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São Paulo, domingo, 13 de abril de 2003

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

A guerra deles e as nossas "guerras"

MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES

Os falcões do Departamento de Defesa já estão para além de Bagdá em todos os sentidos, inclusive os pejorativos, o que leva a superpotência a uma retórica de escalada no terreno minado do Oriente Médio. A disputa pelo espólio da guerra (petróleo e reconstrução) é escandalosa e coloca as demais potências aliadas e rivais numa contestação surda ou aberta contra as pretensões geoeconômicas e geopolíticas da superpotência.
Esta guerra não teve os efeitos estimulantes sobre a economia norte-americana do tipo dos que ocorreram no período Roosevelt, na Segunda Guerra Mundial, ou mesmo de Reagan, na escalada final da Guerra Fria. O complexo militar-industrial dentro dos EUA já tem uma dimensão gigantesca e ultramoderna que não envolve a "construção" de uma "nova economia". Essa já ocorreu e está em recessão desde 2001. As despesas das tropas de ocupação e da reconstrução do Iraque são fora do país e podem beneficiar apenas os lucros de algumas grandes empresas, mas não têm efeito multiplicador de renda e nem de retomada do investimento na economia interna. O último relatório do FMI sobre "Perspectivas da Economia Mundial" avisa: "Dados os riscos e limitações que envolvem a economia norte-americana é urgente a redução da dependência da economia global em relação aos EUA".
Enquanto isso, as nossas "batalhas" imediatas pela estabilização da economia e pelo avanço da cultura político-democrática brasileira, incluindo o debate com representantes da sociedade civil em todos os planos e no Conselho Econômico Social, deram a pauta do primeiro trimestre.
As previsões mais pessimistas sobre conjuntura de dois meses atrás (inclusive as minhas e do editorial da Folha, ambas publicadas em 16 de fevereiro) não se verificaram porque o preço do petróleo e o câmbio caíram e a taxa de inflação cedeu. Fazer previsões sobre uma conjuntura tão incerta, concorde-se ou não com a política macroeconômica, só dá certo por acaso. Mesmo as velhas identidades (supostamente de equilíbrio ou de paridade), como os juros internos (iguais aos juros externos mais o risco Brasil mais a taxa de inflação), não têm o menor sentido (o dr. Delfim que me perdoe). Em mercados especulativos em que existe arbitragem presente e futura entre juros e câmbio, nenhuma "identidade simples" resiste e tão pouco a capacidade de predição de modelos mais sofisticados.
A política macroeconômica virou uma arte de contornar conjunturas adversas e de fazer apostas conservadoras, que só podem dar certo a curto prazo com a atração de capitais compensatórios ou especulativos. No primeiro trimestre deste ano entraram cerca de US$ 5 bilhões de curto prazo, o que explica a queda drástica do cupom cambial em dólar. As políticas de investimento, desenvolvimento e emprego, porém, são de outra natureza e têm de ser iniciadas olhando o estado das cadeias produtivas, da capacidade de expansão de crédito interno e externo de longo prazo a juros mais baixos e da disposição do setor privado de investir antes que chegue rapidamente à plena ocupação de capacidade. O crescimento das exportações e da substituição de importações, que permitem enfrentar a restrição externa a médio prazo, serão dificultadas se o câmbio se apreciar ou flutuar demais. O crédito externo de longo prazo com menor taxa de juros em dólar já está sendo oferecido às grandes empresas exportadoras e às agências públicas de fomento. A dificuldade é encontrar tomadores (muitos deles ainda endividados) por causa do risco cambial.
Do ponto de vista do emprego, as oportunidades e os recursos para setores tradicionalmente empregadores de mão-de-obra -construção civil e saneamento- existem. O problema está nas atuais condições de financiamento para a população de nível de renda mais baixo. Programas como o do primeiro emprego e cooperativas de trabalhadores podem ajudar se forem bem concebidos e executados. As políticas sociais de caráter universal, como saúde e educação, além de serem altamente empregadoras, têm as maiores redes territoriais do país que podem ser coordenadas para dar uma cobertura mais abrangente ao combate à fome e à subnutrição. O mesmo vale para o resgate de uma política mais ampla de seguridade social. As redes de crédito às pequenas empresas podem ser ampliadas pelo Banco do Brasil e pela Caixa Econômica Federal, que têm o maior número de agências no país inteiro, desde que sejam autorizadas a praticar crédito supervisionado com menores taxas de juros.
Esses foram alguns dos temas discutidos na reunião da bancada do PT, na terça-feira passada, na Câmara dos Deputados, da qual participamos como expositores -eu e o senador Aloizio Mercadante. Tentamos explicar claramente a evolução da conjuntura de setembro de 2002 para cá, e discutir as notícias positivas e as dificuldades que temos pela frente. Relembramos também qual é o nosso projeto de desenvolvimento para o país, as linhas gerais de nossa inserção internacional e a necessidade de redução de nossa dependência financeira da economia global. Não ocultamos os obstáculos que temos de vencer para retomar o crescimento sustentado, a começar pelo da restrição externa e o da reconstrução da infra-estrutura. Já a inclusão social é uma política de grande complexidade e envergadura que exigirá desde movimentos localizados mais rápidos até estratégias coordenadas de médio e longo prazos.
A segurança da população em novos moldes também faz parte das nossas "guerras" particulares que é preciso combater com urgência e com o apoio recíproco dos governos estaduais e da União e que supõe maior vigilância das fronteiras. Em resumo: as guerras da superpotência se resolvem pela força; as nossas têm de ser travadas com paciência, diálogo e consensos majoritários ou acordos parciais para mudar a nossa cultura política e reorganizar o Estado em todos os níveis.


Maria da Conceição Tavares, 72, economista, é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professora associada da Universidade de Campinas (Unicamp) e ex-deputada federal (PT-RJ).
Internet:
www.abordo.com.br/mctavares
E-mail -
mctavares@cdsid.com.br


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