São Paulo, sexta-feira, 13 de fevereiro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Uma camisa-de-força

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Volto à questão da inflação! Os dados mais recentes mostram que a última ata do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) foi uma farsa. Sabemos hoje que a linguagem dura utilizada tinha como objetivo reduzir o entusiasmo do governo Lula com a queda da taxa de juros. Seu alvo era o público interno, em um claro exemplo do que se chama em linguagem bélica de "fogo amigo". O BC queria mostrar que ainda é muito cedo para cantar vitória sobre a inflação e que não aceita colocar a política monetária a reboque da busca do crescimento.
Entendo que o Copom tenha optado por interromper a queda de juros por um ou dois meses para ver como se comportam os principais índices de inflação neste início de ano. Não concordo, mas reconheço que existe uma diferença de responsabilidade entre os que estão dando palpite e aqueles que são responsáveis pela política monetária de um país. Portanto, se essa tivesse sido a mensagem do Copom, nada a declarar. Mas confundir aumentos sazonais e pressões localizadas por conta de setores influenciados por condições externas com uma mudança na qualidade do fenômeno da inflação é uma agressão contra a teoria econômica.
Inflação é um processo continuado de aumento de preços, alimentado por canais que transmitem para todo o tecido econômico elevações pontuais em setores pressionados por demanda ou choques de oferta. Para que isso ocorra, é necessário que esses canais, normalmente emissão de moeda e expansão do crédito e aumentos salariais, estejam ativos na economia. Se isso não ocorre, e esse é o caso do Brasil hoje, o aumento de determinados preços, em razão de condições particulares no equilíbrio entre oferta e demanda, não gera inflação, mas apenas uma mudança nos preços relativos e na distribuição de renda na economia.
Tomemos como exemplo o que está ocorrendo nos EUA hoje. A desvalorização do dólar e a elevação dos preços dos derivados do petróleo, dos serviços médicos e de produtos intermediários como o aço estão provocando aumento nos índices inflacionários não-expurgados. O Fed, apesar disso, mantém inalterada sua política monetária, na medida em que os canais de renda do trabalho e do emprego não estão ativos neste momento. Também não ocorre nenhum gargalo de produção importante, na medida em que há uma ampla capacidade ociosa na economia.
O problema que enfrentamos no Brasil não está sendo criado por um processo de aumento dos preços neste início do ano, mas sim pelo sistema "burro" de metas de inflação que foi implantado em 1999. Na crise externa que vivíamos e com o abandono da âncora cambial que vigorava desde 1995, foi necessário criar imediatamente uma âncora monetária para acalmar os mercados. Na verdade, a flutuação do real foi uma cirurgia a céu aberto e, portanto, realizada com todos os riscos e dificuldades que caracterizam essa operação.
O governo foi obrigado, então, a definir um sistema de metas inflacionárias rígido e sem nenhuma qualificação. A razão principal dessa rigidez foi a impossibilidade de convencer os mercados, naqueles momentos de grande crise de confiança, a aceitar um sistema flexível e que permitisse acomodar pressões de preços em situações particulares. Compreendo essa decisão naquele momento agudo, mas não entendo por que ele não foi corrigido depois que as coisas acalmaram.
Está claro que metas de inflação que seguem o calendário civil em uma economia que não trabalha com índices de preços dessazonalizados geram tensões constantes. Estamos vivendo uma delas neste momento, agravada pelo extraordinário crescimento de nossas exportações e pela criação de gargalos importantes de produção em setores sensíveis. A única forma de atender o valor central da meta inflacionária fixada para 2004 nessas condições será aumentar a perda de renda do consumidor e aprofundar a recessão nos setores ligados ao consumo interno. Em outras palavras, reduzir a absorção interna de automóveis e outros bens de consumo duráveis e não-duráveis para equilibrar o volume de produção de aço e outros produtos desviados para o mercado externo.
Esse será certamente o efeito de um Banco Central que não acomoda as pressões de preços que estão acontecendo. Os índices de produção industrial em dezembro apontam para a interrupção do crescimento da indústria, que vinha ocorrendo depois de agosto do ano passado. Vamos esperar as informações sobre o mês de janeiro para medir o estrago já feito pelo Banco Central nessa sua busca impossível de uma inflação rígida de 5% neste segundo ano de mandato do presidente Lula.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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