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LUÍS NASSIF
A crise da "Marquesa de Santos"
A abertura dos arquivos
de Carlos Lacerda, ex-governador da Guanabara, traz à
tona a história do mais influente
jornalista brasileiro de todos os
tempos, o demolidor de presidentes, o homem que mais eficientemente brandiu a bandeira
da moralidade para deflagrar
crises institucionais.
Você não imagina o que era a
influência de Lacerda na época.
Foi o principal responsável pelo
apoio da UDN à candidatura de
Jânio Quadros e o principal responsável, sete meses depois, por
sua renúncia.
O que o teria levado a romper
com Jânio foi o famoso episódio
da mala. Estudante ainda, presidente do Centro Acadêmico 22
de Agosto, da PUC-SP, o empresário Mário Garnero foi testemunha privilegiada e ator involuntário dessa peça política.
Sob sua presidência, o centro
havia se notabilizado por encontros bastante concorridos, nos
quais se discutiam os problemas
nacionais sob uma ótica não
ideológica -posição difícil na
época. Para a semana de 22 de
agosto de 1961, fora planejado
um encontro sobre integração
nacional, abordando aspectos
sociais, políticos e econômicos.
Seria a "Semana da Unidade
Nacional". Foram convidados 13
governadores, representantes
das entidades empresariais, jornalistas. O governador Lacerda
foi o último a confirmar presença, uma semana antes.
Lacerda acertou a vinda no
dia 22 de agosto, uma quarta-feira. No dia anterior falaria Brizola e, no posterior, Magalhães
Pinto. Lacerda ia chegar às 5 da
tarde. Garnero foi ao aeroporto.
Abreu Sodré, então presidente
da Assembléia Legislativa, já o
estava aguardando e convidou a
ambos para passar, antes, por
sua casa. Lacerda se mostrava
irritado com Jânio e seu ministro
da Fazenda, Clemente Mariani,
que pouco antes havia assinado
a instrução 204, aumentando a
tributação sobre uma série enorme de produtos. Além disso, disse ter informações seguras de
que o golpe estava em curso.
A "Semana" era transmitida
pela TV Excelsior, e os encontros
se davam no seu auditório, em
frente ao restaurante Gigetto, na
rua Avanhandava. O carro com
os três desceu a rua Augusta e virou na Nestor Pestana. Em frente à Excelsior, havia uma multidão. Em protesto, estudantes de
esquerda liderados por José Serra, naquela época líder estudantil, soltaram urubus -o apelido
de Lacerda era "o corvo". Foi um
pega-pra-capar com estudantes
ligados à União Democrática
Nacional (UDN). Lacerda conseguiu sair do carro e entrou pelo
corredor lateral do teatro.
A mesa foi composta. Abriram-se as cortinas, e foi uma
vaia só. Fez-se uma pequena
pausa para o Hino Nacional.
Antes de começar, Lacerda indagou de Garnero se a transmissão
era ao vivo. Garnero confirmou.
Lacerda levantou-se e começou
a contar histórias da Guanabara. Mas durou pouco o roteiro
programado.
"Não vim aqui para falar da
Guanabara, mas de vocês, comunistas, que estão querendo
derrubar tudo."
Explodiu um rolo monumental. O estudante Ricardo Zaratini, enorme, invadiu o palco e foi
em direção a Lacerda. Foi detido
no meio do caminho, mas Lacerda nem interrompeu o discurso.
"O que quero dizer a vocês é
que não são esses comunistóides
que estão criando problemas.
Quem está criando problemas e
articulando o golpe, e me convidou para participar, é Jânio
Quadros."
Sua fala devia durar 30 minutos, mas foi até as 2 da manhã.
Foi o maior índice de audiência
que a Excelsior jamais havia experimentado. O impacto das declaração foi devastador, com
manchetes em todos os jornais.
Jânio não retrucou. No dia seguinte, Lacerda foi à TV no Rio,
confirmou as denúncias. No dia
24, Jânio renunciou.
No período em que Lacerda esteve com Sodré, Garnero ouviu
sua versão a respeito do famoso
episódio da mala.
Segundo Lacerda, Oscar Pedroso Horta, então ministro da
Justiça, convidou-o para ser hóspede de Jânio. Ele preparou a
mala e seguiu para Brasília. Ao
chegar ao palácio, o porteiro lhe
disse que o presidente havia pedido que ele deixasse a mala na
portaria e fosse para o hotel Nacional, que Horta o estava
aguardando para uma conversa
urgente. Lacerda estranhou, mas
foi. Ficaram bebendo até as 4 da
manhã. Voltou para o palácio de
madrugada, a mala continuava
na portaria e a ordem que tinham era para não entrar.
Ele imaginou que estava sendo
jogado para escanteio na articulação ou que poderia estar sendo
utilizado como bode expiatório.
Foi para o aeroporto, pegou o
avião das 5 da manhã, voltou
para o Rio e começou a fazer as
denúncias.
Tempos depois, Lincoln Gordon, ex-embaixador americano
em Brasília, contou que, naquela madrugada, Lacerda não foi
recebido porque Jânio estava em
tertúlias pouco literárias com
uma dama da sociedade paulista, ex-mulher de alto executivo
da indústria automobilística.
Foi a "crise da Marquesa de
Santos" que entornou o caldo de
Jânio. No dia 24, o aguardado
jantar de confraternização da
"Semana de Unidade Nacional",
de Jânio com os 13 governadores,
não mais aconteceu. Não havia
mais presidente, e os governadores voltaram para casa. Tinha
acabado a unidade nacional.
Internet: www.dinheirovivo.com.br
E-mail: lnassif@uol.com.br
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