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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Geometria comercial
Transcorridos mais de quatro
anos, Doha, a "Rodada do
Desenvolvimento", ainda não
fez jus ao título esperançoso
A meu pai
A RODADA Doha da OMC foi lançada, em 2001, como "Rodada
do Desenvolvimento". Transcorridos mais de quatro anos e meio,
ela ainda não fez, e provavelmente
não fará, jus a esse título
esperançoso.
Cristalizou-se, ao que parece, um
impasse nas negociações. Como se
podia prever, o que prevaleceu não
foi a nobre preocupação com o destino dos países em desenvolvimento,
mas uma barganha acirrada. Em termos esquemáticos, ela pode ser representada por um triângulo -vamos chamá-lo de "triângulo de Pascal", como sugeriu o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. A
referência não é ao grande Blaise
Pascal, o pensador francês do século
17, mas sim a Pascal Lamy, o diretor-geral da OMC.
O "triângulo de Pascal" seria supostamente eqüilátero. Pode-se descrevê-lo do seguinte modo. Na sua
base, estariam as concessões demandadas dos países emergentes como o
Brasil: redução das tarifas industriais e remoção de barreiras de acesso aos mercados de serviços. Os lados do triângulo seriam as concessões demandadas dos EUA (redução
de subsídios à agricultura) e da
União Européia (acesso a mercados
agrícolas). É uma simplificação, obviamente. Mas representa alguns
dos aspectos cruciais da negociação.
Segundo Celso Amorim, o Brasil
só aceitaria um acordo em que as
concessões aportadas pelos desenvolvidos fossem muito maiores do
que as que se pediria aos países
emergentes, refletindo o fato de que
a OMC e o sistema multilateral de
comércio estão em pesada dívida conosco. O triângulo imaginado por ele
-vamos chamá-lo de "triângulo de
Amorim"- seria, portanto, um
triângulo isósceles de base muito
estreita.
A demanda é justa. A última rodada multilateral, a Rodada Uruguai,
terminou mal para o Brasil e outros
países em desenvolvimento. Países
como o Brasil foram induzidos a ceder nos temas de interesse dos países
desenvolvidos (por exemplo: redução de tarifas industriais, liberalização dos mercados de serviços, proteção da propriedade intelectual) sem
obter contrapartidas adequadas. Nas
áreas em que somos competitivos
(notadamente agricultura), os países
desenvolvidos reservaram-se o direito de continuar a praticar o mais
deslavado protecionismo, recorrendo sistematicamente a subsídios e
barreiras tarifárias ou não-tarifárias.
Alguma chance de que a Rodada
Doha termine em um "triângulo de
Amorim"? Não parece provável. A
União Européia e os EUA relutam
muito em oferecer concessões expressivas no setor agrícola. Apesar
disso, pressionam o Brasil e outros
integrantes do G20 a aceitar cortes
profundos em suas tarifas sobre importações de bens industriais e ampla abertura dos mercados de serviços. Se pudessem, gostariam de um
"replay" da Rodada Uruguai.
Tudo indica que não haverá "replay". O Brasil e os outros países do
G20 parecem preferir nenhum acordo a mais um mau acordo. Não podemos comprometer a indústria e o setor de serviços, em troca de algumas
migalhas para o agronegócio
exportador.
Depois de amanhã, começa a cúpula do G8, o grupo dos países mais
desenvolvidos acrescido da Rússia. O
impasse na OMC será objeto de discussão. África do Sul, Brasil, China,
Índia e México estão convidados para o encontro. Veremos se -e em
que termos- o impasse começará a
ser rompido.
Um comentário final, de caráter
mais pessoal. Não é a primeira vez
que dedico um artigo a meu pai. O
que me leva a fazê-lo hoje é o fato de
ele ter sido o representante do Brasil
na fase inicial da Rodada Uruguai,
quando lutou como um leão, em
aliança com a Índia, para evitar que
as negociações tomassem o rumo
que tomaram. Depois que ele foi
substituído, veio a derrocada, e o
Brasil acabou sucumbindo às pressões dos EUA e outros desenvolvidos. Essas e outras decepções com a
política externa brasileira contribuíram bastante para a sua morte prematura, em 1994.
Hoje, o quadro é outro. Muitos dos
que estão envolvidos nessa negociação, do nosso lado, tiveram a experiência direta ou, melhor dizendo, o
trauma da Rodada Uruguai. Trabalharam com meu pai e se identificam com a sua maneira de pensar e
atuar.
Por isso, digo, com orgulho: Paulo
Nogueira Batista, tal qual El Cid, o
Campeador, ganha batalhas mesmo
depois de morto.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 51, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional:
Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/
lsevier, 2005).
@ - pnbjr@attglobal.net
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