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OPINIÃO ECONÔMICA
Passando do limite
PAULO RABELLO DE CASTRO
Numa edição eletrônica de
sábado, a imprensa oficial
traz a medida provisória nš 135,
datada de 31 de outubro último.
Em três capítulos volumosos, com
69 artigos, o governo federal mais
uma vez atropela a democracia
ao abusar do recurso excepcional
que lhe confere o artigo 62 da
Constituição Federal, quando
permite ao Poder Executivo vestir
a camisa de outro poder -o Legislativo- para editar, sem consultar ninguém, ordenamentos
considerados de extrema relevância e urgência.
Nada é "relevante e urgente" na
MP 135. Nos seus três capítulos,
um ocioso código tributário é editado, a começar pela elevação em
153% do percentual da Cofins
(Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social). Nos
outros capítulos, a MP versa sobre
IPI, Imposto de Renda, regras
aduaneiras e muito mais que possa pegar "carona" na nova legislação sem Legislativo.
Matéria tributária, por excelência, é do âmbito da cidadania. Só
em tiranias e ditaduras, ou em
monarquias absolutistas do passado remoto, o soberano enfiaria
a mão na bolsa do cidadão sem
pedir licença aos representantes
do próprio povo. O Brasil é hoje
um país machucado em matéria
tributária. Não fosse só por nosso
campeonato mundial em taxação
-pesquisa publicada, dias atrás,
pela consultoria internacional
Deloitte nesta Folha (07/11/03,
pág. B3) confirma que somos os
campeões do mundo em tributar
a produção e a renda das empresas-, o Brasil ainda padece do
mal pior, que é a absoluta insegurança jurídica nesse campo, pelas
práticas autoritárias que nossos
governantes utilizam para resolver seus problemas de caixa.
A elevação da Cofins, de 3% para 7,6% de uma só tacada, embora revestida do racional argumento de eliminar a chamada
"cascata tributária" que taxa cada etapa da produção sem descontar as precedentes, representará um acréscimo brutal de carga
fiscal sobre os elos da produção
que justamente provêm das contribuições do trabalho (salários e
remunerações) e da capacidade
empresarial (lucro). As receitas financeiras das empresas também
serão taxadas, portanto desestimulando a retenção de lucros para futuros investimentos empresariais, logo quando o país mais
necessita de empresários ganhando dinheiro e dispostos a aplicar
esse resultado no próprio negócio.
Um desastre.
Mas, como tudo na vida, até o
mal tem suas compensações. O
atropelamento da cidadania perpetuado pelo governo, no exato
momento em que o Congresso
Nacional se debruça sobre o texto
de "reforma" tributária que o
próprio Executivo lhe enviou para deliberação, desperta em todos
nós, legisladores, empresários,
trabalhadores, acadêmicos, simples cidadãos, o mesmo espírito
que um dia levou o bravo Tiradentes a perder a vida pelo direito
de protestar contra a derrama de
impostos cobrados aos brasileiros
pelo colonizador de então.
Ao passar dos limites, o governo
empurra a paciência dos governados à beira do precipício, onde
o pensamento se aguça e as mentes podem operar além do ócio
dos seus neurônios aposentados.
Ao ultrapassar a fronteira do razoável, o governo começa a esbarrar no muro da cidadania, que
fatalmente o obrigará a buscar
alternativas.
Há alternativas. O equívoco-mor do Executivo não está na nova alíquota de 7,6% da Cofins em
si, dada a sua não-cumulatividade, mas pelo aumento inaceitável
de carga que representará, neste
momento recessivo e de recuo de
resultados empresariais. Com a
arrecadação extra embutida na
nova Cofins, somada ao 1,65% do
PIS, também cobrado sobre o faturamento mensal, o governo
chegará a uma alíquota de
9,25%, ou seja, quase 10% de tudo
o que se fatura neste país. A previsão de arrecadação disso em 2004
passa de R$ 150 bilhões, equivalente ao total dos encargos da
monstruosa dívida pública brasileira neste ano.
Para suportar tal esbulho, o cidadão quer ver compensações já,
não depois, não no ano que vem,
não em 2007 ou além. É para já. E
o governo pode -se quiser-
atender a esse justo protesto dos
órfãos de Tiradentes, por medidas
simples e de alto impacto social e
popular. Com o resultado dos
9,25% da soma da Cofins e do
PIS, o governo poderá simplesmente eliminar (é isso aí, extinguir, mesmo) três contribuições
sociais de uma só vez: a do INSS
(parcela da empresa), a do lucro
líquido (CSLL) e a famigerada
CPMF. Parece mentira, mas dá.
E imagine como seria aí o impacto positivo de anunciar que a
parcela do INSS do empregador
passará a ser recolhida pela nova
Cofins -que é, essencialmente,
destinada mesmo à Seguridade
Social-, permitindo ao empregador reverter parte ou até todo o
recolhimento que antes fazia ao
INSS agora diretamente ao salário do seu empregado, sem custo
extra de mão-de-obra. Seria uma
tremenda injeção de ânimo na
combalida economia. E o efeito
de eliminar a CSLL, tirando mais
esse gravame do lucro e deixando
que o empresário invista esses recursos e gere mais empregos?
E a maravilhosa repercussão de
reduzir ou mesmo extinguir a distorcida CPMF, tal como prometido em campanha política? Tudo
isso está nas mãos do poderoso e
ao seu alcance. De pouco adianta
reunir lideranças civis em torno
de uma mesa para listar sugestões
de um futuro "pacto social", como
vem tentando fazer o esforçado
Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social, se, na prática, nas ocasiões e situações propícias a um grande gesto de reconciliação do Estado para com a cidadania, permanece obliterada a visão maior do grande país que poderemos vir a ser.
Hoje, pedimos licença ao FMI,
mas não pedimos por favor ao
brasileiro que paga a festa.
Passamos do limite. Uma nova
ordem se impõe.
Paulo Rabello de Castro, 54, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail -
rabellodecastro@uol.com.br
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