UOL


São Paulo, domingo, 13 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

O campeão que se perdeu

Eder Jofre foi um bem e um mal para o boxe e o amor próprio nacional. O país engatinhava, dava seus primeiros passos no mundo e eis que surge, quase do nada, um boxeador dos maiores da história, com uma carreira épica e fulminante. E depois dele?
Disse quase do nada, porque antes de Eder houve Abrahão de Souza, de quem o senador Suplicy foi sparring e que teria sido dos maiores não fosse a vida desregrada, o alcoolismo e, no desfecho, o mal de Chagas.
Toca o país a procurar um sucessor que repetisse ou pelo menos se aproximasse da mística do "galinho de ouro". Tentou-se Rosemiro "Pelé" dos Santos, mas as drogas o derrotaram. Arriscou-se com João Henrique, que chegou perto do título, manteve uma luta magistral com o canhoto italiano Bruno Arcari, dominou os primeiros assaltos, parecia que seria nosso segundo campeão, mas no meio da luta deu um branco. Parou, esqueceu de lutar e levou um gancho de esquerda que o nocauteou. E deu outro branco quando enfrentou o bailarino argentino Nicolino Locche. Voltou a lutar, mas sempre na hora H dava o branco. Morreu em um desastre de ônibus, auxiliando a tirar vítimas das ferragens, até que a vida se esvaísse de vez por uma hemorragia interna que ele, por solidariedade, ignorou.
Depois, se tentou Miguel de Oliveira, o lenhador de Osasco, forte como um touro, que chegou a conquistar um título mundial, mas não resistiu à primeira defesa. Miguel era um touro de forte, mas era tenso, o braço de lenhador ficava permanentemente preso ao corpo, sem soltar o golpe. Dava uma aflição danada a gente vê-lo lutar no Ibirapuera.
Nesse ínterim, houve alguns poucos estilistas fantásticos, como Juarez de Lima, um bailarino insuperável, mas de pouco punch. E o mosca Servílio de Oliveira, que teria sido campeão não fosse um médico descuidado que permitiu que prosseguisse em uma luta com um mexicano, que lhe custou uma das vistas, na preliminar da luta de exibição que Muhammad Ali fez em São Paulo enfrentando o argentino Alberto Lowell Jr.
Mas entre todos não houve maior promessa não-realizada do que João Mendonça, o gigante negro do Corinthians. Você precisava ter assistido a uma de suas lutas para conferir. Ele tinha a técnica e a precisão de golpes de João Henrique, a força de Miguel de Oliveira, esquiva próxima à de Servílio.
No ringue era uma pantera que rodeava os adversários despejando jabs e diretos com uma eficiência poucas vezes vista no boxe brasileiro. Nas primeiras lutas profissionais, ninguém mais tinha dúvidas de que seria o próximo campeão mundial incontestável.
Mas aí veio a vida e desfez a promessa. João Mendonça passou a se comportar de modo estranho, um pouco deslumbrado pela noite, um pouco por algo que o atormentava e não se sabia bem o quê. Nessa condição, enfrentou um lutador estrangeiro, bom de técnica, acho que jamaicano ou algo parecido, e precisou ser ajudado pelo juiz para vencer. Os fãs não entendiam bem o que acontecia. O adversário era bom, mas João Mendonça estava irreconhecível.
Teve poucos lutas mais, nem me lembro se perdeu por nocaute ou por pontos. Mas estava claro que o destino heróico se desviara em alguma quebrada da vida. Nem lembro o que ocorreu. Ficou violento fora do ringue, abusou, foi preso. Dizem que enlouqueceu, atacado pela sífilis. Nem sei se ainda vive ou não. Nos sites de busca da internet, é impossível localizar seu nome, menos ainda sua história.
Mas ficará vivo na lembrança de todos aqueles que conseguiram, por um breve tempo, assistir à saga do campeão que se perdeu.
E-mail - LNassif@uol.com.br

Texto Anterior: Lições contemporâneas: A guerra deles e as nossas "guerras"
Próximo Texto: Incentivo fiscal: Minas atrai Localiza com IPVA reduzido
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.