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OPINIÃO ECONÔMICA
Um superávit primário
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
O governo Lula parece por
enquanto disposto a prestar
todas as homenagens possíveis à
sabedoria convencional dos mercados. A nova meta para o superávit primário do setor público, a
ser alcançada basicamente por
meio de cortes (draconianos, em
alguns casos) nos orçamentos dos
ministérios, faz parte desse esforço de conquista da confiança dos
investidores e das instituições financeiras internacionais e locais.
É compreensível a preocupação
de tranquilizar os mercados financeiros. Não é fácil administrar a herança econômica deixada pelo inepto governo Fernando
Henrique Cardoso. E não há dúvida de que é essencial assegurar
a disciplina fiscal, manter a inflação sob controle e realizar as reformas tributária e previdenciária.
Tudo isso é verdadeiro e até trivial. Mas é importante não exagerar a importância dessas medidas, não subestimar os seus custos
nem sobrevalorizar os impactos
positivos que podem produzir.
Com a economia estagnada ou
crescendo em ritmo modesto, alcançar um superávit primário de
3,75% do PIB, a meta anterior do
acordo com o FMI, já exigiria esforço bastante considerável. A estagnação econômica e o crescimento do desemprego dificultam
a ampliação da arrecadação tributária e aumentam automaticamente certos tipos de gasto público, como o seguro-desemprego e
outras despesas de assistência social. O cumprimento da nova meta, 4,25% do PIB, será tão mais
difícil quanto menor for o crescimento da economia brasileira em
2003. Os cortes de gastos públicos
irão, inclusive, obstruir a recuperação da demanda agregada e do
nível de atividade econômica.
A decisão do governo de realizar um esforço fiscal ainda maior
em 2003 prejudicará inevitavelmente o custeio da máquina pública e as condições de operação,
já bastante avariadas, de órgãos
vitais da administração. Afetará,
também, os investimentos públicos, já insuficientes, prejudicando
a recuperação de certa áreas cruciais (a infra-estrutura de energia
e transportes, por exemplo) e danificando o funcionamento da
economia e a sua competitividade internacional. Será difícil, talvez impossível, conciliar o aumento do superávit primário com
as metas sociais que estão no cerne dos planos do novo governo.
Os sacrifícios são grandes; os benefícios, pequenos. Aumentar o
superávit primário para 4,25% do
PIB não modificará de maneira
fundamental a situação das contas públicas e o quadro macroeconômico. Os efeitos favoráveis de
um superávit mais alto sobre a relação dívida/PIB e sobre as expectativas dos agentes econômicos
podem ser facilmente anulados
por aumentos acentuados da taxa de juro e, sobretudo, da taxa
de câmbio (dada a dimensão da
dívida externa pública e, especialmente, das obrigações públicas
internas vinculadas à taxa cambial).
Também não se devem alimentar ilusões quanto ao impacto das
reformas tributária e previdenciária sobre as contas do governo.
Elas são necessárias sob vários
pontos de vista: a previdenciária,
para garantir a solvência de longo prazo do sistema; a tributária,
para melhorar a qualidade dos
impostos, favorecer a competitividade sistêmica da economia e tornar o sistema tributário mais justo.
Mas é preciso reconhecer que essas reformas, embora politicamente muito custosas, terão impacto fiscal limitado, sobretudo
no curto e médio prazos. Dependendo do seu formato, a reforma
previdenciária pode ter, de início,
impacto fiscal negativo para a
União, os Estados e os municípios. Se for muito rápida e abrangente, a reforma tributária terá
efeitos imprevisíveis sobre o nível
de arrecadação e também poderá
levar a perdas de receita. Seja como for, depois do grande aumento da carga tributária verificado
no período Fernando Henrique
Cardoso, não passa pela cabeça
de ninguém que a reforma tributária do governo Lula possa ter
como objetivo aumentar ainda
mais o peso dos tributos.
Tenho consciência, leitor, de
que o que escrevi hoje é, em parte,
uma homenagem algo primária
ao Conselheiro Acácio, aquele
personagem do Eça que tinha por
hábito proclamar o óbvio com requintes de erudição. Afinal, a estratégia inicial do governo Lula
não é fundamentalmente diferente da que foi longamente testada,
sem grandes resultados, pelo governo FHC.
Mas, enfim, poucos sabem que o
Conselheiro também se ocupava
de economia, tendo composto a
obra: "Elementos Genéricos da
Ciência da Riqueza e a sua Distribuição, Segundo os Melhores Autores".
Estamos em boa companhia.
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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