São Paulo, quinta, 12 de novembro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

A responsabilidade fiscal

A Lei de Responsabilidade Fiscal poderá se constituir em um marco nas finanças públicas brasileiras, se conseguir eliminar, vez por todas, a mais nefasta das práticas administrativas brasileiras, ao lado da corrupção: a criação de passivos, transferidos de uma administração para outra.
Na emenda constitucional da reforma administrativa, o Congresso estipulou prazo até dezembro próximo para o Executivo enviar lei regulamentando a matéria. A lei ditará normas e princípios gerais de finanças públicas e será complementada por uma lei complementar, que estabelecerá normas para o Orçamento público.
Já existe uma série de normas e leis espalhadas, que serão consolidadas para se atingirem esses fins. Há desde a chamada "lei de ouro", aplicável a qualquer administração pública (operação de crédito não deve custear gasto corrente), a Lei Camata (que estabelece limites de gastos com pessoal) até as competências atribuídas ao Senado, especialmente a que define limites para a dívida consolidada.
Todos esses procedimentos devem ser obedecidos na confecção dos dois documentos orçamentários básicos: o Plano Plurianual (PPA), que define gastos e investimentos da administração durante o triênio, e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que quantifica receitas, despesas, resultado, dívida e patrimônio para cada período.

Ajustes
Há sempre a possibilidade de desvios de rota nas previsões, provocados, por exemplo, por uma recessão prolongada. A Nova Zelândia permite ajustes por meio da adoção de médias móveis.
Também há a necessidade de se preverem mecanismos que identifiquem e permitam a correção do déficit ou da dívida considerados excessivos. A Europa recorre de relatórios até multas. Nos Estados Unidos prevêem-se mecanismos quase lineares de contingenciamento de despesas.
No Brasil, pretende-se utilizar mecanismos obrigatórios, amparados pela Constituição, como a demissão por excesso de pessoal ou as normas para aumentos de benefícios na seguridade social. Pensa-se incluir normas que permitam aumentar as disponibilidades nas transferências constitucionais, sem quebrar a propriedade. No campo das punições, penalidades severas, inclusive de caráter pessoal (da inelegibilidade ao crimes de responsabilidade) aos responsáveis por distorções consideradas excessivas.

Má gestão
Em janeiro, durante o 10º Seminário Regional de Política Fiscal, passou quase despercebida a palestra de Teresa Ter-Minassian, do FMI, sobre administração da dívida pública.
Vício básico -comentado na coluna "Independência para o Tesouro"- é a vinculação da dívida pública à política monetária, ambas administradas pelo BC. Como toda a dívida pública é atrelada à política de juros do BC, papéis de longo prazo do Tesouro passaram a ser remunerados de acordo com as taxas de curto prazo praticadas pelo BC.
Teresa recomenda expressamente a constituição de um escritório especial, que venha a administrar a dívida pública, com técnicos de alto nível independentes do Ministério da Fazenda. Já seguiram essa direção Áustria, Irlanda, Nova Zelândia, Suécia e Portugal.
Em relação à contratação de dívida externa, as opiniões da técnica do FMI são taxativas:
* O recurso exagerado à dívida externa pode aumentar substancialmente a vulnerabilidade do país, a menos que a acumulação da dívida se reflita numa acumulação equivalente de reservas internacionais, e ainda assim há custos envolvidos, pois, em geral, a taxa de retorno das reservas é menor que o custo da dívida.
* É especialmente importante evitar a concentração de amortizações, o que, por si só, pode levantar preocupações nos mercados internacionais e criar dificuldades no refinanciamento das dívidas.
Quando confrontados com esses temas, diretores do BC sempre sustentaram que era um falso dilema, porque as dívidas eram privadas, não públicas. Acontece que o pagamento se faz com dólares, que constam das reservas do BC. A consequência óbvia foi a fuga de dólares, levando o BC a estatizar imediatamente a dívida externa, por meio da negociação desse empréstimo-ponte com o FMI.
* O recurso exagerado à emissão de dívida interna com variação cambial é visto como sintoma da falta de confiança dos mercados na sustentação da política cambial do país, que se manifesta em uma procura por altos prêmios sobre a dívida denominada em moeda local. Nesses casos, frequentemente o custo "ex post" da dívida, em seguida à inevitável desvalorização cambial, excede em muito o custo que teria sido pago sobre a dívida se tivesse sido emitida sem garantia cambial.

Clube do atraso
Depois de classificar indistintamente todos os críticos das políticas monetária e cambial de "coalizão do atraso", o ex- ministro Mailson da Nóbrega começa a admitir que pode haver lógica nas colocações de alguns dos "atrasados".
Mas, como as afirmações de Mailson são sempre precedidas de muita análise, e dado o tom extremamente taxativo de suas colocações, não se espera que ele vá mudar de opinião nos próximos meses.

E-mail:lnassif@uol.com.br



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.