São Paulo, Sábado, 13 de Fevereiro de 1999
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LUíS NASSIF

Os intelectuais da mídia

Não há nada mais mistificador na sociedade contemporânea que os chamados "intelectuais da mídia". São pessoas, em geral, sem mérito acadêmico, cujas idéias não são acatadas em ambientes especializados, mas que ganham força graças ao espaço que lhes é conferido na mídia.
Físicos e psicólogos nos anos 70, advogados nos anos 80, médicos nos anos 90, economistas nos anos 80 e 90, o padrão do "intelectual da mídia" é sempre o mesmo. Ele tem que garantir uma boa manchete sem riscos. Portanto não pode ser um inquiridor notável, um questionador que traga novos ângulos à discussão ou mesmo um sólido intelectual que, com bom senso, desmistifique o glamour de determinado tema.
Abre-se espaço apenas para os formuladores de slogans que o jornalista aceita com tranquilidade porque sabe que essa mesma declaração foi publicada ontem, antes de ontem, na semana passada, não trazendo nenhuma novidade, mas não implicando nenhum risco.
O ruim da história é que essas formulações vazias, muitas vezes incoerentes, ganham foro de verdade apenas pelo poder de repetição e acabam sendo acolhidas por políticos, governantes e opinião pública não especializada.
Pessoas que, quanto muito, detêm conhecimento de contabilidade pública ganham status de formuladores macroeconômicos, pela capacidade de converter as impropriedades mais obtusas em slogans de fácil assimilação.
Erram sempre, porque, além de superficial, sua análise não é intelectualmente honesta, devido a um fenômeno exemplarmente descrito pelo economista John Kenneth Galbraith em um discurso de formatura de 1984, sob o título "A Conveniente Lógica do Nosso Tempo". Alerta ele: "Nos últimos anos de universidade, foi lhe ensinado que uma mente adequadamente preparada procede da causa para o efeito, do diagnóstico para a solução (...). Porém o mesmo não acontece no mundo em que estão prestes a ingressar (...) Nele, nós temos tendido cada vez mais a identificar o remédio mais agradável, o mais conveniente, o mais de acordo com os principais interesses financeiros ou pecuniários -aquele, em suma, que melhor reflete nossa disponibilidade ou capacidade de agir. E só então passamos dessa solução que sabemos dispor, ou desejamos, para uma causa à qual ela seja relevante".

Auto-enganação
A partir do espaço conquistado na mídia, alguns tornam-se consultores prestigiados, vendendo informações a preços elevados para uma clientela ingênua. Se vendessem placebo, tudo bem. Mas vendem botulismo.
Depois do desastre consumado, começa uma cobrança violenta em cima desses gurus. Alguns simplesmente esquecem o passado e tratam de buscar novos slogans que lhes garantam o status de "intelectual da mídia" na próxima rodada de discussões. Outros tornam-se obcecados, tentando se justificar a si próprios, aos seus clientes e leitores.
Houvesse um "rating" de palpiteiros, sua palavra ficaria sem crédito na praça pelos próximos dez anos -assim como os clientes e o país que eles ajudaram a quebrar. Mas, como para a comunicação de massa amanhã sempre será um novo dia, sugere-se um pequeno roteiro de verdades óbvias para não se enrolar de novo em sofismas:
1) A política cambial explodiu não por culpa dos críticos, mas de suas próprias inconsistências. Uma política econômica que necessita de 100% de adesão da opinião pública para ser bem-sucedida é inconsistente por definição.
2) A política cambial anterior morreu de morte morrida, não por pressão de lobbies. As reservas vinham despencando de US$ 70 bilhões para menos de US$ 30 bilhões (se descontar os US$ 9 bilhões do FMI) e continuavam caindo a um ritmo de US$ 5 bilhões por mês. Já estava em fase terminal.
3) Os críticos da antiga política cambial defendiam uma mudança controlada, preventiva. A mudança descontrolada, e suas sequelas, devem-se àqueles que não pensaram preventivamente.
4) Quem diz que a única alternativa, daqui para a frente, será aumentar os juros deveria explicar que essa é a única alternativa que ELE conhece. Há economistas de peso, diariamente, com propostas concretas valiosas para administrar a economia nessa fase de transição.


E-mail: lnassif@uol.com.br


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