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LUÍS NASSIF
A CVM e o mercado
Provavelmente nenhum
cabeça de planilha, desses
que defendem avanços na regulação microeconômica, vai colocar a cabeça de fora. Mas o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, perdeu mais uma
oportunidade de avançar na
criação de um mercado regulado neste país, ao permitir a permanência, na CVM (Comissão
de Valores Mobiliários), da relação incestuosa entre o órgão e
grandes bancas de advocacia
carioca.
No mercado de capitais, a boa
governança das empresas é garantida por um sistema de controle, que se inicia pela existência de conselhos consultivos e fiscais independentes, órgãos reguladores independentes, instituições representativas da sociedade civil e mídia.
Foi nesse período que vieram
para o mundo real das sociedades anônimas os grupos que dominaram os ganhos financeiros
nos anos 80 -bancos de investimento que enriqueceram à custa do acerto permanente dos juros do BC e dos índices de preços
da FGV.
Com muito dinheiro, aproveitaram a fragilidade das empresas brasileiras, devido à política
continuada de juros altos, para
aquisições, dentro de uma ótica
diferente da tradicional. Sua lógica é a de engenharias financeiras e societárias que permitissem conquistar ganhos de controle de grandes empresas ou arbitragens de curto prazo -comprar na baixa, conquistar um
poder de monopólio e vender
com lucro expressivo.
Na segunda metade dos anos
90 lograram conquistar um poder expressivo, seja por meio de
um trabalho competente de
reestruturação -como no caso
AmBev-, seja por meio de jogadas societárias atrevidas, como no caso da Brasil Telecom.
Gradativamente esse grupo
passou a estender seu poder sobre todos os órgãos públicos ou
civis incumbidos da regulação
do mercado brasileiro. Recentemente uma ONG do Paraná divulgou denúncias contra a
Schincariol. As denúncias se
comprovaram falsas e cresceu a
suspeita de que por trás da ONG
estaria a própria AmBev.
Associações de defesa dos minoritários, como essa Animec,
também passaram a adotar atitudes polêmicas e claramente
parciais, sendo rigorosas com algumas operações e fechando os
olhos a outras.
Mas em nenhuma área essa
permissividade foi tão grande
quanto na CVM. Nos últimos
anos, casos graves de manipulação de informações foram varridos para baixo do tapete, por
meio de termos de compromisso
inócuos. Grandes escritórios de
advocacia do Rio passaram a ter
uma influência intelectual decisiva sobre o órgão.
Nos próximos anos, o poder
extraordinário dessas novas corporações, dessa nova classe de
empresários financeiros, será
um dos grandes desafios da soberania do Estado brasileiro
-não essa soberania de fancaria, brandida por espíritos anacrônicos, mas aquela que se exige de qualquer mercado moderno.
Não pairam suspeitas sobre o
novo presidente da CVM, Marcelo Trindade. Mas ele é intrinsecamente ligado ao mundo dos
grandes escritórios de advocacia
carioca. Perdeu-se a oportunidade de colocar à frente do órgão um reformador, que devolvesse à CVM o papel institucional que ela deixou de cumprir
nos últimos anos.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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