São Paulo, Quinta-feira, 13 de Maio de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

Um pouco de crédito, por favor!

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Caros leitores, dêem-me um crédito, por favor! Calma, calma. Não vou pedir dinheiro a ninguém. O crédito que vou pedir não é financeiro, mas de confiança.
Será que mereço? Vejamos. Desde os idos de 1993, quando o Plano Real era apenas um projeto da equipe do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, o humilde economista que vos escreve alertou, avisou e insistiu que a sobrevalorização do câmbio seria um perigo para o Brasil.
Veio a nova moeda e a valorização cambial acabou sendo maior e mais rápida do que se esperava. Como se isso não bastasse, o governo resolveu, em seguida, amarrar a taxa de câmbio sobrevalorizada a um regime de bandas cambiais, exatamente o tipo de modelo que acabara de fracassar no México e em diversos outros países! Desde 1995, passei anos avisando que o Brasil estava agarrado a um regime cambial condenado.
Virou uma obsessão. Amigos e familiares recomendavam: viva a sua vida e esqueça essa maldita taxa de câmbio. Foi um caso sério. Cheguei a escrever um artigo nesta coluna que terminava com um apelo patético: pelo amor de Deus e pela Santíssima Trindade, DESVALORIZEM O REAL!
Bem. O que aconteceu nos últimos anos, e em especial agora em 1999, mostra que havia razões objetivas de sobra para cultivar uma obsessão com o câmbio. E, permitam-me dizê-lo, os resultados iniciais da desvalorização e do regime de flutuação indicam que havia muito exagero e ignorância nas previsões alarmistas do governo e de seus porta-vozes informais quanto aos efeitos supostamente desastrosos da correção cambial e do abandono das bandas.
Por que estou dizendo tudo isso? Pelo seguinte (e peço, por favor, que me escutem um pouquinho mais desta vez): nas atuais condições internacionais e nacionais, DESVALORIZAÇÃO E FLUTUAÇÃO NÃO SÃO SUFICIENTES para nos proporcionar um modelo cambial sólido. Não me refiro ao fato óbvio de que medidas cambiais são sempre e em toda parte apenas um aspecto, ainda que crucial, da política econômica de um país.
O que eu queria lembrar é que faltam medidas essenciais no próprio campo cambial e das contas externas. Um país como o Brasil não pode entrar na flutuação de peito aberto: deve proteger-se sistematicamente da instabilidade resultante de entradas e saídas abruptas na conta de capital do balanço de pagamentos.
Em outras palavras: o novo regime cambial do Brasil precisa incluir, como uma de suas características duradouras, um sistema bem pensado, moderno e eficiente de controles sobre a movimentação de capitais.
Nos últimos meses, tenho insistido nesse ponto sem grande sucesso. Sei que é um tema árido, repleto de tecnicalidades e sutilezas. Não é fácil sensibilizar a opinião pública para a sua importância. Além do mais, a defesa de controles sempre contraria o preconceito liberal, ainda hegemônico, em favor da liberdade dos mercados.
Reparem, contudo, que até o "establishment" internacional começa a ter as suas dúvidas. No passado recente, a instabilidade provocada pela ampliação e aceleração dos fluxos de capital voláteis levou um número crescente de economistas, autoridades monetárias e até financistas a manifestar, de público, sérias dúvidas sobre a idéia de que a liberdade irrestrita é recomendável no caso dos movimentos internacionais de capital.
Mas é (ou deveria ser) óbvio que nós, brasileiros, não podemos aguardar que os interesses internacionais dominantes se ponham de acordo sobre como e quando controlar os movimentos de capital. Diferentemente do que sugere o costumeiro escapismo do governo brasileiro, há muito o que pode e deve ser feito, no âmbito estritamente nacional, para disciplinar as entradas e saídas de capital e proteger-nos dos riscos associados a essa movimentação.
O espaço não permite comentar, hoje, as diversas alternativas de que dispomos. Mas uma coisa precisa ser dita: a CPI do Sistema Financeiro está revelando que são enormes as brechas na legislação e nos controles que regem a movimentação de capitais para dentro e para fora do país. Fica cada vez mais evidente que a conta de capitais do balanço de pagamentos do Brasil está excessivamente aberta.
Vejam que não se trata apenas do caso escandaloso do banco Marka, que, enquanto obtinha socorro em um guichê do Banco Central, dirigia-se a outro guichê e remetia volumosa quantia para o exterior, sem ferir nenhum dispositivo legal! Foram muitas as instituições financeiras, inclusive bancos estrangeiros, que se beneficiaram das regras frouxas do Banco Central para reduzir impostos devidos, remeter recursos para o exterior e faturar com a mudança cambial.
Por isso é que eu insisto e repito e volto a dizer: pelo amor de Deus e pela Santíssima Trindade: CONTROLEM OS MOVIMENTOS DE CAPITAL!


Paulo Nogueira Batista Jr., 44, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. E-mail: pnbjr@ibm.net

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