São Paulo, sábado, 13 de junho de 1998

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ARTIGO
Cartões de crédito e competitividade

MAX IERVOLINO BASILE

Não há como negar que a competitividade do negócio de cartões de crédito é hoje, seguramente, uma das mais altas e estimulantes dentre os diversos setores da economia. Temos sido diariamente colocados à prova para estabelecer vínculos de relevância com os clientes capazes de determinar que, na hora H -a da compra-, ele utilize o nosso produto. É um exercício permanente de criatividade, marketing e relacionamento, que requer ferramentas apropriadas e profissionais talentosos.
Os indicadores internacionais têm mostrado que, como é natural, os mercados com mais problemas de ativação são exatamente os mais competitivos, em que as compras ficam diluídas entre os vários cartões.
Até bem pouco tempo atrás, um cartão de crédito -especialmente se revestido do glamour da versão gold- era privilégio de poucos. Hoje, nos grandes centros, a oferta já é maior que a procura: a média de quatro cartões por cliente dá a medida da expansão do mercado e redireciona o foco da discussão para uma cena predominantemente qualitativa.
Na medida em que o fator "novidade" de um produto perde fôlego -"comoditizando-se" pela massificação-, ele precisa ser compensado por vantagens mais consistentes ao longo do tempo, para manter a percepção de valor pelo mercado.
Nesse ponto, um dilema: diante da cobrança premente por metas agressivas de vendas e a crescente dificuldade de incrementar os diferenciais do produto em face da concorrência, o mercado foi levado, como recurso de ocasião, a um processo de degradação do preço dos cartões, em grande medida maléfico e difícil de resgatar.
Maléfico porque, ao degradar o preço, na verdade contribuiu-se para depreciar fortemente a noção de valor agregado do produto. E difícil de resgatar porque o cliente já se habituou a não ter que pagar pelo produto, o que tornará difícil a adesão a um cartão que não se lhe ofereça de graça. Formou-se um círculo vicioso, no qual o consumidor sente-se confortável por não ser cobrado e os administradores sentem-se respondidos pelos rápidos resultados de vendas.
A face mais sombria desse quase consenso tácito já começa a produzir seus efeitos mais perversos: receitas canibalizadas e clientes absolutamente infiéis, capazes de trocar de cartão a cada ano, tão logo prescreva o período de gratuidade.
A depreciação das linhas de receita do cartão, enquanto os custos operacionais permanecem fixos e elevados e as perdas de crédito e fraude ainda não estão estabilizadas, coloca em xeque o nosso negócio.
No afã de ganhar mercado, muitas vezes a troca de rentabilidade por "market share" é uma decisão deliberada, mas que deve estar sustentada por um planejamento estratégico e de metas de longo prazo. Do contrário, estará expondo o negócio a risco de descontinuidade na primeira troca de gestão.
O desafio que se impõe é o de resgatar a percepção de valor dos cartões no mercado, para gerar convicção de compra no cliente, que deve perceber o produto como relevante o bastante para adquiri-lo. Adquiri-lo -pagando por ele o preço justo pelo que apresenta diante das ofertas de mercado- e utilizá-lo, garantindo a manutenção do fluxo de receitas ao longo do seu ciclo de vida.
Nesse sentido, com efeito, os cartões "co-brand" -que têm por definição a característica de agregar vantagens competitivas concretas e tangíveis ao produto- talvez ainda sejam a melhor alternativa de crescimento com qualidade das carteiras. Além de evidenciar claramente o benefício oferecido para formar a decisão de adesão no consumidor, têm o condão permanente de estimular a frequência de uso: quanto mais usar, mais próximo estará da recompensa almejada.
Especialistas em competitividade, aliás, têm apontado dois caminhos. Um deles é exatamente o estabelecimento de programas de "co-brand". O outro é promover revisões periódicas (para cima) de limites de crédito para os melhores clientes.
Portanto a estratégia de gestão fundamentada no conceito de vantagens e benefícios resgatáveis na esfera de interesse do cliente -em essência, traduzida no "co-brand"- ressalta como das mais competitivas em uma cena de elevadíssima concorrência.
O problema que se apresenta, e que pode explicar a razão da desconfiança despertada em alguns administradores, é o exato dimensionamento da dinâmica de lucratividade diante do repasse de verbas requerido para sustentar as parcerias.
Muitas vezes as administradoras repassam linhas inteiras de receita aos parceiros, depredando parte sensível da sua rentabilidade.
Um produto que, por exemplo, repasse o equivalente à linha de intercâmbio ao parceiro e isente a primeira anuidade dos clientes terá problemas para equilibrar suas contas em menos de cinco anos.
Isso certamente representará uma crise de rentabilidade negativa, que tenderá ao abandono do programa.
O estabelecimento da verdadeira parceria "ganha-ganha" pressupõe uma negociação lastreada na permissibilidade dos encargos decorrentes do programa em face da dinâmica de lucratividade do produto. Isso precisa ser transparente: não é possível assumir custos fixos de parceria superiores a uma projeção conservadora de receitas do produto. Bem articulada a definição do produto nessa etapa (muito mais difícil do que possa parecer), pode-se estar a meio caminho da solução para a crise de ativação e retenção de clientes em nosso segmento.
A proposta, entretanto, está longe de ser conclusiva. A bem da verdade, o debate sobre o tema está só começando. É estimulante constatar que o mercado já se lançou a ele.


Max Iervolino Basile, 31, advogado, é gerente-geral da área de cartões de crédito do Banco Safra.



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