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São Paulo, sexta-feira, 12 de dezembro de 2003

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LUÍS NASSIF

A liberalização cambial

A tal "faxina" na área cambial, com simplificação da legislação do câmbio, proposta por alguns economistas, deve ser melhor analisada antes de se avançar na matéria. Uma coisa é a desburocratização das normas cambiais, inclusive permitindo maiores facilidades operacionais para as empresas no seu dia-a-dia. Outra coisa é permitir o livre fluxo de capitais.
A campanha vem sendo liderada impropriamente pelo diretor da Área Internacional do Banco Central, Alexandre Schwartzman, que, ao emiti-la, atropelou princípios básicos de atuação de uma autoridade monetária. Autônoma ou não, autoridade monetária não emite opinião exploratória sobre assuntos monetários ou cambiais, porque sua opinião tem peso próprio e não pode ser veiculada como idéia acadêmica. Ou há consenso no governo sobre determina linha, e essa é então exposta, ou a autoridade monetária não fala sobre ela.
Pai do Plano Real, Pérsio Arida tornou-se o maior ideólogo dessa tese da abertura cambial. Sua visão é a de que, com a plena conversibilidade, haveria redução do risco Brasil -já que os dólares poderiam entrar e sair livremente- com reflexos sobre as taxas internas de juros e sobre o capital externo. Não haveria necessidade de hedge (proteção cambial) em momentos de pânico, como ocorreu no ano passado, porque as empresas disporiam de contas em dólares.
Não se trata de ser contra liberalizações. Trata-se de avaliar com precisão todos os seus desdobramentos, algo não feito no Plano Real, que, com sua fórmula de abertura financeira e apreciação cambial, produziu um desastre que fez o Brasil perder completamente o bonde desse novo ciclo de desenvolvimento dos países-baleia.
A liberalização pode evitar momentos de ansiedade, como os do ano passado. Mas qual seu impacto sobre a exportação de capitais? Lembre-se que a liberalização das contas CC5, editada por Gustavo Franco, causou uma enorme fuga de capitais, de mais de US$ 130 bilhões no período.
O consultor André Araújo envia e-mail com considerações sobre o tema. "A legislação cambial, que começou em 1921, não nasceu por diletantismo do governo. Ela existiu e existe para proteger as reservas do país. Não é por outra razão que o economista Barry Eichengreen, da Universidade da Califórnia em Berkeley, participante desse mesmo seminário da BM&F onde essas idéias circularam, foi contra a liberação do câmbio e demonstrou que circunstâncias de vulnerabilidade não permitem essa abertura irrestrita", escreve ele.
"Todos os países, mesmo os mais liberais na área financeira, têm legislação cambial minuciosa. Não se entra ou sai com grandes somas nos Estados Unidos ou na Inglaterra sem fiscalização. Essa liberdade absoluta que esses amigos do capital volátil querem só existe nas Ilhas Cayman e nas Bahamas, é coisa de país suspeito", continua.
De seu lado, a proposta de Arida é estabelecer um horizonte longo de implementação e um conjunto de precondições para que a meta seja alcançada.
É uma discussão que está se iniciando. Espera-se que caminhe sem simplificações.

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Luisnassif@uol.com.br


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