São Paulo, quinta, 12 de novembro de 1998

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OPINIÃO ECONÔMICA

Condições para desvalorizar

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Em meio à confusão e a incerteza dos últimos meses, podem estar sendo criadas as condições para uma desvalorização mais expressiva da taxa de câmbio. Algo como 15% a 20%, talvez no início do ano que vem.
Digito essas frases e paro. Vocês vão pensar que eu estou me repetindo muito. Mas (volto a dizer) as idéias fixas são o cimento da nossa precária unidade interior. Depois, há o seguinte: como os problemas centrais não foram resolvidos, uma certa insistência nos mesmos temas é praticamente inevitável. Por isso, paciência.
Fecho o parêntese. Quais são as novidades na área cambial? Primeiro: nas últimas semanas, surgiram sinais de que a turbulência financeira internacional pode começar a se acalmar. Os sinais positivos ainda são frágeis e persiste muita incerteza. Mas, pela primeira vez desde o colapso financeiro da Rússia, o quadro externo parece evoluir para melhor.
Segundo, e mais importante, as indicações são que o ajuste fiscal proposto pelo governo brasileiro, apesar de suas distorções e injustiças, não está enfrentando resistências insuperáveis no Congresso. Pelo andar da carruagem, os parlamentares acabarão aprovando, ainda que com modificações, um pacote suficiente para produzir um aumento significativo no superávit primário do setor público (ajustado para excluir efeitos cíclicos).
Terceiro, a passagem de um pacote fiscal viabiliza o pacote financeiro internacional, coordenado pelo FMI, que aumentará substancialmente a disponibilidade de recursos externos para o Brasil. Os contornos do pacote externo ainda estão indefinidos, mas tudo indica que o montante de empréstimos que estarão disponíveis de imediato ou em prazo curto será bastante expressivo. O suficiente, talvez, para repor grande parte das reservas perdidas pelo Banco Central desde a crise da Rússia.
Note-se que essa reposição de reservas se fará com recursos de fontes multilaterais (FMI, Banco Mundial, BIS e BID) e governamentais (EUA e outros países desenvolvidos), que são, em princípio, mais estáveis do que os capitais de origem privada que fugiram do Brasil nos meses recentes.
Diga-se de passagem que o FMI tem revelado uma certa preferência pela "flexibilidade" cambial. Não imporá, mas também não se oporá, a uma desvalorização mais acentuada do real. Poderá até estimulá-la discretamente.
Por que no início do ano que vem? Por dois motivos, pelo menos. O regime cambial brasileiro prevê correções periódicas da banda larga, cujo teto está atualmente em R$ 1,22 por dólar. Esse é o único compromisso formal do Banco Central em matéria cambial.
Com uma desvalorização mensal de 0,6% ou 0,7%, a taxa de câmbio estará, em pouco tempo, bastante próxima do teto da banda larga, que terá de ser ajustada de qualquer maneira. Pode-se aproveitar a ocasião para alargar a banda cambial e acomodar uma depreciação ou desvalorização expressiva. Dessa maneira, não ficaria caracterizada uma quebra de compromisso por parte do Banco Central, o que contribuiria para diminuir (ou retirar a legitimidade de) queixas de "ruptura das regras do jogo" e argumentos parecidos.
Além disso, haverá forte retração da demanda e da atividade econômica ao longo dos próximos meses. Todos os componentes da demanda (consumo, investimento, gasto público, exportações) estão apontando para baixo.
O consumo, por causa da alta dos juros, do aumento de tributos e do desemprego ou do medo do desemprego. O investimento, por causa dos juros internos, da retração do crédito externo para empresas brasileiras, da queda das vendas e do aumento da carga tributária e da capacidade ociosa. O gasto público, por causa do pacote de contenção fiscal. E as exportações, por causa da desaceleração da demanda externa e da persistência de uma significativa sobrevalorização cambial efetiva. Deve-se considerar ainda que o primeiro trimestre do ano é, de qualquer forma, um período de demanda sazonalmente fraca.
Nessas condições, não há como se apavorar com os efeitos inflacionários da desvalorização. Para que a inflação voltasse, teríamos que ter um colapso cambial de proporções russas ou indonésias.
Com a inflação em queda e até deflação em alguns índices de preços, o risco maior não é o de aumento da inflação, mas sim o de uma recessão profunda, que pode se revelar difícil de inverter. A desvalorização poderia ajudar a afastar esse risco, não apenas porque estimularia a atividade nos setores de exportação e nos que concorrem com importações de bens e serviços, mas sobretudo porque removeria a principal restrição à expansão da demanda interna, que é a tendência estrutural ao desequilíbrio externo produzida pelo Plano Real. Uma desvalorização bem-sucedida diminuiria a desvalorização esperada e o risco cambial, possibilitando a queda das taxas de juro internas.
Na verdade, há muito tempo que o risco de inflação não é o principal argumento contra a desvalorização cambial. O que apavorava (ou ainda apavora) o governo eram os efeitos financeiros da desvalorização. Mas, por motivos que o espaço não permite abordar hoje, esses riscos financeiros também parecem ter diminuído.
Volto ao assunto na semana que vem.


Paulo Nogueira Batista Jr., 43, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas, escreve às quintas-feiras nesta coluna. E-mail: pnbjr@ibm.net



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