única, o euro. Paralelamente a esse longo processo
de unificação cambial negociou-se, durante muitos anos, a homogeneização das políticas fiscais e
monetárias, o que desaguou no
chamado Tratado de Maastricht.
Nada disso aconteceu na experiência do Cone Sul da América
Latina. Ficamos apenas em declarações vazias e demagógicas
dos ministros ligados às economias dos países-membros do
acordo. Pior ainda, Brasil e Argentina seguiram institucionalidades e políticas cambiais opostas
e excludentes. Nos primeiros anos
do Plano Real, a política cambial
do Brasil mascarou essas diferenças e o problema ficou escondido
debaixo do tapete. Mas, a partir
da efetiva flutuação do real e,
principalmente, depois da fase
terminal da crise Argentina e da
desvalorização galopante de nossa moeda neste ano, a crise estourou com vigor.
Agora não sobra outra alternativa senão tentar colar os cacos
desse projeto ambicioso e implantado com a irresponsabilidade
que infelizmente parece ser a
marca de brasileiros e argentinos.
Peço licença a meus leitores para utilizar este espaço que me resta para uma lembrança a Roberto Campos, que morreu nesta semana. Não vou repetir os comentários que já foram feitos a esse
grande economista e político brasileiro. Quero apenas lembrá-lo
como meu primeiro patrão no Investbanco, banco de investimento
no qual trabalhei entre os anos de
1967 e 1971. Experiência muito rica, pois eu era um engenheiro recém-formado, com militância
ainda muito forte na esquerda radical católica e que via no então
presidente do banco o reacionário
e entreguista Bob Fields. Nesses
cinco anos aprendi muito com
ele. Professor Campos, como ele
era chamado, mesmo conhecendo
meus antecedentes, sempre teve
uma relação muito paternal comigo. Foi trabalhando diretamente com ele que amadureci na
minha profissão, aplanei os excessos socialistas da juventude e
moldei de forma mais densa os
valores social-democratas que
carrego hoje. Bob Fields foi um
dos meus primeiros mestres!
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 58,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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