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ARTIGO
Na época de Tobin, debate econômico era mais honesto
PAUL KRUGMAN
James Tobin , professor da
Universidade Yale, prêmio
Nobel de Economia e assessor de
John F. Kennedy, morreu anteontem. Era um excelente economista e um homem notavelmente bondoso. Sua morte para
mim parece simbolizar o fim de
uma era na qual o debate econômico era a um só tempo mais
gentil e muito mais honesto do
que hoje.
Tobin era um desses teóricos
da economia cuja influência atinge lugares tão distantes a ponto
de tornar seus discípulos pessoas
que sequer ouviram falar de seu
nome. Era também, no entanto,
uma figura pública, e durante
muito tempo foi o mais proeminente defensor de uma ideologia
que poderíamos denominar keynesianismo de livre mercado,
uma crença em que os mercados
são bons, mas funcionam melhor
caso o governo esteja sempre
pronto a conter excessos.
De certa maneira, Tobin era o
neodemocrata original. É irônico
que algumas de suas idéias essencialmente moderadas tenham sido roubadas por extremistas da
direita e da esquerda.
Tobin foi um dos economistas
que trouxe a revolução keynesiana para os EUA. Antes parecia
haver pouco terreno intermediário, na economia, entre o laissez-faire fatalista e a intervenção governamental pesada, e, já que às
políticas do laissez-faire vinha
sendo imputada a culpa pela
Grande Depressão, era difícil ver
como a economia de mercado
poderia sobreviver. John Maynard Keynes mudou tudo isso:
com o uso sensato das políticas
monetária e fiscal, sugeriu um
sistema de livre mercado seria capaz de evitar futuras depressões.
O que James Tobin acrescentou
às idéias de Keynes? Basicamente, tomou o keynesianismo cru e
mecanicista que prevalecia nos
anos 40 e o transformou em uma
doutrina muito mais sofisticada,
que se concentrava nos cálculos
de ganhos e perdas que os investidores precisavam realizar entre
o risco, o retorno e a liquidez.
Rival do monetarismo
Nos anos 60, o keynesianismo
desenvolvido por Tobin fez dele o
mais conhecido oponente intelectual de Milton Friedman, então advogado da doutrina rival (e
bastante ingênua) conhecida como monetarismo. A bem da verdade, a insistência de Friedman
em que as mudanças na base monetária explicam todos os altos e
baixos da economia não resistiu
ao teste do tempo. O foco de Tobin, no preço dos ativos como
força propulsora por trás das flutuações econômicas, jamais pareceu mais correto. (Friedman é
um grande economista, mas sua
reputação depende, hoje, de outros trabalhos.)
Tobin talvez seja mais conhecido no presente por duas idéias
políticas, ambas "sequestradas",
como ele mesmo dizia, por pessoas de cujas opiniões ele não
compartilhava.
Primeiro, Tobin era a força intelectual por trás do corte de impostos adotado no governo Kennedy, que deu início ao boom dos
anos 60. A ironia é que hoje em
dia os cortes de impostos são em
geral elogiados pelos conservadores mais linha-dura, que os encaram como elixir capaz de curar
qualquer que seja o mal que nos
aflija. Tobin não concordava com
isso. Na verdade, participei de
um painel de especialistas com
ele ainda na semana passada, e
ele defendeu com o vigor de sempre que a situação atual da economia requeria um aumento de
gastos, e não um corte de impostos.
Contra a especulação
Segundo, ainda em 1972, Tobin
propôs que os governos criassem
um imposto modesto sobre as
transações financeiras entre países, como maneira de desencorajar a especulação. Encarava esse
imposto como uma forma de ajudar a promover o livre comércio,
assegurando aos países que eles
poderiam abrir seus mercados
sem que por isso se expusessem a
movimentos perturbadores do
chamado "hot money". Uma vez
mais, ironia: a "taxa Tobin" tornou-se um recurso favorito dos
adversários radicais do livre comércio, especialmente o grupo
francês Attac. Como Tobin declarou, "os aplausos mais ruidosos
estão vindo do lado errado".
Por que acredito que a morte de
Tobin marca o final de uma era?
Considerem apenas aquilo que o
conselho de assessores econômicos de Kennedy, o grupo mais talentoso de economistas a servir
qualquer governo norte-americano desde Alexander Hamilton,
discutiu em suas reuniões. Tobin,
inacreditavelmente, era apenas
um de três futuros laureados com
o Nobel que trabalhou no conselho. Será que seria possível formar grupo semelhante hoje?
Duvido. Quando Tobin foi para
Washington, os principais economistas não eram sujeitados a
testes de lealdade política e jamais teria ocorrido a algum deles
que aceitar o cargo implicaria dizer coisas manifestamente falsas.
Preciso prosseguir?
Ontem falei com William Brainard, outro professor de Yale que
trabalhava com Tobin, e ele mencionou a fé de seu colega "no poder das idéias". É uma fé que cada
vez mais encontramos dificuldade em sustentar, já que más idéias
com poderoso apoio político dominam nosso discurso.
Assim, sinto falta de James Tobin. Lamento não só sua morte,
mas o final de uma era quando
economistas tão fundamentalmente decentes eram capazes de
florescer e até mesmo influenciar
a política do país.
Paul Krugman, economista, é professor em Princeton (EUA). Este artigo foi
publicado pelo "New York Times".
Tradução de Paulo Migliacci
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