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São Paulo, quinta-feira, 13 de fevereiro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Um superávit primário

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O governo Lula parece por enquanto disposto a prestar todas as homenagens possíveis à sabedoria convencional dos mercados. A nova meta para o superávit primário do setor público, a ser alcançada basicamente por meio de cortes (draconianos, em alguns casos) nos orçamentos dos ministérios, faz parte desse esforço de conquista da confiança dos investidores e das instituições financeiras internacionais e locais.
É compreensível a preocupação de tranquilizar os mercados financeiros. Não é fácil administrar a herança econômica deixada pelo inepto governo Fernando Henrique Cardoso. E não há dúvida de que é essencial assegurar a disciplina fiscal, manter a inflação sob controle e realizar as reformas tributária e previdenciária.
Tudo isso é verdadeiro e até trivial. Mas é importante não exagerar a importância dessas medidas, não subestimar os seus custos nem sobrevalorizar os impactos positivos que podem produzir.
Com a economia estagnada ou crescendo em ritmo modesto, alcançar um superávit primário de 3,75% do PIB, a meta anterior do acordo com o FMI, já exigiria esforço bastante considerável. A estagnação econômica e o crescimento do desemprego dificultam a ampliação da arrecadação tributária e aumentam automaticamente certos tipos de gasto público, como o seguro-desemprego e outras despesas de assistência social. O cumprimento da nova meta, 4,25% do PIB, será tão mais difícil quanto menor for o crescimento da economia brasileira em 2003. Os cortes de gastos públicos irão, inclusive, obstruir a recuperação da demanda agregada e do nível de atividade econômica.
A decisão do governo de realizar um esforço fiscal ainda maior em 2003 prejudicará inevitavelmente o custeio da máquina pública e as condições de operação, já bastante avariadas, de órgãos vitais da administração. Afetará, também, os investimentos públicos, já insuficientes, prejudicando a recuperação de certa áreas cruciais (a infra-estrutura de energia e transportes, por exemplo) e danificando o funcionamento da economia e a sua competitividade internacional. Será difícil, talvez impossível, conciliar o aumento do superávit primário com as metas sociais que estão no cerne dos planos do novo governo.
Os sacrifícios são grandes; os benefícios, pequenos. Aumentar o superávit primário para 4,25% do PIB não modificará de maneira fundamental a situação das contas públicas e o quadro macroeconômico. Os efeitos favoráveis de um superávit mais alto sobre a relação dívida/PIB e sobre as expectativas dos agentes econômicos podem ser facilmente anulados por aumentos acentuados da taxa de juro e, sobretudo, da taxa de câmbio (dada a dimensão da dívida externa pública e, especialmente, das obrigações públicas internas vinculadas à taxa cambial).
Também não se devem alimentar ilusões quanto ao impacto das reformas tributária e previdenciária sobre as contas do governo. Elas são necessárias sob vários pontos de vista: a previdenciária, para garantir a solvência de longo prazo do sistema; a tributária, para melhorar a qualidade dos impostos, favorecer a competitividade sistêmica da economia e tornar o sistema tributário mais justo.
Mas é preciso reconhecer que essas reformas, embora politicamente muito custosas, terão impacto fiscal limitado, sobretudo no curto e médio prazos. Dependendo do seu formato, a reforma previdenciária pode ter, de início, impacto fiscal negativo para a União, os Estados e os municípios. Se for muito rápida e abrangente, a reforma tributária terá efeitos imprevisíveis sobre o nível de arrecadação e também poderá levar a perdas de receita. Seja como for, depois do grande aumento da carga tributária verificado no período Fernando Henrique Cardoso, não passa pela cabeça de ninguém que a reforma tributária do governo Lula possa ter como objetivo aumentar ainda mais o peso dos tributos.
Tenho consciência, leitor, de que o que escrevi hoje é, em parte, uma homenagem algo primária ao Conselheiro Acácio, aquele personagem do Eça que tinha por hábito proclamar o óbvio com requintes de erudição. Afinal, a estratégia inicial do governo Lula não é fundamentalmente diferente da que foi longamente testada, sem grandes resultados, pelo governo FHC.
Mas, enfim, poucos sabem que o Conselheiro também se ocupava de economia, tendo composto a obra: "Elementos Genéricos da Ciência da Riqueza e a sua Distribuição, Segundo os Melhores Autores".
Estamos em boa companhia.


Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).

E-mail - pnbjr@attglobal.net


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