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São Paulo, domingo, 13 de abril de 2003

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TUDO PELO CRÉDITO

Há 1.541 entidades no país, e em pelo menos 20% delas foi detectado algum tipo de irregularidade

BC detecta até fraudes em cooperativas

FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI

DA REPORTAGEM LOCAL

Levantamento do Banco Central (BC) revela que, em janeiro deste ano, 184 cooperativas de crédito emprestaram mais dinheiro aos sócios do que podiam, 158 investiram em bens e imóveis mais do que estavam autorizadas e 63 estavam com patrimônio líquido negativo em dezembro do ano passado -eram 54 no final de 2001 e 42 no final de 2000.
Essa é a conclusão de uma análise financeira prévia das cooperativas de crédito feita pelo BC, com base nas 1.451 instituições que existem hoje no país -juntas, somavam patrimônio de R$ 2,6 bilhões no final do ano passado. Pelo levantamento do banco, dependendo do mês, entre 15% e 20% das cooperativas estão desenquadradas em pelo menos uma das regras de operação.
Na radiografia das cooperativas de crédito, o BC identificou ainda que, mesmo entre as instituições que cumprem as normas mínimas de funcionamento -emprestar no máximo 7,7 vezes o valor do patrimônio, como determina o Comitê da Basiléia (essa regra é internacional), comprometer no máximo 50% do patrimônio em ativos imobilizados e ter patrimônio positivo-, há riscos de prejuízos para os sócios.
Boa parte delas, informa o BC, tem controle interno ineficiente. Isto é, as informações contábeis não refletem a real situação das cooperativas -geralmente, devido à má administração e, em alguns casos, à má-fé. "Infelizmente, o preparo dos dirigentes dessas instituições não é bom. A maioria deles não tem conhecimento de administração. A contabilidade pode estar bem, mas pode estar sendo mascarada", diz Osvaldo Watanabe, chefe do departamento de supervisão direta do BC.

Estímulo
A situação econômica das cooperativas de crédito -atividade que o presidente Lula quer estimular para que as pessoas de menor poder aquisitivo tenham mais acesso ao financiamento -preocupa o BC. Nos próximos dias, o banco deve divulgar um comunicado com o objetivo de padronizar a operação dessas cooperativas e intensificar a fiscalização. Esse documento será encaminhado às centrais das cooperativas, que deverão auxiliar o banco.
O que o BC quer, na prática, é que as centrais façam uma auditoria mínima nas cooperativas de crédito para aperfeiçoar os critérios para empréstimos e tornar mais eficiente o controle na captação de recursos. A meta é fazer com que a administração dessas instituições seja mais preparada para evitar prejuízo aos sócios.
O BC identificou que os dirigentes dessas cooperativas, por exemplo, têm dificuldades para avaliar o risco na concessão de crédito, em estabelecer limites de empréstimo e em cobrar dívidas. Além disso, elas não têm funcionários treinados. Muitas vezes o cooperado não sabe sequer que tem de arcar com prejuízos, pois, pela lei do cooperativismo, os sócios dividem os lucros e as perdas.
Manoel Messias, presidente da Cecresp (Central das Cooperativas de Crédito do Estado de São Paulo), que reúne 200 cooperativas no Estado, admite a precariedade na administração das cooperativas de crédito. "O problema é que quem senta na cadeira de um administrador de uma cooperativa são médicos, engenheiros, metalúrgicos, advogados, muitas vezes amadores em gestão. Por isso, eles não são tão prudentes no cumprimento das regras. O levantamento do BC reflete a realidade, mas a maioria das cooperativas não está nessa situação."
Para Alcenor Pagnussatt, coordenador da área de cooperativas de crédito da OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras), se só 5% do total de cooperativas de crédito do país estão com patrimônio negativo, isso mostra que o setor vai bem. "Os bons exemplos prevalecem nos números." Ele também preside a Confederação Interestadual das Cooperativas ligadas ao Sicred (Sistema de Crédito Cooperativo), entidade que reúne 130 cooperativas de crédito, com 460 mil cooperados em cinco Estados.

Fechamento
As dificuldades financeiras das cooperativas de crédito são constatadas nos números de liquidações registrados pelo BC. No ano passado, 23 instituições foram liquidadas, quase o dobro de 2001, quando 12 foram extintas. Essas liquidações ocorreram após intervenção do BC em comum acordo com essas instituições.
Outras duas cooperativas de crédito fecharam, em 2001 -essas por determinação do BC. A Creditel (Cooperativa de Crédito dos Empregados de Empresas de Telecomunicações) e a Coopetfes (Cooperativa de Crédito dos Servidores das Escolas Técnicas Federais do Espírito Santo), ambas do Estado do Espírito Santo.
A Coopetfes recebeu irregularmente R$ 9 milhões do governo do Estado do Espírito Santo. De acordo com as normas do BC, as cooperativas só podem receber recursos de seus associados. Também concedeu empréstimo irregular de R$ 19,6 milhões em 1998 para o colaborador da campanha do governador do Espírito Santo. A Creditel foi liquidada pelo BC porque emprestou à Coopetfes R$ 5,7 milhões -além de não poder emprestar dinheiro para outra cooperativa, não poderia emprestar mais do que R$ 80 mil para um único cliente. O caso foi revelado durante a CPI da Propina.


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