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São Paulo, domingo, 13 de abril de 2003

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ENTREVISTA

Ministro Luiz Fernando Furlan diz que função de Palocci é a de ser o goleiro do time, e "nós temos de fazer gol"

Política industrial de Lula sai até agosto

VIVALDO DE SOUSA
COORDENADOR DE ECONOMIA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

ANDRÉ SOLIANI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Agosto. Esse é o prazo fixado pelo ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, para definir a política industrial que o governo Lula implementará no resto do seu mandato. "Transição para mim é seis meses", disse Furlan, 56, sobre o viés desenvolvimentista que pretende imprimir no governo a partir do segundo semestre.
Em dezembro de 2002, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, em entrevista a Folha, disse que o prazo de transição para um novo modelo econômico seria de dois anos.
Segundo Furlan, em julho começa o segundo tempo do jogo para o governo Lula. O primeiro foi jogado na retranca- a transição-; o segundo, seria a hora de fazer gol. A Palocci não caberá destaque na artilharia do time. "Palocci é extraordinário, sereno e tranquilo. Me dou muito bem com ele. Agora, o ministro Palocci é o goleiro do time. É o cara que não pode deixar a bola passar e nós temos de fazer gol", afirmou. Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida na tarde da última sexta-feira.

Folha - O que é a política industrial do governo Lula? Aparentemente, nada mudou em relação ao governo anterior.
Luiz Fernando Furlan -
Nós optamos por ter uma formulação de política industrial discutida com os protagonistas, ao invés de estabelecer por decreto.
Selecionamos 20 setores para avançar no Fórum de Competitividade das cadeias produtivas.

Folha - O sr. tem algum prazo para apresentar a proposta de política industrial?
Furlan -
Gostaria de ter isso concluído até agosto.

Folha - A política industrial será para setores específicos ou serão políticas gerais?
Furlan -
Nós vamos ter três níveis. Teremos políticas nacionais, regionais e setoriais.

Folha - Haverá incentivo fiscal para a política regional?
Furlan -
Não necessariamente. Se nos engajarmos, por exemplo, num projeto de utilização das matérias primas de uma região para aumentar o valor agregado, não é preciso ter incentivos fiscais. Aliás, esse é um viés equivocado.

Folha - O governo divulgou um documento no qual afirma que a política industrial setorial vai estabelecer metas a serem cumpridas. Que tipo de metas?
Furlan -
Na cadeia de plásticos, nós vamos transformar um déficit comercial num superávit de US$ 800 milhões. Durante o governo Lula, o pólo industrial de Manaus será superavitário.

Folha - O Brasil precisa ter multinacionais lá fora?
Furlan -
Há muitos anos que a soberania do país se exerce por meio de poder político e de poder econômico. O poder econômico, em muitos casos, é exercido por meio de empresas. O país que não tiver multinacionais será um país de alguma forma dominado.

Folha - Para criar uma multinacional brasileira é preciso um empurrãozinho do governo?
Furlan -
É preciso. A decisão do BNDES de financiar investimentos de empresas brasileiras no exterior é um legítimo empurrãozinho. O BNDES financiava apenas investimentos aqui. Hoje, se uma empresa brasileira quiser fazer uma fábrica no exterior, não há impedimento para que ela tenha apoio do BNDES.
Podemos ter políticas governamentais que facilitem a vida de empresas brasileiras que queiram se expandir para o exterior. Esse tipo de coisa é um legítimo anseio de soberania. Ou vamos ficar aqui com empresas sendo alvos?

Folha - O que mais o governo pode fazer?
Furlan -
Fazer o que os outros governos fazem. Se queremos vender um produto que tem alguma dificuldade, o presidente precisa pegar o telefone e ligar para o outro presidente. Os franceses não ligaram para presidente brasileiro para venderem helicópteros; os americanos não fizeram lobby para vender equipamentos para o Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia). O governo atual não deve sentir vergonha de defender o interesse do país, quando esse interesse é representado por uma empresa. Isso é a coisa mais natural do mundo.

Folha - O governo espera um crescimento maior da economia em 2004, cerca de 4%. Será possível, nesse cenário, manter o crescimento da exportações?
Furlan -
Eu acho que 10% dá para manter no ano que vem. Mas é preciso tomar algumas providências já. Alguns setores que têm gargalho precisam começar a investir. Há muitos projetos em andamento e tenho recebido toda semana empresas que estão anunciando investimentos. Certamente vamos colher no ano que vem dividendos da política de promoção comercial deste ano.

Folha - Se mantiver um crescimento médio de 10% ao ano chegaremos ao final do governo Lula com exportações pouco acima de US$ 80 bilhões...
Furlan -
Não. Será muito mais. Se crescermos 13% a 14%, que é uma conta de balcão de padaria, nós vamos passar de US$ 100 bilhões. Vão me falar que isso é impossível, mas pega o México, a Coréia, a China e provavelmente a Rússia. Eles fizeram recentemente e estão fazendo.

Folha - Mesmo nesse cenário externo adverso?
Furlan -
Você já ouviu a expressão que o Brasil não é vendido, mas que o Brasil é comprado. Quer dizer que as empresas, a maioria, fica aqui e vem alguém e diz: "você quer vender seu produto". Esse governo vai mudar isso. Nós vamos vender fora. Você pode dizer a Europa está em recessão, os EUA estão em recessão, o Japão está em recessão, mas quanto do mercado mundial é isso, quanto da população mundial? Pouca gente. Só com a China vamos crescer mais de 40% neste ano. Eu acho que é possível chegar aos US$ 100 bilhões, mas eu não estou propondo essa meta.

Folha - Passados cem dias do governo Lula, qual a prioridade na área econômica?
Furlan -
A prioridade da área econômica é construir um cacife de credibilidade e isso está acontecendo. Uma casa tem de ter bons alicerces. Se tiver isso, podemos colocar cem andares para cima. A nossa equipe de governo tem um compromisso explícito de fazer todos os ajustes para dentro. Não vai haver nenhum aumento de imposto. Toda vez que vi fazer ajuste foi em cima do consumidor, do setor privado, sem uma contrapartida. O ajuste é duro, mas é necessário. É a transição. As grandes metas são do desenvolvimento porque é a partir dele que teremos inclusão social, redução dos desequilíbrios regionais.

Folha - Dois anos é um bom tempo para a transição?
Furlan -
Transição para mim é seis meses. Seis meses é o primeiro tempo do jogo. No primeiro tempo jogamos na retranca. No segundo tempo vamos ganhar o jogo. Esse governo não vai jogar pelo zero a zero. O governo anterior jogava pelo zero a zero. A política econômica anterior jogava pelo zero a zero, para não tomar gol e, de repente, tomava um gol e aí se desesperava porque não estava preparada para fazer gol.

Folha - Quem falou nos dois anos foi o ministro Palocci?
Furlan -
Palocci é extraordinário, sereno e tranquilo. Me dou muito bem com ele. Agora, o ministro Palocci é o goleiro do time. É o cara que não pode deixar a bola passar e nós temos de fazer gol.


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