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São Paulo, sexta-feira, 12 de dezembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Um olhar para a Índia

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Confesso que senti uma ponta de inveja ao terminar a leitura de uma matéria sobre a economia da Índia no último número da revista "Business Week". Considerada como uma das experiências de maior sucesso na modernização de uma economia emergente, a história dos últimos nove anos no país de Ghandi e Nehru deve servir de inspiração para nós, brasileiros. Entre 1993 e 2003, o PIB cresceu, em média, 6,1% ao ano, podendo atingir 7% em 2004. Nesse mesmo período, a indústria expandiu-se, em média, 6,6% ao ano; o setor de serviços, 7,7% ao ano; e a agricultura, ainda o calcanhar-de-aquiles do país, 3% ao ano.
Suas condições macroeconômicas nesse período guardam poucas semelhanças e muitas diferenças, para pior, com as de nosso país. Inflação anual da ordem de 6%, déficit fiscal nominal de 10% do PIB e déficit primário de 3% do PIB. A dívida pública total representa, hoje, 77% do PIB -os Estados são responsáveis por mais de um terço desse total-, e os juros consomem 6,4% do PIB a cada ano. O déficit em transações correntes é da ordem de 1,5% do PIB. Para os padrões do malanismo renovado, certamente uma situação muito pior do que a que temos no Brasil.
Uma primeira grande diferença entre o caminho seguido por nosso país e o do novo gigante asiático foi a estratégia de abertura de sua economia. O Brasil seguiu os conselhos do chamado Consenso de Washington, promovendo uma abertura generalizada e rápida de nossas fronteiras comerciais e financeiras. Já a Índia seguiu as trilhas de outros países asiáticos e manteve a abertura sob controle e distribuída ao longo desses dez anos.
A Índia não caiu no canto das sereias da abertura financeira indiscriminada e evitou a dolarização de seus mercados de crédito e de capitais. Manteve a taxa de câmbio administrada e usou controles administrativos para regular a oferta de crédito doméstico. Com isso, evitou que os juros internos ficassem ao sabor das flutuações de humor dos investidores externos.
Protegeu sua indústria e foi pouco a pouco liberalizando o comércio externo com um olho na modernização e outro no processo de adaptação gradativa da ineficiente estrutura produtiva do país. Um exercício de paciência e disciplina que diminuiu de maneira expressiva os custos dessa modernização, reduzindo assim as resistências naturais ao processo de abertura. Hoje, com expressiva parcela da população sentindo nos bolsos as vantagens da integração ao mundo global, o governo pode acelerar a velocidade das mudanças.
Outro resultado extraordinário desse caminho menos radical de mudanças é o nível reduzido da chamada carga fiscal. O total de impostos e taxas arrecadados no ano fiscal de 2003/4 não chega a 19% do PIB, apesar de uma relação dívida-PIB maior do que a nossa. Um verdadeiro nirvana na Terra, dirão nossos empresários e consumidores.
Finalmente, mesmo o leitor mais desatento percebe da leitura da "Business Week" outra grande diferença entre as duas sociedades: a educação. Os indianos herdaram de seus colonizadores ingleses um sistema de educação avançado e tiveram o bom senso de modernizá-lo ao longo do tempo. Não conheço o caminho trilhado até hoje, mas fica claro que a concentração de escolas especializadas em ciências exatas e em engenharia facilitou muito o desenvolvimento indiano nos últimos anos.
A revista mostra que, na região de Bangalore, existem mais engenheiros de tecnologia da informação (150 mil) do que no famoso Silicon Valley, na Califórnia (EUA). A GE tem hoje seus maiores laboratórios de pesquisas na Índia, onde um engenheiro qualificado ganha um décimo do salário pago pela empresa nos Estados Unidos.
Dois ensinamentos podem ser tirados da comparação entre o caminho trilhado pelo Brasil -e podemos adicionar o da Argentina e o do México- e o seguido pela Índia. O primeiro é a importância da educação no desenvolvimento de uma economia emergente neste início de século. O Brasil precisa eleger esse campo como prioritário e executar um ambicioso programa que leve, em futuro não tão distante, ao aumento da qualificação profissional do trabalhador brasileiro.
O segundo mostra que existe um caminho alternativo ao que escolhemos dez anos atrás e que pode nos conduzir a um período de crescimento sustentado, com estabilidade da moeda e sem os custos que incorremos até agora.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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