São Paulo, quarta-feira, 13 de março de 2002

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ARTIGO

Na época de Tobin, debate econômico era mais honesto

PAUL KRUGMAN

James Tobin , professor da Universidade Yale, prêmio Nobel de Economia e assessor de John F. Kennedy, morreu anteontem. Era um excelente economista e um homem notavelmente bondoso. Sua morte para mim parece simbolizar o fim de uma era na qual o debate econômico era a um só tempo mais gentil e muito mais honesto do que hoje.
Tobin era um desses teóricos da economia cuja influência atinge lugares tão distantes a ponto de tornar seus discípulos pessoas que sequer ouviram falar de seu nome. Era também, no entanto, uma figura pública, e durante muito tempo foi o mais proeminente defensor de uma ideologia que poderíamos denominar keynesianismo de livre mercado, uma crença em que os mercados são bons, mas funcionam melhor caso o governo esteja sempre pronto a conter excessos.
De certa maneira, Tobin era o neodemocrata original. É irônico que algumas de suas idéias essencialmente moderadas tenham sido roubadas por extremistas da direita e da esquerda.
Tobin foi um dos economistas que trouxe a revolução keynesiana para os EUA. Antes parecia haver pouco terreno intermediário, na economia, entre o laissez-faire fatalista e a intervenção governamental pesada, e, já que às políticas do laissez-faire vinha sendo imputada a culpa pela Grande Depressão, era difícil ver como a economia de mercado poderia sobreviver. John Maynard Keynes mudou tudo isso: com o uso sensato das políticas monetária e fiscal, sugeriu um sistema de livre mercado seria capaz de evitar futuras depressões.
O que James Tobin acrescentou às idéias de Keynes? Basicamente, tomou o keynesianismo cru e mecanicista que prevalecia nos anos 40 e o transformou em uma doutrina muito mais sofisticada, que se concentrava nos cálculos de ganhos e perdas que os investidores precisavam realizar entre o risco, o retorno e a liquidez.

Rival do monetarismo
Nos anos 60, o keynesianismo desenvolvido por Tobin fez dele o mais conhecido oponente intelectual de Milton Friedman, então advogado da doutrina rival (e bastante ingênua) conhecida como monetarismo. A bem da verdade, a insistência de Friedman em que as mudanças na base monetária explicam todos os altos e baixos da economia não resistiu ao teste do tempo. O foco de Tobin, no preço dos ativos como força propulsora por trás das flutuações econômicas, jamais pareceu mais correto. (Friedman é um grande economista, mas sua reputação depende, hoje, de outros trabalhos.)
Tobin talvez seja mais conhecido no presente por duas idéias políticas, ambas "sequestradas", como ele mesmo dizia, por pessoas de cujas opiniões ele não compartilhava.
Primeiro, Tobin era a força intelectual por trás do corte de impostos adotado no governo Kennedy, que deu início ao boom dos anos 60. A ironia é que hoje em dia os cortes de impostos são em geral elogiados pelos conservadores mais linha-dura, que os encaram como elixir capaz de curar qualquer que seja o mal que nos aflija. Tobin não concordava com isso. Na verdade, participei de um painel de especialistas com ele ainda na semana passada, e ele defendeu com o vigor de sempre que a situação atual da economia requeria um aumento de gastos, e não um corte de impostos.

Contra a especulação
Segundo, ainda em 1972, Tobin propôs que os governos criassem um imposto modesto sobre as transações financeiras entre países, como maneira de desencorajar a especulação. Encarava esse imposto como uma forma de ajudar a promover o livre comércio, assegurando aos países que eles poderiam abrir seus mercados sem que por isso se expusessem a movimentos perturbadores do chamado "hot money". Uma vez mais, ironia: a "taxa Tobin" tornou-se um recurso favorito dos adversários radicais do livre comércio, especialmente o grupo francês Attac. Como Tobin declarou, "os aplausos mais ruidosos estão vindo do lado errado".
Por que acredito que a morte de Tobin marca o final de uma era? Considerem apenas aquilo que o conselho de assessores econômicos de Kennedy, o grupo mais talentoso de economistas a servir qualquer governo norte-americano desde Alexander Hamilton, discutiu em suas reuniões. Tobin, inacreditavelmente, era apenas um de três futuros laureados com o Nobel que trabalhou no conselho. Será que seria possível formar grupo semelhante hoje?
Duvido. Quando Tobin foi para Washington, os principais economistas não eram sujeitados a testes de lealdade política e jamais teria ocorrido a algum deles que aceitar o cargo implicaria dizer coisas manifestamente falsas. Preciso prosseguir?
Ontem falei com William Brainard, outro professor de Yale que trabalhava com Tobin, e ele mencionou a fé de seu colega "no poder das idéias". É uma fé que cada vez mais encontramos dificuldade em sustentar, já que más idéias com poderoso apoio político dominam nosso discurso.
Assim, sinto falta de James Tobin. Lamento não só sua morte, mas o final de uma era quando economistas tão fundamentalmente decentes eram capazes de florescer e até mesmo influenciar a política do país.


Paul Krugman, economista, é professor em Princeton (EUA). Este artigo foi publicado pelo "New York Times".

Tradução de Paulo Migliacci


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