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OPINIÃO ECONÔMICA
Um brasileiro merece o Prêmio Nobel da Paz
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
O brasileiro tem forte inclinação ao elogio póstumo. "Está morto; podemos elogiá-lo à
vontade", ironizava Machado de
Assis. Por outro lado, cada um de
nós é um inseguro, um humilde
nato e hereditário. Um elogio, por
mais modesto, provoca no brasileiro os célebres e consagrados
"arrancos triunfais de cachorro
atropelado".
Deveríamos então homenagear
os vivos, sobretudo os vivos. Não
são muitas as oportunidades que
se oferecem, e não se deve deixar
passar nenhuma.
Estou há tempos querendo escrever sobre o embaixador José
Mauricio Bustani, ex-diretor-geral da Opaq (Organização para a
Proscrição das Armas Químicas).
Trata-se de uma grande figura.
Bustani foi indicado pelo governo
Lula para chefiar a embaixada
do Brasil em Londres. Anteontem, a Comissão de Relações Exteriores do Senado aprovou o seu
nome por unanimidade.
Como se sabe, Bustani foi derrubado do comando da Opaq, em
2002, após intensa campanha do
governo Bush. Bustani desagradou aos norte-americanos por
sua insistência em negar tratamento preferencial aos Estados
Unidos no que diz respeito às inspeções militares e industriais, por
não admitir interferências na administração da Opaq e, também
(pasmem!), por se recusar a dar
aos representantes de Washington acesso a informações referentes a outros membros da organização, fora dos mecanismos previstos nas suas regras de funcionamento.
Com o passar do tempo, foi ficando mais evidente que o afastamento de Bustani fazia parte da
preparação da guerra contra o
Iraque. O diretor-geral estava
procurando obter a adesão do
Iraque à Opaq e a consequente
aceitação por Bagdá do regime de
inspeções. Com isso, entretanto,
desapareceriam ou ficariam enfraquecidas as justificativas para
uma invasão do Iraque pelos
EUA.
No momento em que o ataque
dos EUA ao Iraque está por um
triz, o nome de Bustani adquire
uma importância especial. A sua
atuação teve grande repercussão
internacional. Segundo o George
Monbiot, colunista do "The
Guardian", "pode-se dizer que
nos últimos cinco anos [Bustani"
fez mais para promover a paz
mundial do que qualquer outra
pessoa na Terra" ("A War
Against the Peacemaker", "ZNet
Daily Commentaries", April 18,
2002, pág. 1, www.zmag.org).
O nome do diplomata brasileiro
está na lista dos que estão sendo
considerados para o Prêmio Nobel da Paz de 2003, como apurou
o jornalista Jamil Chade, correspondente do jornal "O Estado de
S.Paulo" em Genebra. Seria um
prêmio mais do que justificado.
Durante a sua gestão, a Opaq realizou 1.100 inspeções em mais de
50 países e supervisionou a destruição de 2 milhões de armas
químicas e dois terços das instalações de armas químicas do planeta (Ian Williams, "The U.S. Hit
List at the United Nations", "Foreign Policy in Focus", April 30,
2002, pág. 1, www.fpif.org). Entre
a criação da Opaq, em 1997, e
abril de 2002, quando Bustani foi
afastado, o número de países-membros da organização subiu
de 87 para 145. Não obstante, o
diplomata brasileiro foi tratado
pelo governo Bush quase como
uma espécie de "Bin Laden burocrático" (Ian Williams, op. cit.,
pág. 1).
Quem tiver interesse em uma
explicação circunstanciada desses
episódios, apresentada pelo próprio protagonista, deve ler o ensaio por ele publicado no número
mais recente da revista do Instituto de Estudos Avançados da USP
(José Mauricio Bustani, "O Brasil
e a Opaq: Diplomacia e Defesa do
Sistema Multilateral sob Ataque", "Estudos Avançados", vol.
16, nº 46, setembro/dezembro de
2002).
Trata-se provavelmente do
mais completo depoimento que o
embaixador Bustani deu a respeito da Opaq, da sua luta para preservar a independência de uma
organização internacional e da
crise que levou a sua demissão. A
revista está esgotada, mas o seu
editor me autorizou a enviar cópia do ensaio aos leitores que manifestarem interesse.
Um dos aspectos lamentáveis
dessa crise, relatado e documentado pelo embaixador Bustani,
foi a atuação do governo Fernando Henrique Cardoso, em especial da vaporosa figura do então
ministro das Relações Exteriores,
Celso Lafer. O apoio da chefia do
Itamaraty a Bustani foi morno,
mais pro forma do que efetivo,
"apoio não-exclamatório", segundo declarou na época o ministro das Relações Exteriores para
explicar a sua falta de empenho.
Nos bastidores, o chanceler brasileiro combinara com o secretário
de Estado dos EUA que o Brasil
não faria lobby em favor da permanência do diretor-geral da
Opaq, como revela documento do
governo americano extensamente citado pelo embaixador Bustani (José Mauricio Bustani, op. cit.,
pág. 82).
Enquanto o governo FHC dava
mais um dos seus vexames, do lado de fora da sala de conferências
em que os países-membros da
Opaq decidiam para decidir o futuro do diretor-geral da organização, Luciano Buratto, um jovem estudante brasileiro, fazia
um protesto solitário. Carregava
um cartaz que resumia tudo:
"Bustani, orgulho dos brasileiros".
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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