|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Um olhar para a Índia
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Confesso que senti uma
ponta de inveja ao terminar
a leitura de uma matéria sobre a
economia da Índia no último número da revista "Business Week".
Considerada como uma das experiências de maior sucesso na modernização de uma economia
emergente, a história dos últimos
nove anos no país de Ghandi e
Nehru deve servir de inspiração
para nós, brasileiros. Entre 1993 e
2003, o PIB cresceu, em média,
6,1% ao ano, podendo atingir 7%
em 2004. Nesse mesmo período, a
indústria expandiu-se, em média,
6,6% ao ano; o setor de serviços,
7,7% ao ano; e a agricultura, ainda o calcanhar-de-aquiles do
país, 3% ao ano.
Suas condições macroeconômicas nesse período guardam poucas semelhanças e muitas diferenças, para pior, com as de nosso
país. Inflação anual da ordem de
6%, déficit fiscal nominal de 10%
do PIB e déficit primário de 3%
do PIB. A dívida pública total representa, hoje, 77% do PIB -os
Estados são responsáveis por
mais de um terço desse total-, e
os juros consomem 6,4% do PIB a
cada ano. O déficit em transações
correntes é da ordem de 1,5% do
PIB. Para os padrões do malanismo renovado, certamente uma situação muito pior do que a que
temos no Brasil.
Uma primeira grande diferença
entre o caminho seguido por nosso país e o do novo gigante asiático foi a estratégia de abertura de
sua economia. O Brasil seguiu os
conselhos do chamado Consenso
de Washington, promovendo
uma abertura generalizada e rápida de nossas fronteiras comerciais e financeiras. Já a Índia seguiu as trilhas de outros países
asiáticos e manteve a abertura
sob controle e distribuída ao longo desses dez anos.
A Índia não caiu no canto das
sereias da abertura financeira indiscriminada e evitou a dolarização de seus mercados de crédito e
de capitais. Manteve a taxa de
câmbio administrada e usou controles administrativos para regular a oferta de crédito doméstico.
Com isso, evitou que os juros internos ficassem ao sabor das flutuações de humor dos investidores externos.
Protegeu sua indústria e foi
pouco a pouco liberalizando o comércio externo com um olho na
modernização e outro no processo de adaptação gradativa da
ineficiente estrutura produtiva do
país. Um exercício de paciência e
disciplina que diminuiu de maneira expressiva os custos dessa
modernização, reduzindo assim
as resistências naturais ao processo de abertura. Hoje, com expressiva parcela da população sentindo nos bolsos as vantagens da integração ao mundo global, o governo pode acelerar a velocidade
das mudanças.
Outro resultado extraordinário
desse caminho menos radical de
mudanças é o nível reduzido da
chamada carga fiscal. O total de
impostos e taxas arrecadados no
ano fiscal de 2003/4 não chega a
19% do PIB, apesar de uma relação dívida-PIB maior do que a
nossa. Um verdadeiro nirvana na
Terra, dirão nossos empresários e
consumidores.
Finalmente, mesmo o leitor
mais desatento percebe da leitura
da "Business Week" outra grande
diferença entre as duas sociedades: a educação. Os indianos herdaram de seus colonizadores ingleses um sistema de educação
avançado e tiveram o bom senso
de modernizá-lo ao longo do tempo. Não conheço o caminho trilhado até hoje, mas fica claro que
a concentração de escolas especializadas em ciências exatas e
em engenharia facilitou muito o
desenvolvimento indiano nos últimos anos.
A revista mostra que, na região
de Bangalore, existem mais engenheiros de tecnologia da informação (150 mil) do que no famoso
Silicon Valley, na Califórnia
(EUA). A GE tem hoje seus maiores laboratórios de pesquisas na
Índia, onde um engenheiro qualificado ganha um décimo do salário pago pela empresa nos Estados Unidos.
Dois ensinamentos podem ser
tirados da comparação entre o
caminho trilhado pelo Brasil -e
podemos adicionar o da Argentina e o do México- e o seguido
pela Índia. O primeiro é a importância da educação no desenvolvimento de uma economia emergente neste início de século. O
Brasil precisa eleger esse campo
como prioritário e executar um
ambicioso programa que leve, em
futuro não tão distante, ao aumento da qualificação profissional do trabalhador brasileiro.
O segundo mostra que existe
um caminho alternativo ao que
escolhemos dez anos atrás e que
pode nos conduzir a um período
de crescimento sustentado, com
estabilidade da moeda e sem os
custos que incorremos até agora.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
Texto Anterior: Governo dá continuidade a plano anterior Próximo Texto: Luís Nassif: A liberalização cambial Índice
|