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LUíS NASSIF
Os intelectuais da mídia
Não há nada mais mistificador na sociedade contemporânea que os chamados "intelectuais da mídia". São pessoas,
em geral, sem mérito acadêmico, cujas idéias não são acatadas em ambientes especializados, mas que ganham força graças ao espaço que lhes é conferido na mídia.
Físicos e psicólogos nos anos
70, advogados nos anos 80, médicos nos anos 90, economistas
nos anos 80 e 90, o padrão do
"intelectual da mídia" é sempre
o mesmo. Ele tem que garantir
uma boa manchete sem riscos.
Portanto não pode ser um inquiridor notável, um questionador que traga novos ângulos
à discussão ou mesmo um sólido intelectual que, com bom
senso, desmistifique o glamour
de determinado tema.
Abre-se espaço apenas para os
formuladores de slogans que o
jornalista aceita com tranquilidade porque sabe que essa mesma declaração foi publicada
ontem, antes de ontem, na semana passada, não trazendo
nenhuma novidade, mas não
implicando nenhum risco.
O ruim da história é que essas
formulações vazias, muitas vezes incoerentes, ganham foro de
verdade apenas pelo poder de
repetição e acabam sendo acolhidas por políticos, governantes e opinião pública não especializada.
Pessoas que, quanto muito,
detêm conhecimento de contabilidade pública ganham status
de formuladores macroeconômicos, pela capacidade de converter as impropriedades mais
obtusas em slogans de fácil assimilação.
Erram sempre, porque, além
de superficial, sua análise não é
intelectualmente honesta, devido a um fenômeno exemplarmente descrito pelo economista
John Kenneth Galbraith em um
discurso de formatura de 1984,
sob o título "A Conveniente Lógica do Nosso Tempo". Alerta
ele: "Nos últimos anos de universidade, foi lhe ensinado que
uma mente adequadamente
preparada procede da causa
para o efeito, do diagnóstico
para a solução (...). Porém o
mesmo não acontece no mundo
em que estão prestes a ingressar
(...) Nele, nós temos tendido cada vez mais a identificar o remédio mais agradável, o mais
conveniente, o mais de acordo
com os principais interesses financeiros ou pecuniários
-aquele, em suma, que melhor
reflete nossa disponibilidade ou
capacidade de agir. E só então
passamos dessa solução que sabemos dispor, ou desejamos,
para uma causa à qual ela seja
relevante".
Auto-enganação
A partir do espaço conquistado na mídia, alguns tornam-se
consultores prestigiados, vendendo informações a preços elevados para uma clientela ingênua. Se vendessem placebo, tudo bem. Mas vendem botulismo.
Depois do desastre consumado, começa uma cobrança violenta em cima desses gurus. Alguns simplesmente esquecem o
passado e tratam de buscar novos slogans que lhes garantam o
status de "intelectual da mídia"
na próxima rodada de discussões. Outros tornam-se obcecados, tentando se justificar a si
próprios, aos seus clientes e leitores.
Houvesse um "rating" de palpiteiros, sua palavra ficaria
sem crédito na praça pelos próximos dez anos -assim como
os clientes e o país que eles ajudaram a quebrar. Mas, como
para a comunicação de massa
amanhã sempre será um novo
dia, sugere-se um pequeno roteiro de verdades óbvias para
não se enrolar de novo em sofismas:
1) A política cambial explodiu
não por culpa dos críticos, mas
de suas próprias inconsistências. Uma política econômica
que necessita de 100% de adesão da opinião pública para ser
bem-sucedida é inconsistente
por definição.
2) A política cambial anterior
morreu de morte morrida, não
por pressão de lobbies. As reservas vinham despencando de
US$ 70 bilhões para menos de
US$ 30 bilhões (se descontar os
US$ 9 bilhões do FMI) e continuavam caindo a um ritmo de
US$ 5 bilhões por mês. Já estava
em fase terminal.
3) Os críticos da antiga política cambial defendiam uma mudança controlada, preventiva.
A mudança descontrolada, e
suas sequelas, devem-se àqueles
que não pensaram preventivamente.
4) Quem diz que a única alternativa, daqui para a frente, será aumentar os juros deveria
explicar que essa é a única alternativa que ELE conhece. Há
economistas de peso, diariamente, com propostas concretas
valiosas para administrar a
economia nessa fase de transição.
E-mail: lnassif@uol.com.br
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