São Paulo, domingo, 12 de novembro de 2006

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Bolívia e ambientalistas contestam usinas

Cientistas criticam estudo de impacto ambiental e dizem que represas de hidrelétricas em Rondônia ameaçam ecossistemas

Riscos ao ambiente já provocam a reação de ONGs bolivianas, e ministro de Evo Morales diz que governo vai anunciar posição em breve


RAFAEL GARCIA
FABIANO MAISONNAVE
DA REPORTAGEM LOCAL

As usinas hidrelétricas do rio Madeira, promessa de campanha do presidente Lula, podem causar problemas ambientais no Brasil e na Bolívia, onde começa a se intensificar a reação contra o projeto.
A conclusão é de uma série de relatórios encomendados pelo Ministério Público de Rondônia, que pediu a especialistas uma avaliação do estudo de impacto ambiental (EIA) apresentado pelos construtores.
De acordo com os pareceres, obtidos pela Folha, o estudo original precisa ser aprofundado, pois não deixa claro se as usinas de Santo Antônio e Jirau -um projeto de R$ 20 bilhões- conseguirão driblar problemas como perda de florestas, escassez de peixes e colapso de ecossistemas.
"O EIA diz que não ia ter nenhum impacto para a Bolívia, mas deve ter vários", disse à Folha o biólogo Philip Fearnside, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), autor de um dos pareceres entregues aos promotores. O Madeira é o principal rio do país vizinho. "Um argumento usado em favor das usinas é que a área inundada será pequena em relação à capacidade instalada [6.500 MW], mas esse benefício está sendo exagerado."
Fearnside e outros autores afirmam que o modelo usado para prever o padrão de deposição de sedimentos no rio é rudimentar e as áreas alagadas podem acabar sendo maiores. "Haverá impacto na Bolívia porque o ciclo anual de enchente e vazante desce à altitude de 85 metros na junção entre os rios Abunã e Madeira [na fronteira], mas com o lago o nível da água ficará sempre em 90 metros." Segundo ele, uma grande área de vegetação de igapós, que na natureza fica alagada só sazonalmente, acabaria submersa para sempre e morreria.
Outro consultor, Ronaldo Barthem, do Museu Paraense Emílio Goeldi, afirma que o ciclo de reprodução de peixes importantes para a pesca local pode ser afetado pelas turbinas das usinas. "A pressão da água nesses compartimentos é exagerada e pode ser um fator multiplicador da taxa de mortalidade de ovos e alevinos dos peixes migradores", escreve.
Para José Galizia Tundisi, especialista em recursos hídricos, o EIA precisa ser melhorado, "até para não comprometer o futuro funcionamento da usina". Em parecer, diz que questões sobre fluxo de sedimentos no rio e transporte de madeira em corredeiras estão pendentes. "Não sou contra o empreendimento. Sou a favor de análise mais aprofundada."
O Ministério Público de Rondônia está tentando impedir audiências públicas nas quais o Ibama está apresentando o projeto à população local, que considera precipitadas. O Ibama conseguiu, na semana passada, derrubar liminares que suspendiam quatro delas.

Além da fronteira
O projeto brasileiro gerou uma série de críticas na Bolívia e tem ganhado destaque na imprensa local, que pede uma posição do governo Evo Morales.
No início do mês passado, autoridades locais, ambientalistas e sindicalistas se reuniram na cidade de Riberalta, a 80 km da fronteira com o Brasil. O encontro produziu um duro documento contra a construção das represas, assinado por lideranças locais e por ONGs como a Fobomade (Fórum Boliviano de Meio Ambiente e Desenvolvimento), que tem forte influência no governo.
O texto afirma que, se construídas, as represas terão um profundo impacto na Bolívia, como o represamento de rios menores, e diz que o Brasil vem tratando do assunto unilateralmente. Em editorial há duas semanas, o jornal "La Razón" diz que o Brasil vem "ignorando normas para o uso de águas que são de curso internacional".
Anteontem, o ministro boliviano da Água, Abel Mamani, disse à Folha que ainda não tem posição fechada sobre o tema, mas se pronunciará nos próximos dias. "Ainda estamos considerando todos os informes que nos estão chegando."
A principal medida da Bolívia sobre o assunto até agora é um decreto assinado por Eduardo Rodríguez, antecessor de Morales. Ele estabelece que o Estado boliviano não cederá licença ou concessão na bacia do rio Madeira enquanto não houver um estudo oficial sobre os recursos hídricos.


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