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OPINIÃO ECONÔMICA
Condições para desvalorizar
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Em meio à confusão e a incerteza dos últimos meses, podem
estar sendo criadas as condições
para uma desvalorização mais
expressiva da taxa de câmbio.
Algo como 15% a 20%, talvez no
início do ano que vem.
Digito essas frases e paro. Vocês vão pensar que eu estou me
repetindo muito. Mas (volto a
dizer) as idéias fixas são o cimento da nossa precária unidade interior. Depois, há o seguinte: como os problemas centrais
não foram resolvidos, uma certa
insistência nos mesmos temas é
praticamente inevitável. Por isso, paciência.
Fecho o parêntese. Quais são
as novidades na área cambial?
Primeiro: nas últimas semanas,
surgiram sinais de que a turbulência financeira internacional
pode começar a se acalmar. Os
sinais positivos ainda são frágeis e persiste muita incerteza.
Mas, pela primeira vez desde o
colapso financeiro da Rússia, o
quadro externo parece evoluir
para melhor.
Segundo, e mais importante,
as indicações são que o ajuste
fiscal proposto pelo governo
brasileiro, apesar de suas distorções e injustiças, não está enfrentando resistências insuperáveis no Congresso. Pelo andar
da carruagem, os parlamentares acabarão aprovando, ainda
que com modificações, um pacote suficiente para produzir
um aumento significativo no
superávit primário do setor público (ajustado para excluir
efeitos cíclicos).
Terceiro, a passagem de um
pacote fiscal viabiliza o pacote
financeiro internacional, coordenado pelo FMI, que aumentará substancialmente a disponibilidade de recursos externos
para o Brasil. Os contornos do
pacote externo ainda estão indefinidos, mas tudo indica que
o montante de empréstimos que
estarão disponíveis de imediato
ou em prazo curto será bastante
expressivo. O suficiente, talvez,
para repor grande parte das reservas perdidas pelo Banco Central desde a crise da Rússia.
Note-se que essa reposição de
reservas se fará com recursos de
fontes multilaterais (FMI, Banco Mundial, BIS e BID) e governamentais (EUA e outros países
desenvolvidos), que são, em
princípio, mais estáveis do que
os capitais de origem privada
que fugiram do Brasil nos meses
recentes.
Diga-se de passagem que o
FMI tem revelado uma certa
preferência pela "flexibilidade"
cambial. Não imporá, mas também não se oporá, a uma desvalorização mais acentuada do
real. Poderá até estimulá-la discretamente.
Por que no início do ano que
vem? Por dois motivos, pelo menos. O regime cambial brasileiro prevê correções periódicas da
banda larga, cujo teto está
atualmente em R$ 1,22 por dólar. Esse é o único compromisso
formal do Banco Central em
matéria cambial.
Com uma desvalorização
mensal de 0,6% ou 0,7%, a taxa
de câmbio estará, em pouco
tempo, bastante próxima do teto da banda larga, que terá de
ser ajustada de qualquer maneira. Pode-se aproveitar a ocasião para alargar a banda cambial e acomodar uma depreciação ou desvalorização expressiva. Dessa maneira, não ficaria
caracterizada uma quebra de
compromisso por parte do Banco Central, o que contribuiria
para diminuir (ou retirar a legitimidade de) queixas de "ruptura das regras do jogo" e argumentos parecidos.
Além disso, haverá forte retração da demanda e da atividade
econômica ao longo dos próximos meses. Todos os componentes da demanda (consumo, investimento, gasto público, exportações) estão apontando para baixo.
O consumo, por causa da alta
dos juros, do aumento de tributos e do desemprego ou do medo
do desemprego. O investimento,
por causa dos juros internos, da
retração do crédito externo para empresas brasileiras, da queda das vendas e do aumento da
carga tributária e da capacidade ociosa. O gasto público, por
causa do pacote de contenção
fiscal. E as exportações, por causa da desaceleração da demanda externa e da persistência de
uma significativa sobrevalorização cambial efetiva. Deve-se
considerar ainda que o primeiro trimestre do ano é, de qualquer forma, um período de demanda sazonalmente fraca.
Nessas condições, não há como se apavorar com os efeitos
inflacionários da desvalorização. Para que a inflação voltasse, teríamos que ter um colapso
cambial de proporções russas ou
indonésias.
Com a inflação em queda e até
deflação em alguns índices de
preços, o risco maior não é o de
aumento da inflação, mas sim o
de uma recessão profunda, que
pode se revelar difícil de inverter. A desvalorização poderia
ajudar a afastar esse risco, não
apenas porque estimularia a
atividade nos setores de exportação e nos que concorrem com
importações de bens e serviços,
mas sobretudo porque removeria a principal restrição à expansão da demanda interna,
que é a tendência estrutural ao
desequilíbrio externo produzida pelo Plano Real. Uma desvalorização bem-sucedida diminuiria a desvalorização esperada e o risco cambial, possibilitando a queda das taxas de juro
internas.
Na verdade, há muito tempo
que o risco de inflação não é o
principal argumento contra a
desvalorização cambial. O que
apavorava (ou ainda apavora)
o governo eram os efeitos financeiros da desvalorização. Mas,
por motivos que o espaço não
permite abordar hoje, esses riscos financeiros também parecem ter diminuído.
Volto ao assunto na semana
que vem.
Paulo Nogueira Batista Jr., 43, economista e
professor da Fundação Getúlio Vargas, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net
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